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Buildtechs, a revolução bancária que está ganhando impulso na América do Sul

Buildtechs que trabalharam para digitalizar o mercado de serviços financeiros querem aproveitar a expertise acumulada no Brasil para ampliar atuação nos países vizinhos

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Buildtechs: startups oferecem tecnologia financeira, muito além de serviços bancários (Crédito: freepik )

Por Allan Ravagnani

Pouco tempo atrás, o mercado de produtos bancários era restrito a pouquíssimas opções. Pedir um cartão de crédito, abrir uma conta corrente, tomar empréstimos e fazer um financiamento eram situações por vezes constrangedoras e limitadas a meia-dúzia de bancos tradicionais que controlavam o mercado. O setor começou a mudar há cerca de dez anos com a chegada dos bancos digitais, que conquistaram espaço oferecendo facilidades — como fazer tudo pelo aplicativo — e por não cobrar taxas de manutenção ou anuidades. Na esteira dos bancos digitais vieram dezenas de fintechs com créditos e suas soluções que democratizaram a oferta de serviços financeiros. Agora é a vez das buildtechs, startups que oferecem tecnologia financeira, muito além de serviços bancários. Criam oportunidades para que empresas comuns possam atuar como bancos, sem precisar de grandes investimentos em tecnologia e infraestrutura, além de passarem longe da regulação.

Diante dessas facilidades, uma companhia de qualquer segmento pode fornecer suas próprias contas correntes ou cartões de crédito com seu nome, recorrendo apenas a esses provedores de infraestrutura, que fornecem tecnologia e as licenças regulatórias legais para tirar o projeto do papel.

Essa revolução, que ocorreu no País no decorrer da última década, agora quer tomar a América Latina. E está sendo liderada pelas startups que abriram o caminho no Brasil.

A brasileira Dock, plataforma tecnológica para meios de pagamentos, já atua em oito países. Entre seus clientes estão o banco Neon, PagSeguro, PayPal, Lojas Pernambucanas, C&A, Coca-Cola e XP Investimentos. Por meio da estrutura que oferece, a Dock administra mais de 70 milhões de contas e transaciona 7 bilhões de operações anualmente.

CEO da Dock, Antônio Soares visa disseminar o conceito de democratização financeira para os mercados vizinhos, onde vê um grande potencial de crescimento (Crédito:Divulgação )

A visão de democratização financeira é comandada pelo CEO Antônio Soares, que observa na América Latina seu mercado de maior potencial. “Temos crescido 40% ao ano”, afirmou. De acordo com ele, a região pode se tornar uma potência econômica global ao ampliar acesso a crédito, informação e educação financeira à população. “Com os avanços do setor no Brasil, a experiência adquirida está sendo utilizada para acelerar o processo de descentralização dos serviços financeiros nos países latino-americanos”, disse.

Para Soares, todo esse processo se iniciou com o avanço das linguagens de computação, a descentralização dos mainframes para plataforma baixa, sendo possível criar os mesmos sistemas que somente os grandes bancos possuíam, e começar a distribui-los para financeiras de menor porte e outros tipos de empresas. “Ao longo do tempo, percebemos que não só democratizar a tecnologia era importante, mas também o acesso aos serviços financeiros, como as licenças para emitir cartões das empresas como Visa, Mastercard e Elo”, afirmou. “Além da autorização do regulador local para oferecer serviços de crédito e pagamento. Foi assim que começamos no Banking as a Service [BaaS]”, afirmou o executivo.

Se o cliente não quiser ir ao Banco Central tirar essas licenças e não tiver orçamento para gastar com compliance, backoffice, tecnologia, ele contrata essas startups que oferecem as operações gerenciadas e personalizadas, e negociam com as administradoras de cartão. “Foi assim que a gente começou a criar uma nova categoria, que é o banco atrelado a um negócio específico, negócios embarcados. É o banco da Natura, o banco das empresas de transporte, Banco da Favela G10…”, disse o CEO.

PARCERIAS E FACILIDADES

A Pomelo, startup provedora de tecnologia para cartões, investiu em características que calibraram as soluções com as principais demandas existentes no ecossistema de cartão de crédito. Por exemplo, o aumento da praticidade com um ambiente de programação acessível a qualquer desenvolvedor, novas tecnologias de segurança embutidas nos cartões, tokenização para carteiras digitais e novas APIs para acelerar as funcionalidades.

Após expandir para Chile, México, Colômbia, Peru e Argentina, a companhia alavancou suas operações e cresceu 200% em 2023, fazendo mais 55 milhões de transações diárias, atraindo como clientes os unicórnios Nomad e a líder europeia PaySafe, que utilizam sua plataforma para atuar na América Latina. Para 2024, planeja destinar 50% dos investimentos no Brasil.

Segundo Rafael Goulart, country manager da Pomelo, o mercado tradicional de cartões tem visto a startup como uma parceira técnica para lançar produtos. “Acompanhamos de perto as agendas do Banco Central, como Drex e Open Finance, e temos uma posição no mercado que nos permite auxiliar qualquer tipo de cliente, dos bancos digitais aos tradicionais, pequenos ou grandes”, afirmou Goulart.

CEO da Jazz Tech, José Roberto Kracochansky, quer proporcionar jornada completa ao usuário, indo além do feijão com arroz. “Não adianta abrir conta só para fazer pix” (Crédito:Divulgação )

Também tocando nesse palco de infraestrutura em serviços financeiros, a Jazz Tech não se vê disputando projetos tradicionais de BaaS ou montando bancos digitais para oferecer o simples “feijão com arroz”, de conta digital e cartão pré-pago. O foco da companhia está no mercado corporativo, em setores que vão do turismo às telecomunicações, passando por logística e transportes. “Não adianta abrir conta só para ficar fazendo Pix”, disse o CEO, José Roberto Kracochansky.

Segundo o executivo, conforme a evolução da Jazz Tech, notou-se que os clientes não precisavam apenas de consumo de aplicativos, mas de toda uma jornada completa, o que fez a empresa pensar no “Produtos as a Service”, com soluções e consultorias que ajudam as empresas a se transformar em bancos.

A Jazz Tech tem clientes como a Motorola, Move3 e a Sequoia. Essas duas últimas criaram seus próprios bancos, em que pagam os salários dos funcionários, antecipam pagamentos, depositam FGTS, cuidam das franquias e de toda a jornada financeira. Já receberam os serviços prontos, sem precisar investir em toda uma infraestrutura tecnológica e legal.

Para a Motorola, a Jazz levou para dentro do telefone da marca o banco inteiro, integrando no sistema operacional do celular a instituição financeira, uma conta corrente completa, que permite depósito, salário, cartão de crédito, conta PJ. “Temos também jornadas ligadas a prestadores de serviços, fornecedores, conta PJ — como uma transportadora que trabalha com vários motoboys. A gente liga tudo isso, toda essa jornada.” Jornada de construção de um nova revolução bancária.