Revista

A delinquência digital

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Carlos José Marques: "Tem algo de muito podre em andamento na constelação digital e esse mal precisa ser tratado" (Crédito: Divulgação )

Por Carlos José Marques

Uma proposta de juristas que muda o Código Civil pode vir a mexer com o que tem sido uma verdadeira terra sem lei das redes sociais. Na prática, as alterações sugeridas em parte responsabilizam as chamadas bigs techs pelos conteúdos publicados, algo que há muito se discute sem efeito prático – e que ganhou ainda mais relevância depois do episódio envolvendo a rede social X (antigo Twitter) de Elon Musk. O assunto, naturalmente, mexe com interesses de corporações gigantes e envolve muito dinheiro. O trabalho dos especialistas, que versa sobre uma variedade de temas, se dedica a uma atualização de regras, mas estabelece também o que classifica como Direito Civil Digital, incluindo regras de privacidade, proteção de dados e liberdade de informação. Algo elementar, mas que vem até hoje sendo tratado como inexistente nesse ambiente. Será uma evolução e tanto que as plataformas digitais, onde impera uma quase algazarra de publicações sem punições, sejam responsabilizadas civil e administrativamente pelo ambiente que controlam. Em outras palavras, a partir da reformulação do Código, todos os provedores e usuários deverão responder por danos a terceiros. Os juristas querem que as empresas ainda façam, periodicamente, avaliações de riscos sistêmicos, prevenindo danos e ameaças potenciais. Isso inclui impactos em processos eleitorais, em segurança pública e de saúde (com fake news que desacreditam informações científicas), difusão de conteúdos ilícitos, de calúnias e difamações. Todo meio de comunicação convencional já está automaticamente sujeito a esses balizadores, mas por um descaso inexplicável as redes seguem à margem de tais ditames. Essa situação se torna ainda mais grave com o avanço acelerado da Inteligência Artificial, cuja tecnologia, em muitos casos, pode vir a ser usada para criar falsas narrativas e iludir os internautas. Falta transparência nas interações previstas a partir do advento da IA e o Código Civil quer mudar isso. O ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, que elogia a iniciativa, aponta em tom de ironia que todos, antes do advento das redes sociais, “éramos felizes e não sabíamos”. Para ele, a reformulação do Código nesse aspecto é uma necessidade premente, que não pode demorar mais. Há, decerto, uma verdadeira epidemia de ataques a reputações e luta de classes, política e social, que se instaurou no terreno digital, rumo à deterioração da humanidade. Essa escalada precisa parar. As plataformas, em boa parte, parecem estar à serviço da mentira e das manipulações de toda natureza. É crescente o uso desse instrumento para uma guerra suja de narrativas que vem deturpando valores e princípios. Tome-se, como exemplo, o próprio caso das disputas eleitorais. Por meio da internet, até mesmo resultados de votos vêm sendo distorcidos, como ocorreu nos EUA recentemente, via influência e interferência da Rússia. A rede, que tem como fundamento original, conectar pessoas e armazenar conhecimento, passou a ser tida como arma de combate. Tem algo de muito podre em andamento na constelação digital e esse mal precisa ser tratado. Como o tráfego na rede, em significativa parte, é gerado por robôs, a alavancagem e a disseminação das chamadas fake news viraram um câncer, que precisa ser extirpado o quanto antes.