Economia

Roberto Campos: resiliência do BC tem se mostrado positiva para a economia

Roberto Campos Neto mostra como o BC enxerga o Brasil — e como gostaria que o Brasil enxergasse o BC

Crédito:  Aloisio Mauricio/Fotoarena/AgÍncia O Globo

''A autonomia administrativa e financeira se trata de aperfeiçoar o processo para dar melhores entregas para a sociedade”, diz Roberto Campos Neto, presidente do BC (Crédito: Aloisio Mauricio/Fotoarena/AgÍncia O Globo)

Por Edson Rossi

Presidente do Banco Central (BC) pelo menos até o fim deste ano, Roberto Campos Neto esteve na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) na segunda-feira (4) para uma palestra que ganhou ares de prestação de contas conjugada a um pacote de estratégias em curso. Tudo recheado com slides, gráficos, dados e explicações técnicas. Manteve a política de lado e mostrou por que a resiliência do BC é decisiva no que há de positivo na economia brasileira. A seguir, um resumo dos oito principais temas do que disse.

INFLAÇÃO Quando a gente olha a inflação, divide entre o que é núcleo, o que é alimento, o que é energia. Num primeiro movimento, alimentos e energia subiram muito. No mundo todo. Agora, alimentos e energia caem muito. Mas quando a gente olha o núcleo, que é a parte mais estrutural, essa queda tem sido bem mais lenta. No Brasil, ela foi mais acentuada, com a inflação já indo em direção à meta, apesar de o núcleo estar ainda acima da meta. Mas o processo é de convergência. O ponto de atenção é a inflação de serviços. A mão de obra está muito apertada no mundo inteiro e isso faz com que você tenha uma atenção especial para a inflação de serviços, porque é intensiva em mão de obra. Fizemos várias análises e não há nada hoje que acenda algum tipo de luz vermelha. Está tudo mais ou menos dentro do script.

POLÍTICA FISCAL Apesar de o BC ter deixado claro que vamos perseguir a meta de inflação, as expectativas estão num nível acima da meta. Em parte pela percepção de que precisa ser feita a convergência fiscal. Para 2024, a meta do governo é 0% e o mercado acha que vai ser -0,8%. Isso se repete para 2025 e 2026. Como o mercado já tem um número bastante ruim para 2024, eu acho que aqui a chance é de a surpresa ser para melhor. O governo tem condições de apresentar um número melhor do que -0,8%.

TAXA DE JUROS Quase todos os países do mundo trabalham com a expectativa de queda de juros. O mundo emergente começou antes. Ao contrário de crises no passado, desta vez os emergentes foram mais coordenados e conseguiram fazer uma política monetária relativamente antecipada. O Brasil foi um dos primeiros. E em política monetária, quando você faz rápido e faz primeiro, custa menos para toda a economia. Acabo, porém, escutando muito no noticiário, ‘Olha, a taxa nominal está caindo, mas a taxa real não caiu’. Não é verdade. Entre 2014 e 2019, a taxa de juros real na média no Brasil foi 3,6% maior que a destes três países. De 2020 a 2023, caiu para 2,6% acima. Agora está 1,2% acima. A gente vem no movimento de convergência de taxa de juros real. A diferença vem se fechando. Alta é a nossa taxa de juros estrutural. O que precisamos é combater a taxa de juro estrutural alta.

EUA Há uma queda de juros muito menor do que já esteve precificada. Mas o gráfico mais assustador é o da dívida. Ela ficou por décadas entre 40% e 50% do PIB. Em 2008, 2009 e depois de 2010 sobe quase numa linha reta. Sai de um padrão histórico de 50% do PIB para algo perto de 180% do PIB.Como os juros subiram para 5,5% significa que vai ter um efeito de liquidez no mercado, porque os países desenvolvidos estão custando mais para financiar a dívida. Esse dinheiro tem de sair de algum lugar. Afeta o mundo emergente. Afeta as empresas. Não é uma coisa que as pessoas estão falando muito, mas é um ponto a se ficar de olho.

CHINA Lá, o setor de imóveis é muito importante — 73% da riqueza das famílias. Então, quando há uma queda no preço de imóvel, as pessoas respondem consumindo menos. Mas o preço de imóvel não caiu. Então, entender isso será decisivo. Um segundo ponto é que a China está fazendo uma mudança. Deixando de fazer um crescimento baseado em construção e infraestrutura para outro, baseado em consumo. É preciso olhar bastante de perto.

PIX & OPEN FINANCE Uma tendência que não tem mais volta: cada vez mais você representará um ativo de forma digital. Isso veio para ficar. Com isso, pensamos: ‘Como o BC deveria se posicionar?’ A gente precisava trazer mais a população para a bancarização. Começamos com algo mais fácil para as pessoas, que é pagamentos, o Pix. A segunda parte é ter comparabilidade e portabilidade imediata, que é o Open Finance — com ele, em algum momento vamos ter o marketplace de finanças. Será com os produtos financeiros como é quando você entra no Google para comprar uma camisa e aparecem inúmeras opções de camisas.

MOEDA DIGITAL O Drex tem três dimensões. Uma é ser um dinheiro programável, que tem vários benefícios e leva para a segunda dimensão: um mercado de contratos e registros muito mais transparente e barato. Sabe aquele ruído de comprar o carro? Você só quer pagar depois que o documento estiver no seu nome e o lojista só quer assinar depois que receber o dinheiro? Desaparece. A terceira dimensão é o uso da tokenização pelos bancos, o que aumenta muito também a eficiência deles.

AUTONOMIA DO BC Países que têm BC independente e utônomo operacionalmente têm BC com autonomia financeira. Para estar à frente na inovação é preciso ter quadros na fronteira do conhecimento, uma autonomia fincanceira e administrativa. Algo mais comparável ao mundo privado. Trata-se de aperfeiçoar o processo para fazer melhores entregas à sociedade.