Como a primeira CEO da Roche trouxe inovação e crescimento equilibrado
Farmacêutica suíça registra faturamento de R$ 4,2 bilhões no Brasil em 2023, 14% superior ao do ano anterior. Estratégia da companhia para seguir crescendo inclui maior participação no setor público e pesquisas em mais regiões do País
Por Beto Silva
Lorice Scalise comanda a operação da Roche Farma Brasil sentada em uma bola de pilates. São várias delas espalhadas pelos ambientes da sede administrativa da companhia, localizada em um conjunto comercial na Marginal Pinheiros, em São Paulo. Seja para reuniões com o time ou para fechar um importante contrato, a executiva utiliza a esfera em substituição à cadeira. O hábito vai além da funcionalidade como tratamento de uma lombalgia que surgiu há oito anos. Com a bola, Lorice equilibra o corpo e a mente. E promove uma gestão igualmente equilibrada, que tem gerados bons resultados à empresa.
• No ano passado, a Roche Farma registrou faturamento de R$ 4,2 bilhões no Brasil, um crescimento de 14% em relação a 2022.
• Apenas as vendas dos produtos lançados nos últimos três anos aumentaram 29%.
• A inovação é, para a Roche, sinônimo de evolução — e fruto de um forte investimento em pesquisa clínica, que atingiu o patamar de R$ 540 milhões ano passado, 20% maior do que no ano anterior.
Ou seja: a aplicação de recursos em estudos avançou mais do que a própria receita da companhia. “Vamos continuar crescendo dois dígitos e seguir investindo em pesquisa clínica, com impacto grande em diversidade e inclusão, para dar cada vez mais acesso à saúde”, disse Lorice em entrevista exclusiva à DINHEIRO, obviamente sentada na bola de pilates.
Os resultados da Divisão Farma da operação brasileira são ainda mais significativos quando comparados com os números gerais da companhia.
• O faturamento global apresentou queda de 2%, ao atingir US$ 49,1 bilhões.
• Somados com os US$ 15,5 bilhões da Divisão de Diagnóstico (-20%), foram US$ 64,7 bilhões de receita em 2023, uma retração de 7% em relação ao período anterior.
• Assim, a Roche Farma Brasil garante o sexto maior faturamento entre as afiliadas do grupo no mundo — exceto Estados Unidos.
Primeira mulher a presidir a Roche no País e primeira pessoa latino-americana a ocupar o cargo, Lorice Scalise completa neste mês um ano no comando da Divisão Farma no Brasil.
Antes, esteve à frente dos negócios da empresa na Argentina, onde enfrentou índices anuais de inflação entre 50% e 100% (hoje está em 276,2% ao ano). Teve de se equilibrar no caos de uma economia complexa.
Antes, atuou na Suíça, sede da companhia. Por lá, integrou uma equipe responsável pelo desenvolvimento de equipamentos de imunologia. Um trabalho realizado em parceria com um time do Japão, que produziu soluções lançadas para mercados dos Estados Unidos até a Ásia.
O equilíbrio entre cultura, legislação, economia e comunicação tinha de ser azeitado para chegar a uma mensagem única a todas as nações envolvidas.
AVANÇOS
Foi com essa bagagem que Lorice foi convidada a substituir o suíço Patrick Eckert, alçado a nova posição no grupo, e equilibrar a gestão no Brasil. Sob a batuta da executiva, a companhia marcou a entrada no mercado de oftalmologia. Em julho de 2023, o medicamento Faricimabe recebeu aprovação regulatória da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento de Doença Macular Relacionada a Idade (DMRI) úmida e o Edema Macular Diabético (EMD).
Inovações medicamentosas para o tratamento dessas duas condições não eram lançadas havia mais de dez anos. No âmbito de doenças raras, lançou o Satralizumabe, única solução subcutânea com aprovação regulatória para o tratamento de pacientes com neuromilete óptica (NMO) a partir de 12 anos.
E na onco-hematologia, colocou no mercado o Polatuzumabe Vedotina, uma terapia que representa o primeiro avanço em 20 anos no tratamento de pacientes com Linfoma Difuso de Grandes Células B (LDGCB) não tratados previamente.
Até dezembro, a intenção é obter três aprovações regulatórias:
• uma terapia voltada ao tratamento da hemoglobinúria paroxística noturna, mais conhecida como HPN — uma doença genética que aumenta o risco de trombose;
• terapia para a distrofia muscular de duchenne, a DMD — que também marcará a entrada da Roche no mercado de terapias avançadas (ou gênicas) no Brasil;
• e uma molécula chamada Alectinibe, voltada ao tratamento do câncer de pulmão com mutação no gene ALK.
Os nomes das doenças e dos medicamentos são complicados, mas o fato é que foram produzidos a partir de muita pesquisa. Nesse caso, fácil de entender, mas difícil de executar. As inovações surgem de estudos clínicos e testes em laboratório feitos pela companhia, que apenas no ano passado aplicou US$ 12,7 bilhões em P&D.
No Brasil, mais de meio bilhão de reais irrigaram o trabalho em parceria com mais de 600 centros de pesquisa locais, desenvolvendo mais de 200 estudos, que envolveram cerca de 1,4 mil pacientes, segundo Lorice Scalise. “Provocamos o sistema ao buscar formas para que as pessoas possam ter acesso a terapias transformadoras que, sem essas pesquisas, não teriam”, disse ela. “Gera benefício direto aos pacientes e conhecimento para o mercado, pois eleva a qualidade dos serviços prestados.”
De acordo com Francisco Petros, economista e advogado especializado em direito societário, compliance e governança corporativa, o mercado farmacêutico no qual a Roche está inserida é muito dependente de inovações, alavancadas a partir de pesquisas científicas. “O sucesso de inovação farmacêutica, portanto, depende de elevados níveis de investimentos em P&D, na construção de um acervo tecnológico e científico capaz de ser usado em processos fabris e na gestão ágil e eficiente de projetos”, disse. “No caso da Roche, o investimento somente em pesquisas clínicas atinge 13% da receita [quase 20% em P&D no geral], acima da média da indústria.”
Para aperfeiçoar os estudos, a presidente da Roche Farma Brasil quer equilibrar a atuação com as seis centenas de hospitais e clínicas parceiras. Hoje esses locais estão concentrados no Sudeste do País, em especial São Paulo e Rio de Janeiro. A intenção é buscar mais participantes em outros estados, principalmente no Norte e Nordeste. “Nosso desafio é desenvolver esse trabalho fora do eixo Rio-SP”, afirmou Lorice, que logo no início de sua gestão, em maio do ano passado, inaugurou o laboratório da Roche no bairro do Jaguaré, na zona oeste da capital paulista, especializado em controle de qualidade, que demandou um aporte de R$ 40 milhões.
Era um projeto que estava em andamento antes de ela chegar na operação brasileira. Lorice também dá marcha a outro plano — este de redução da operação — traçado desde 2019, por decisão global da companhia. A fábrica de remédios no Rio de Janeiro está em phase out para que a empresa deixe de lado o portfólio de produtos mais maduros e dedique esforços em inovações (medicamentos para doenças sem respostas), que geram maior valor agregado. É foco no equilíbrio financeiro.
Para Gerson Brilhante, analista da Levante Inside Corp, a Roche disponibiliza uma extensa variedade de tratamentos e métodos de diagnóstico avançados e essa diversidade capacita a empresa a suprir as demandas de saúde. “Sua reputação global se reflete em sua credibilidade no mercado brasileiro, o que fortalece sua posição competitiva e confiança dos clientes.”
CONVERGÊNCIAS
Para este ano, a estratégia é fazer a Roche Farma avançar mais nas relações comerciais com o setor público, que hoje representam 30% das vendas. “O objetivo é chegar em 2028 em 50%”, afirmou Lorice. Para isso, é fundamental a atuação de colaboradores cujas funções foram criadas a partir do modelo de negócio implementado pela companhia a partir de 2020.
• Um deles é o patient journey partner (PJP), que é o parceiro da jornada do paciente, que faz o acompanhamento desde o diagnóstico e destrava possíveis burocracias internas para dar acesso aos tratamentos adequados.
• O outro é o healthcare system partner (HSP), o parceiro do sistema de saúde, que analisa todo o ecossistema para identificar tendências e padrões e estreita a relação com formuladores de políticas, reguladores e pagadores.
“De um lado, olhamos para a jornada do paciente e, por outro, a questão do sistema de saúde. Dessa forma, os pontos de convergências que eram encontrados acidentalmente hoje são intencionais”, disse Lorice. “Verificamos onde existem sinergias e como podemos contribuir mais.” É equilíbrio da força de trabalho.
Segundo o advogado especialista em Direito Médico e da Saúde Henderson Fürst, o mercado farmacêutico apresenta grandes desafios por ser altamente regulado, de questões sanitárias elementares ao preço e aos meios de distribuição.
Para o especialista, isso implica em maior confiabilidade a pacientes e profissionais de saúde, mas também na necessidade de saber como lidar com uma ciência em constante e rápida transformação. “Nesse contexto, um dos pontos fortes da Roche é a atuação quanto ao acesso, disponibilidade e precificação de medicamentos ao sistema de saúde”.
Com o setor privado, uma nova relação comercial com os hospitais é tratada por Lorice Scalise como oportunidade. O modelo já está em execução com o hospital AC Camargo, para tratamentos de câncer de pulmão e pode se estender para outras unidades e outras terapias.
Grosso modo, após análise de conjuntura e de diagnóstico, se o medicamento cumpre suas funções e gera resultados ao paciente, a unidade hospitalar paga por ele. Caso contrário, não paga pelo produto. “Temos uma janela de oportunidades ao repensar os modelos de negócios”, disse a executiva. No caso, é divisão de risco. Ou melhor, equilíbrio para as partes. Ao melhor estilo de gestão de Lorice Scalise.
ENTREVISTA
Lorice Scalise Presidente da Roche Farma Brasil
“O sistema de saúde está pagando a conta de todas as outras ineficiências”
Qual a sua opinião sobre o setor de saúde brasileiro?
O dia que a gente conseguir discutir programas de saúde vai ser mais interessante. Nós ainda focamos muito na doença, no tumor, e esquecemos que existe o ser humano. Deveríamos focar saúde integral da pessoa, como mantemos a sociedade saudável. Quando não tem educação, você gera uma população doente. Quando não tem saneamento básico, infraestrutura, gera doença. Quando não tem acesso a meios de transporte, gera doenças. E assim o sistema de saúde está no centro, pagando a conta de todas as outras ineficiências.
Estamos longe de aprofundar nessa discussão mais complexa?
Não é um problema apenas do Brasil. São discussões globais. Em países desenvolvidos também não são tão avançados esses debates. Sempre falamos da Saúde como uma coisa desconectada das demais áreas. Precisa conectar mais. Acredito que estamos longe, sim. De alguma coisa a gente tem que morrer e de alguma utopia a gente tem que viver. Às vezes a utopia é pensar que, de tanto a gente abordar esse tema, em algum momento essa conexão pluga.
O Brasil tem boa parte da população com baixa condição socioeconômica. Como isso afeta a política de preços, a competitividade e as inovações?
Temos de repensar como a gente faz negócio. No geral, a negociação que parte de volume e preço. Mas a gente esquece que estamos falando de populações de 1,5 mil pacientes de doenças mais raras, por exemplo. Na saúde, as relações deveriam estar pautadas sobre aquilo que eu te entrego, pensando que o paciente vai estar no centro. Temos implantado um modelo em que se a molécula cumpriu a função no tratamento, o cliente paga.
Qual a responsabilidade de ser a primeira mulher e primeira pessoa latino-americana a ocupar a presidência da Roche Farma Brasil?
Os modelos são fundamentais. Quando uma mulher ocupa uma cadeira que no Brasil por 90 anos estava sendo ocupada por homens, é importante olhar para isso. A desconstrução do arquétipo é o maior desafio para mim. Foi na Argentina e está sendo aqui. Qualquer pessoa que estiver nesse cargo tem de encontrar a melhor forma de fazer, de acordo com a visão que tem, a paixão que tem. Sou membro do comitê global de diversidade, equidade e inclusão da Roche. Todos esses elementos são pilares estratégicos. A diversidade interna é fundamental para atender pacientes tão diversos. É preciso entender essa realidade para discutir todas as possibilidades.