Nunca aposte contra a América
Por Norberto Zaiet
George Soros é uma figura controversa. Muita gente pensa que ele está por trás de tudo o que acontece de ruim na economia, na política e na sociedade em geral: seria uma espécie de encarnação do mal na Terra. Distante dessas polêmicas, porém, é inequívoco afirmar que Soros é um excelente gestor de capital. O sujeito sabe como ganhar dinheiro.
Nunca havia lido algo de sua autoria até que, em meio à crise de 2008 – um tempo em que se perdia dinheiro dia sim, outro também – meu chefe em Londres sugeriu, de maneira bastante contundente, que eu comprasse seu livro e buscasse entender sua Teoria da Reflexividade. “Está em liquidação na Barnes & Noble por menos de US$ 10”, disse ele, para me convencer.
No primeiro momento, a leitura me pareceu banal. Muito fácil pensar que se trata de mais um livro de obviedades escrito por um bilionário cheio de si. Suas ideias, porém, parecem dar estrutura a certos movimentos do mercado que tendem a se repetir.
De maneira simples, a Teoria da Reflexividade estabelece que os preços de mercado, quando seguem uma tendência, podem influenciar os fundamentos do próprio mercado. Segundo ele, “a ilusão de que os mercados estão sempre certos é causada pela habilidade que os mercados têm de afetar os fundamentos que eles deveriam refletir”. E, por construção, uma mudança nesses fundamentos se reflete nos preços, que, por sua vez, afetam os fundamentos. E assim por diante, em um ciclo de reforço que, quando interrompido, causa uma implosão tanto dos preços quanto dos fundamentos.
Tomemos a crise de 2008 como exemplo. Desde o estouro da bolha de tecnologia e os ataques de 11 de setembro, o FED baixou as taxas de juros agressivamente para algo em torno de 1%. Essa queda permitiu que houvesse uma maior procura por ativos imobiliários residenciais – essa era a tendência inicial. A partir daí, a maior procura por imóveis pressionou o mercado e os preços dos ativos residenciais começou a subir. Como esses imóveis eram garantia dos financiamentos imobiliários, sua valorização melhorou o perfil das operações de crédito, abrindo espaço para que os bancos pudessem ampliar os limites de financiamento. A partir daí, uma coisa puxa a outra: novos instrumentos financeiros, aumento da alavancagem, derivativos, diminuição da rigidez na concessão de crédito, mais procura por ativos residenciais, maior valorização e mais crédito ainda. Sabemos como acabou.
Me lembrei desse episódio porque, para quem passou por momentos de crise, a rápida valorização dos ativos nesses últimos meses causa uma certa ansiedade. Uma sensação de já ter visto o filme e não ter gostado. Desta vez a bola é inteligência artificial: a Nvidia estaria sofrendo os efeitos da Teoria da Reflexividade?
Os claros beneficiários de IA até agora, entre eles Nvidia, Meta e Microsoft, possuem geração de caixa condizente com sua valorização recente. Quem não tem a estratégia correta, ou não está preparado, está patinando, vide Apple e Google. Não apareceram, até agora, IPOs bilionários sem geração de caixa prometendo milagres. As condições financeiras estão frouxas, mas ainda não há sinais de alavancagem excessiva. Usando o modelo de Soros, tudo indica que estamos na fase da tendência inicial. Mas as condições para a espiral que ele descreve estão dadas: faça chuva ou sol, a Nvidia sobe todo dia.
Há euforia. Ativos especulativos, como criptomoedas, acordaram com força. Gráficos que mostram subidas verticais de preço em qualquer ativo causam desconforto e pedem uma realização, que seria saudável. Entretanto, salvo alguma externalidade – há várias por aí, além daquelas que ainda nem estão no radar – a tendência permanece firme.
Como diz Warren Buffett: “Apesar de algumas interrupções severas, o progresso econômico do nosso país tem sido de tirar o fôlego. Nossa conclusão inabalável: nunca aposte contra a América”.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York