Os ativos brasileiros estão baratos, mas o preço é justo
Por Norberto Zaiet
Os retornos das bolsas norte-americanas nos últimos anos são invejáveis. Quem investiu US$ 1 mil nas ações que compõem o índice do S&P 500 há cinco anos atrás, por exemplo, tem hoje cerca de US$ 1.800 na conta. Caso tivesse seguido o índice NASDAQ, os US$ 1 mil iniciais seriam quase US$ 2.500: são retornos acima de 15% ao ano, em dólar. Durante o mesmo período, o investidor estrangeiro que decidisse investir US$ 1 mil no Índice Bovespa, analisando a oportunidade que os ativos brasileiros ofereciam e avaliando que estariam baratos, teria hoje, cinco anos depois, os mesmos US$ 1 mil na conta. Os ativos brasileiros, apesar de baratos, não oferecem retornos que chamem a atenção do investidor estrangeiro.
Nem sempre foi assim. Quem investiu US$ 1 mil no Ibovespa no início do primeiro governo petista, em 2003, ganhou, em cinco anos, nove vezes o seu capital: terminou o ano de 2007 com US$ 9 mil na conta. Ao final do segundo governo Lula, em 2010, teria mais de US$ 10 mil. São retornos extraordinários, especialmente considerando que, no meio do caminho, o sistema financeiro americano quebrou. Para correr o risco de mandar seu dinheiro viajar ao Brasil, o investidor estrangeiro precisa ver mais do que ativos baratos. Precisa perceber que as condições de contorno permitem retornos extraordinários condizentes com o risco da viagem.
Em 2003, as condições eram favoráveis. O Brasil havia saído de uma crise cambial em 1999 e iniciado uma política de câmbio flutuante associada a metas de inflação, executadas por um banco central que, apesar de não ser independente, usufruía de autonomia operacional. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal recém-aprovada em 2000 era uma espécie de arcabouço fiscal da época, um instrumento crível e exequível que levara o País a superávits primários contínuos e crescentes. O Brasil mudava a sua história e passava a ser um País com inflação controlada e solvente, do ponto de vista fiscal. Ao mesmo tempo, alongou a dívida publica e alterou a composição do passivo. Aproveitou um ciclo de commodities de fazer inveja a qualquer país desenvolvido e tornou-se credor externo líquido, graças à acumulação de reservas internacionais em moeda forte. Depois de muito sofrimento, o Brasil finalmente havia encontrado a receita para sair do sufoco: estabilidade fiscal, controle da inflação e câmbio flutuante, o famoso tripé macroeconômico.
Em 2003, nada disso estava no preço dos ativos: os agentes do mercado não acreditavam que fosse possível sair do atoleiro, afinal o Brasil tinha um histórico de execução pobre do ponto de vista econômico. À medida que ficava claro que daquela vez era para valer, o estrangeiro começou a trazer capital. Primeiro para arbitrar a taxa de juros, depois, paulatinamente, para o mercado de renda variável e investimentos em capital, este último de caráter mais perene. A vinda do capital estrangeiro acelerou as transformações que aconteciam no Brasil desde o Plano Real, em 1994.
A pujança que se observava a nível macroeconômico escondia grandes imperfeições microeconômicas debaixo do tapete. Quando o Brasil se perdeu, do ponto de vista fiscal, a partir de 2010, elas vieram à tona com força. Infelizmente, continuam prevalentes não só no governo, mas também no setor privado. A fraude da Americanas é exemplo vivo.
Desde 2016, o Brasil vem tentando retomar o rumo macroeconômico que o levou ao sucesso. O caminho é claro, mas não é fácil – e a execução tem sido falha. Enquanto o Brasil acha o caminho de volta, por aqui o investidor se diverte com IA, a “revolução” dos remédios para obesidade e ganhos de produtividade a perder de vista. Nos emergentes, a bola da vez é a Índia. Os ativos brasileiros estão sim, baratos. Mas como se diz por aqui, “it’s cheap for a reason” (ou seja, estão baratos, mas o preço é justo). Infelizmente.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York