Uma rede que busca mudar o mundo
Ecossistema criado pelo empreendedor pernambucano Fábio Silva ajudou a mudar a realidade de 5 milhões de pessoas. Agora quer cuidar da saúde mental dos líderes sociais
Por Sérgio Vieira
Pensa aqui comigo: quantas vezes a gente toma uma decisão que muda completamente o rumo de nossas vidas? E ainda: estamos dispostos a sair da zona de conforto? O pernambucano Fábio Silva fez as duas coisas. Deu um novo propósito à jornada de vida e deixou de lado o ambiente corporativo que poderia ser mais cômodo. Ele admite que não foi uma missão fácil se transformar em empreendedor social. “O impacto disso foi tão grande na minha vida que minha filha não sabia dizer o que eu fazia, qual era o meu trabalho”, disse à DINHEIRO Silva, hoje CEO e fundador da Rede Muda Mundo.
A mudança de chave ocorreu em 2011, após uma forte chuva que atingiu a região da Mata Sul de Pernambuco, que fica a 150 quilômetros de Recife, e que afetou 50 mil pessoas. Naquela época, Silva era sócio e CEO de uma rede de clínicas de odontologia e ortodontia. “Com a vida resolvida, casado, e democratizando a ortodontia no País, vi boa parte do meu estado ficar embaixo d’água”, afirmou.
Silva reuniu um grupo de amigos empresários para ajudar essas pessoas. Começaram a arrecadar recursos, suficientes para abastecer sete caminhões com colchões. “Ali a gente percebeu que havia entrado no coração das pessoas e elas queriam fazer mais pelos outros.” Com isso, surgiram outras ações pontuais, como reformas de creches, doações de cadeiras de roda, entre outras.
Logo depois, em 2012, Silva embarcou em uma jornada social nos Estados Unidos, a partir de uma iniciativa do consulado americano no País. Eles estavam atrás de possíveis lideranças pelo mundo que já tinham iniciativas relevantes nessa área. Foram seis meses de estudo por lá. “Todo mundo achou uma loucura. Eu não sabia explicar bem, mas sabia que tinha passado um ano com um pé na vida executiva e outro pé no voluntariado. E algo me chamava para fazer isso em tempo integral”, disse.
INÍCIO
Surgia aí o embrião do que seria a Rede Muda Mundo. “Vendi minha participação societária e tratei isso em casa com a esposa e as filhas. O futuro me levava para outro lugar”.
• A primeira iniciativa desse ecossistema foi o Novo Jeito, uma mobilizadora de ações em catástrofes e enchentes.
• Logo depois veio o Transforma Brasil, criado em 2014, e que hoje também já está em Portugal e Chile. O programa faz a conexão entre quem quer ajudar e quem precisa ser ajudado.Atualmente estão conectadas 12 mil organizações sociais.
• O Porto Social, desenvolvido em 2016, pode ser definido como uma incubadora de startups sociais. O sistema acelera e profissionaliza o trabalho, por meio de mentores e investimentos-anjo.
• A Rede Muda Mundo desenvolveu também um programa chamado Fábrica do Bem, uma ação ligada à saúde mental e emocional. Essa iniciativa levou Silva ao posto de embaixador do Pacto Global da ONU no Brasil no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3, que é referente à saúde e bem-estar.
Fábio Silva sentiu na pele todos os gatilhos emocionais de um líder social, a partir do diagnóstico de Covid-19, em 2021, que o deixou 30 dias na Unidade de Tratamento Intenso (UTI). “Peguei em Manaus. Quando saí do hospital tive depressão, pânico, burnout e precisei me cuidar. Percebi que era importante cuidar justamente de quem cuidava de tanta gente.”
• A mais recente iniciativa foi a Casa Zero, que é o primeiro shopping sociocultural do Brasil, instalado em Recife há um ano e que já virou franquia.
• Desse programa surgiu a marca Crianossa, com produtos como velas aromáticas criadas a partir das ações de qualificação profissional.
• Agora em março a Rede está implementando o Programa de Autocuidado e Saúde Mental (Pause), com o objetivo de cuidar de 1.000 líderes sociais no Brasil (500 no estado de São Paulo). “Temos na nossa rede 12 mil pessoas fazendo o bem, liderando projetos. Elas cuidam de pessoas, mas não cuidam de si próprias. O que queremos é transformar essa ação em política pública no estado de São Paulo”, afirmou.
E como a Rede consegue se rentabilizar? Em um modelo, segundo o executivo, entre o segundo (empresas) e o terceiro setor (organizações sem fins lucrativos). “Prestamos serviço, como a franquia do Casa Zero, então também somos um negócio. E a gente também faz programas de voluntariado para empresas”, afirmou. “E também recebemos doações, filantropia. E a gente faz isso com muita transparência e muita governança.”
Desde que foi implementada, a Rede Muda Mundo já beneficiou diretamente cerca de 5 milhões de pessoas. Somente no ano passado 225 mil foram impactadas. Quando se leva em conta o período de trabalho voluntário em 2023, o total chega a 4 milhões de horas.
Hoje o empreendedor diz com orgulho que Sofia, de 15 anos, já sabe bem qual a missão de vida dele. “Ela diz que o papai dela está juntando um monte de gente para mudar o mundo.” Acertou em cheio.