Economia

Mais um PL de economia circular. Mas quem paga a volta do descartado?

Senado aprova Política Nacional de Economia Circular, mas ainda sobram dúvidas sobre como essa circunferência se fechará

Crédito: Jonas Pereira

Por Paula Cristina

Imagina haver no Brasil um mercado pouco desenvolvido, mas com potencial de movimentar R$ 1 trilhão até 2030? E se esse mesmo mercado fosse capaz de reduzir substancialmente a produção de lixo e, de quebra, enquadrar o Brasil como exemplo mundial e viabilizar o acordo comercial com a União Europeia? Bom, é isso que promete o Projeto de Lei 1.874/2022 de autoria do petista Jaques Wagner.

Aprovada no Senado, a lei cria a Política Nacional de Economia Circular, integrando as cadeias produtivas e facilitando o caminho do produto para um descarte saudável. “É um novo modelo de produção. Com eficiência e sustentabilidade. Trata-se, portanto, de um PL econômico e socialmente meritório”, disse Wagner. O problema, no entanto, reside em sua regulamentação. Não é a primeira iniciativa brasileira do tipo e todas morrem no mesmo lugar: quem arca com o caminho de volta do item descartado?

Essa dúvida foi o que minou o Programa Nacional de Logística Reversa (PNLR), criado no governo Dilma Rousseff. À época, os varejistas diziam que os industriais deveriam coletar o produto descartado, já que eles faziam o rebeneficiamento. Os industriais, por sua vez, alegavam que o varejo tinha mais capilaridade, acesso e meios de fazer a coleta de maneira menos custosa e mais ágil. Resultado? O texto nunca foi levado a sério.

Segundo Wagner, diferentemente da PNLR, o texto de agora foi construído ao lado de empresários e é mais abrangente, envolvendo toda a cadeia. “O texto também altera a nova Lei de Licitações [14.133, de 2021], a lei que cria programas de incentivo à pesquisa [Lei 10.332, de 2001], e a lei que instituiu o Fundo Social [12.351, de 2010]”, afirmou o senador.

Com as mudanças o governo seria capaz de investir em pesquisa e desenvolvimento de novos caminhos para otimizar a sequência extração-produção-consumo-descarte. “ O modelo prioriza o reaproveitamento de resíduos, o reparo, o reúso e a remanufatura”, disse. Para isso seria necessária a criação de um Fórum Nacional de Economia Circular, com representantes de ministérios, sociedade e empresários.

O que é a Economia Circular?

Busca reduzir o desperdício e maximizar recursos reciclando e reutilizando materiais em todas as etapas do ciclo de vida dos produtos

ALGUÉM TEM QUE PAGAR

Para Josivaldo Loureiro, doutor em gestão de políticas públicas e ex-secretário de Meio Ambiente, Logística, Infraestrutura e Transporte de São Paulo, o texto não torna claro como serão financiadas as pesquisas. “Há a sugestão do governo renunciar impostos para empresas que investirem na cadeia circular. Também está citada a possibilidade de criação de fundo para tais custeio, mas nada é definitivo.”

Para o especialista, o ideal é que essa instrumentalização do processo seja feita de modo vertical, com anúncios simultâneos para investimentos com crédito verde, política de fomento de empresários com juros mais baixos, contrapartida de estados e municípios para os aderentes à economia circular, além, claro, de benefícios tributários para quem se dispuser a recolher o produto. “No caso do PNLR o erro foi deixar o mercado se auto regular. Não farão isso sem incentivo.”

Mas os tempos são outros. Olhar para o ESG e pensar em soluções mais verdes fazem parte das prioridades de 83% dos líderes executivos em todo o mundo, segundo a consultoria McKinsey Global Institute (MGI).

Isso significa que há capital dentro e fora do Brasil disposto a contribuir com essa jornada invertida do produto depois do descarte. De olho nessas movimentações, a indústria espera que o Plano Safra Industrial, uma política pública que vem sendo desenhada pelo governo federal, incentive tal mudança.

Segundo o vice-presidente da República e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, está no DNA da indústria a transformação e a reutilização, mas faltava o “empurrãozinho”. “Por isso nosso governo está comprometido em melhorar o ambiente de negócios, facilitar o crédito e, claro, ver nascer uma indústria mais verde, que reaproveita mais, que polui menos e que sirva de modelo para o mundo”, afirmou o vice-presidente.

Aprovado em votação simbólica após acordo no Senado, o texto segue agora para a Câmara. Segundo o senador Jaques Wagner, a proposta não deve ser tratada como “mera questão legislativa”. Para ele, é preciso mudar o paradigma. “O setor empresarial passa a ter mais responsabilidades nesse sistema. O Poder Público deve conscientizar a sociedade civil”, disse.

Um círculo bastante virtuoso, mas que depende de alguém pagar o óleo da engrenagem.