Internacional

Oriente Médio despeja um arsenal de problemas na economia; entenda

Escalada dos conflitos no Oriente Médio e uma eventual guerra direta entre Israel e Irã amplificam a volatilidade nos mercados globais e geram preocupações sobre o impacto no câmbio, na inflação e nos juros aqui no Brasil

Crédito: Iranian Revolutionary Guard/Sepahnews via AP

Conflito pode escalar e impactar ainda mais dólar, petróleo e criptomoedas (Crédito: Iranian Revolutionary Guard/Sepahnews via AP)

Por Jaqueline Mendes

Dólar, petróleo, juros, frete internacional, criptomoedas… São muitos os setores da economia que acompanham com apreensão os desdobramentos do conflito entre Israel e vizinhos do Oriente Médio. Na semana que antecedeu o ataque inédito do Irã ao território israelense, no sábado (13), a cotação do petróleo tipo Brant chegou a subir quase 2%, a US$ 92, e mesmo recuando para a casa dos US$ 89 no dia 15 com a perspectiva de que não haveria revide imediato de Israel, a incerteza sobre o futuro da economia mundial já estava posta.

A pressão por uma não escalada das hostilidades contra os árabes por parte de aliados do Ocidente, como Estados Unidos, França e Reino Unido, até ajudou a esfriar os ânimos no campo militar e gerou alívio no mercado financeiro.

O presidente americano, Joe Biden, foi o primeiro entre os grandes líderes mundiais a colocar panos quentes. “Não vamos participar de retaliações contra o Irã. A prioridade agora é evitar uma guerra”, disse Biden, logo após anunciar a derrubada de 99% dos mais de 300 drones e mísseis lançados pelo Irã.

(Maher Al Mounes)
(Hossein Fatemi)

Depois do ataque que destruiu a Embaixada do Irã em Damasco, na Síria, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi (acima), prometeu se vingar de Israel. Na foto abaixo, o sistema de defesa israelense, que derrubou grande parte dos drones e mísseis lançados contra o país no último sábado (13)

(Ahmad Gharabli)

PETRÓLEO

A declaração do presidente americano serviu como um chá de camomila aos investidores do mundo inteiro e ajudou a acalmar a cotação da principais commodities, como o petróleo.

Para Celso Grisi, professor da FIA Business School, preço do petróleo já embutia uma semana antes as consequências da ação militar. “Portanto o evento já estava precificado”, disse.

No ano passado, o Irã figurou como o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, com produção de mais de 3,6 milhões de barris por dia, à frente do Brasil, que produziu 2,9 milhões de barris diários, segundo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás.

CRIPTOMOEDAS

A volatilidade do petróleo, que resultou em um temporário zero a zero, não reflete o que aconteceu com as criptomoedas ­— ativos que, assim como o ouro, têm sido mais procurados em tempos de incerteza mundial.

O Bitcoin, principal moeda digital do mundo, passou de US$ 61 mil no sábado da ofensiva do Irã para US$ 66 mil na segunda. E desde então vem se valorizando.

“Como reserva de valor, o Bitcoin se adapta melhor e mais rápido aos desafios”, disse Fabrício Tota, diretor de Novos Negócios do MB (Mercado Bitcoin).

Um detalhe que ajuda a explicar essa rápida adaptação, segundo ele, é a própria agenda de negociações. O mercado de criptoativos funciona de forma contínua, inclusive aos finais de semana, diferentemente das bolsas de valores. Ou seja, o efeito é imediato quando há ocorrências aos finais de semana.

Principal parceiro econômico e militar de Israel, o presidente dos EUA, Joe Biden, apelou para que Israel não revidasse aos ataques. Ele foi ouvido (Crédito:Anna Moneymaker)

DÓLAR

O nervosismo com o petróleo e bitcoin também pode ser visto na cotação do dólar. A quase guerra entre Israel e Irã não foi a única razão, mas ajudou a valorizar a moeda americana em todo o mundo. Em cinco dias úteis (em 10 e 16 deste mês), a divisa tinha acumulado elevação de 5,23% frente ao real,  chegando ao pico de R$ 5,29. Na quarta-feira (17), no entanto, a moeda americana recuou para R$ 5,22. No pacote de incertezas que influenciam o câmbio pesaram, além do fator guerra, os juros nos EUA e as incertezas em torno da mudança da meta fiscal no Brasil para o ano que vem (leia mais sobre o dólar na página 24).

CONJUNTURA NACIONAL

No Brasil, o que mais tira o sono do mercado é a dúvida sobre os impactos do dólar e do petróleo na inflação e, por consequência, na trajetória de corte de juros promovida pelo Banco Central.

O economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung, afirma que a alta do dólar poderá ter impacto na B3 e na curva de juros. “O petróleo e câmbio em patamares mais elevados podem afetar a gasolina e alguns serviços, como fretes e transporte. Assim, esse movimento poderia diminuir a flexibilização da taxa de juros pelo BC”, afirmou Sung. “Tudo vai depender muito da evolução do cenário e como as variáveis macro, commodities, câmbio, vão se comportar nas próximas semanas.”

• No curtíssimo prazo, o economista avalia que o mercado seguirá mais estressado, com curvas de juros subindo, queda da bolsa e até um dólar permanecendo acima dos R$ 5,20.
• No médio prazo, ela enxerga a dissipação de alguns choques como uma redução do impasse no Oriente Médio, a maior clareza da economia dos EUA e melhor compreensão da evolução das contas públicas.

“Vários fatores podem impedir um ritmo de queda mais acelerado dos preços”, afirmou Sung.

COMÉRCIO EXTERIOR

Além dos efeitos indiretos da guerra no Oriente Médio na economia brasileira, um eventual conflito direto entre Israel e Irã teria algum impacto sobre o comércio exterior. A corrente de comércio do Brasil com Israel e Irã representa apenas 0,7% de tudo que o país negocia com o mundo.

Em 2023, as exportações e importações brasileiras para ambos os países alcançaram US$ 4,314 bilhões.
Enquanto isso, os embarques e desembarques brasileiros para todo o mundo atingiram US$ 580,5 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

O país persa, oitavo maior produtor mundial de petróleo, tem se armado e desenvolvido equipamentos modernos, como drones, para um eventual conflito (Crédito:Atta Kenare)
(Anonymous)

ISRAEL

Especificamente sobre Israel, a corrente de comércio do Brasil chegou a US$ 2,013 bilhões no ano passado, com exportações e importações brasileiras atingindo US$ 661 milhões e US$ 1,352 bilhão, respectivamente. O mercado israelense figurou como o 54º destino das exportações brasileiras e foi o 34º mercado que mais importou.

• Os principais produtos embarcados foram óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus, responsáveis por 21% das vendas. Na sequência, vieram carne bovina fresca, refrigerada ou congelada (19%) e soja (18%).
Os desembarques foram concentrados em adubos ou fertilizantes químicos, exceto fertilizantes brutos, com 45%, seguidos por inseticidas, rodenticidas, fungicidas, herbicidas, reguladores de crescimento para plantas, desinfetantes e semelhantes (com cerca de 11%).

IRÃ

No caso do Irã, a corrente de comércio do Brasil foi de US$ 2,3 bilhões no ano passado, com exportações de US$ 2,298 bilhões e importações de menos de US$ 4 milhões.

• Foi a 32ª nação para a qual o Brasil mais exportou e a 112ª da que mais importou.

• Os destaques das exportações foram soja (39%) e milho não moído, exceto milho doce (36%).

Diante desses números, é mais do que natural a apreensão dos empresários e dos investidores sobre uma escalada da guerra. Cada míssil no ar é uma preocupação em terra.