Ética não é opinião, nem circunstância
Por Jorge Sant’Anna
Você já ouviu falar em “Ethical fading”? Segundo o filosofo Mario Sergio Cortella, a ética consiste em um conjunto de valores e princípios, uma espécie de juiz interno que regula três forças importantes de nossa vida: o querer, o poder e o fazer. Enfrentamos uma batalha constante entre estas três forças. Este julgamento dinâmico interno, não se relativiza a partir de nossa opinião e sim está conectado, relacionado aos valores e princípios da sociedade / comunidade na qual estamos inseridos. A nossa opinião sobre o que é certo ou errado, se subordina de certa forma às regras da comunidade que participamos, a empresa que trabalhamos por exemplo.
Tais regras, princípios e valores se alteram com o tempo, jurisdição e estágio de evolução da própria sociedade. A todo momento, novas complexidades se somam ao dicionário de princípios e valores, daí a dificuldade na tomada de decisão com foco em comportamento “ético”.
De uma maneira geral, as grandes crises e fraudes corporativas, tais como Enron, WorldCom, Petrobras na Lava-jato e, mais recentemente, o caso Americanas, entre tantas outras, não nasceram de grandes rupturas com os princípios éticos vigentes e sim de pequenos atos de permissividade, muitas vezes no limite do que é legal. Isto acontece, na verdade na nossa rotina diária. A cada decisão, consultamos nosso juiz interno, que regula nosso querer, poder e fazer e aí então tomamos a decisão mais alinhada com nossos princípios e valores. No entanto sob pressão excessiva, liderança ausente ou ineficiente, cultura organizacional orientada ao resultado de curto prazo e não a criação de valor sustentável, os aspectos técnicos e materiais de nossas decisões, podem fazer com que os aspectos éticos desvaneçam ou simplesmente desapareçam de vista. Denominamos esse processo de “ethical fading”, traduzível para português como o apagamento da ética.
Nesse modelo mental, pessoas aparentemente éticas encontram razões para contornarem seus princípios intrínsecos e tomarem decisões que podem colocar suas carreiras e mesmo suas empresas em risco. Considerações como “todos fazem isso”; “faremos somente desta vez”; “não é ilegal”; “os fins justificam os meios”; “tenho apoio total de meu gestor” ou “nesta empresa isso é normal” são sintomas claros de que o ethical fading está se instalando no processo decisório individual e corporativo. E o que é pior: esse processo tende a ser evolutivo. As pessoas acabam se sentindo confortáveis com pequenas concessões e, com o tempo, as transgressões se acumulam. Por fim, acabam destruindo carreiras e até mesmo empresas.
Cabe à liderança disseminar e garantir a aplicação do conceito de que as circunstâncias e opiniões pessoais não devem ser colocadas acima dos princípios éticos. Cabe a cada profissional zelar pela integridade de suas decisões, sejam elas de que magnitude forem. Aqui vale a máxima de que a ocasião não faz o ladrão, simplesmente o torna visível.
Na dúvida vale a pena seguir o pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724–1804), um dos principais pensadores do Iluminismo, com grande foco na ética e metafisica: “Tudo o que não puder contar como fez; não o faça! Se há razões para não contar; há para não o fazer.”
Cuide para que o “ethical fading” não invada sua mente e se você ocupa uma posição de liderança, cuide para que sua organização não seja tolerante com este terrível inimigo, mesmo quando estão em jogo os resultados e a performance de curto prazo. Não faça concessões fatais.
Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos