Vem aí uma nova bolsa de valores?
A registradora CSD BR, que tem como sócios BTG e Santander, espera licenças da CVM e do BC para se lançar como competidora da B3
Por Letícia Franco
Monopólios existem para serem quebrados? Para Adam Smith, economista escocês conhecido como o “pai do liberalismo”, a concentração de poder do mercado nas mãos de poucos ou de apenas um produtor é um dos perigos para o funcionamento da livre-economia. No Brasil, o mercado de capitais tem dono: a B3 (sigla para Brasil, Bolsa e Balcão). Para o bem ou para o mal, a Bolsa brasileira conquistou seu monopólio após aquisições e fusões significativas, e hoje figura como a 20º maior do mundo, de acordo com a World Federation of Exchanges (WFE). Se depender da CSD BR, registradora de ativos financeiros, derivativos, valores mobiliários e apólices de seguro, isso pode acabar. A empresa tem investido R$ 200 milhões para a ampliar seu portfólio e espera ter duas licenças até o fim de 2024 para se lançar como novo competidor em até três anos.
Fundada em 2018 por Daniel Polano e Edivar Queiroz, a registradora, que tem hoje acionistas como BTG, Santander e Chicago Board Options Exchange (Cboe) e já concorre com a B3 nos serviços de registro, já nasceu com essa ambição: criar uma nova Bolsa.
É o que afirmou à DINHEIRO o CEO da CSD BR, Edivar Queiroz. E a empresa deu os primeiros passos ainda em dezembro de 2020, quando entrou com pedidos junto ao Banco Central para atuar como depositária e com compensação e liquidação, e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), neste caso para operar serviços de central depositária.
Para entrar no jogo, a CSD BR aposta suas fichas na velocidade da infraestrutura de mercado por trás das negociações financeiras e na redução do trabalho operacional de backoffice [conjunto de setores e funções administrativas sem relação direta com o core da empresa]. Tais serviços, segundo Queiroz, já são entregues por meio do registro de ativos financeiros, que totalizam R$ 1,5 trilhão. “Nossa meta é oferecer maior eficiência e praticidade para as áreas de depósitos e liquidação”, afirmou o executivo.
Segundo Joelson Sampaio, professor FGV EESP e doutor em finanças pela instituição, a chegada de uma concorrente à B3 pode gerar benefícios para toda estrutura que envolve o mercado financeiro nacional. “Todo mundo ganha, principalmente com mais visibilidade e credibilidade. Há possibilidade de explorar novos produtos, menores custos de acesso e transações em operação”, disse.
Além da CSD BR, outros adversários enxergam uma avenida de oportunidades no setor. Um deles é o Americas Trading Group (ATG), sob o controle do fundo Mubadala Capital, sediado nos Emirados Árabes. A empresa planeja colocar de pé uma nova Bolsa até 2025. A diferença é que, enquanto o ATG planeja criar uma exchange ligada à infraestrutura da B3, a CSD BR pretende operar em uma plataforma própria. Na avaliação de Queiroz apesar da concorrência, a abordagem é diferente.“São estratégias distintas para o mesmo objetivo.”
R$ 200 milhões
é o investimento inicial da CSD para expandir atuação
DESAFIOS
As solicitações feitas pela registradora são partes importantes, mas em caso de aprovação, a CSD ainda não estaria apta a gerenciar uma bolsa. Em nota à DINHEIRO, a CVM informou que há um pedido em análise para a autorização da prestação de serviços de depósito centralizado, “nos termos do disposto na Resolução CVM nº 31/2021”, mas afirmou que os requisitos para a constituição de um mercado organizado de bolsa e sua respectiva entidade administradora estão dispostos em outra resolução, de número 135/22.
Outro trâmite é a interoperabilidade, ou seja, a capacidade de negociação de ativos em mais de uma bolsa. Embora a condição seja prevista na CVM, a B3 estaria resistente a conversas com a CSD desde dezembro de 2023, segundo Queiroz. Procurada pela reportagem, a B3 afirmou que “se reúne mensalmente com a empresa e que a autorização da atividade a ser interoperada, dentro do arcabouço regulatório vigente cabe apenas ao regulador”.
Se opor ao domínio da B3 não é uma tarefa simples. Para Sampaio, apesar das vantagens de uma possível concorrência, ainda não há espaço para uma administradora do porte dela, que oferece serviços de manutenção, intermediação e negociação para pessoas físicas e jurídicas.
Hoje, a B3 tem valor de mercado estimado em R$ 63,47 bilhões e mais de 400 empresas listadas. Embora líder absoluta do setor, a chegada de potenciais players no mercado de capitais é vista com precaução, dado o atual desenvolvimento do mercado. “Isso pode gerar custos, especialmente por parte dos bancos e corretoras, devido a necessidade de investimento em conexões, sistemas e controles”, disse.
Seja agora ou no futuro, fato é que a abertura do mercado de capitais já está em curso, transformando a resposta sobre a quebra de monopólio, nesse caso, em uma questão de quando, não de se.