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Como o IVA, o cashback e as isenções da Reforma Tributária vão afetar seu bolso

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O tempo urge: governo fala em revolução, mas congresso pode tirar proveito político para aprovar o restante da regulamentação (Crédito: Divulgação)

Por Paula Cristina

RESUMO

• Governo emplaca primeiro projeto para reorganizar a arrecadação
• Texto cria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que simplifica a tributação e beneficia 73 milhões de famílias com cashback
• Planalto fala em liberar R$ 128 bilhões em poder de compra
• Isso se o Congresso deixar: há mais duas regulamentações a serem enviadas ao Congresso
• Reforma pode, em 15 anos, aumentar em 12% o PIB e em 20% os investimentos, diz Alckmin
• Há ainda vários pontos de conflito entre os governos federal e estaduais

Quanto vale entrar para a História? A resposta, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é simples. “Fazemos o que precisa ser feito em todas as áreas, custe o que custar”, disse o petista em seu discurso, durante o evento em homenagem ao Dia do Trabalho, 1º de maio, na capital paulista. E se outrora o presidente se vangloriava de tirar o Brasil do Mapa da Fome e de ter ampliado o acesso à educação por meio de bolsas de estudo, em sua terceira gestão a aposta do petista para marcar o seu tempo é fazer a primeira grande reforma no sistema tributário brasileiro desde promulgação da Constituição, em 1988.

Na prática, isso significa algumas coisas relevantes:
torna menos inadequadas e anacrônicas as regras fiscais brasileiras;
redesenha e redireciona benefícios para quem precisa;
coloca o Brasil em linha com práticas dos países desenvolvidos.

A regulamentação desenhada pelo secretário extraordinário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, estipula a cobrança do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) com uma alíquota média de 26,5%, capacidade de reduzir em até R$ 380 bilhões ao ano o abuso do sistema para obter vantagens tributárias indevidas, além de elevar o poder de compra do brasileiro em R$ 128 bilhões ao ano.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad espera que o Congresso mantenha em mente que o objetivo da reforma é tornar o regime tributário mais justo, eficiente e transparente (Crédito:Diogo Zacarias)

Excelente na teoria. Incerto na prática.

Sob tutela do Congresso Nacional, e ainda sem relator definido, a regulamentação da Reforma Tributária segue agora os interesses de Arthur Lira, presidente da Câmara, e de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.

Nessa equação, somam-se ainda os interesses de parlamentares de bancadas temáticas, de prefeitos e governadores, além de empresários contrários à maior tributação dos setores em que atuam.

Na avaliação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o governo fez sua parte e entregou um texto coerente, mas o passo agora é do Legislativo. “Precisamos ter em mente que todos precisam agir em direção ao mesmo objetivo, ou vão se perder todos os efeitos da reforma”, afirmou.

A primeira prova para avaliar se Executivo e Legislativo andam na mesma direção será determinar o valor do Imposto Sobre Valor Agregado. Pelos desenhos do governo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios, ficará em 17,7%, enquanto a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que vai unificar os tributos federais (PIS, Cofins e IPI), será de 8,8%. “Hoje temos uma alíquota de 34%. Nós queremos baixar essa alíquota”, disse o ministro.

Segundo os estudos técnicos da Fazenda, por se tratar de um tributo só, será possível somar as fiscalizações e digitalizá-las, ampliando a base de arrecadação e diminuindo o custo para sua operação. “Se menos gente pagar, os que pagam, pagam muito. Se mais gente pagar, você consegue trazer a alíquota para um patamar adequado”, afirmou Haddad. Ele já sinalizou que, a depender da mudança no número de isenções, o valor final do imposto vai variar.

Presidente da Fiesp, Josué Gomes (esq.) e o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, trataram sobre o impacto positivo que a reforma trará em toda cadeia industrial (Crédito:Ayrton Vignola)

LEGISLATIVO

Dentro do Congresso, as conversas são intensas. Ao todo, 19 setores organizados já procuraram Lira e Pacheco para explanar suas preocupações com a reforma. Os setores, majoritariamente ligados aos serviços, argumentam que haverá um salto na incidência de impostos, em especial, para a tecnologia.

Pelas regras atuais, esse setor, encarado como indústria em muitos locais do mundo, é considerado na maioria dos casos com prestação de serviços no Brasil, sendo tributado como tal. As novas regras preveem que o pagamento de impostos seja dividido por toda a cadeia.

Por ter menos elos, o setor de serviço pode concentrar maior carga tributária em alguns deles. Para Bernard Appy, homem por trás da regulamentação, há grandes mitos sobre o assunto. Ele afirmou que empresas enquadradas como MEI e Simples Nacional prestadoras de serviços terão alíquota reduzida. O mesmo vale para serviços ligados à saúde e educação. Haverá regime especial para 18 categorias, como arquitetos, jornalistas, produtores audiovisuais. “As exceções só não contemplam as grandes empresas que possuem operações enormes e pagam, proporcionalmente, menos impostos que qualquer outro setor”, disse.

Outro assunto que vai atravessar a rotina do Legislativo na negociação é a regulamentação da devolução de parte dos impostos pagos pela população, que ficou conhecido como “cashback do povo”. O benefício seria destinado às famílias que recebem até meio salário mínimo por pessoa. Segundo Appy, trata-se de justiça fiscal. “Cabe ao Congresso legislar sobre o limite para devolução, e medidas para mitigar fraudes”, disse.

De acordo com a proposta, o valor do cashback será calculado sobre o consumo das famílias de baixa renda, formalizado por meio da emissão de documentos fiscais. Nas regiões em que houver dificuldade operacional no canal de devolução, haverá uma alternativa de cálculo simplificado do cashback. Além desse recorte para a baixa renda, Appy confirmou que há no projeto um mecanismo para ressarcimento, similar ao que ocorre hoje em alguns estados com a emissão da Nota Fiscal Eletrônica, mas centralizado em um único emissor.

Essa foi a deixa, inclusive, para que os governadores e prefeitos agissem.
Com o argumento de que precisam compensar o desequilíbrio fiscal que pode surgir com a reforma, uma das propostas é que cada governo local possa decidir sobre o valor do cashback, a forma e frequência do pagamento.
De acordo com o secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte, Carlos Eduardo Xavier, que preside o Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), caso seja estipulado um sistema único para todo o País, algumas unidades da federação podem enfrentar problemas fiscais, em especial pelo cashback nas tarifas de energia e saneamento.
Outro ponto que gera conflito entre os governos federal e estaduais é a manutenção dos fundos de combate à pobreza, hoje financiados pelos estados com um adicional de 2% do ICMS.
Há discordância também na tributação de compras governamentais, a diferenciação entre crédito acumulado e saldo credor do IBS, a prestação de informações pelas instituições financeiras ao Comitê Gestor e eventuais mudanças no Simples Nacional.

(Divulgação)

O BÁSICO E O PECADO

A regulamentação institui que 15 produtos da cesta básica poderão ser desonerados integralmente. Com preferência para itens como arroz, feijão e farinha, além de itens in natura, e extinguindo da lista produtos ultraprocessados, açucarados ou em desalinho com a OMS. Os alimentos que ficarem de fora dos 15 ainda poderão ter regimes especiais, com reduções entre 40% e 60%.

Para garantir que o básico fique mais barato, o governo irá compensar com o que já ficou conhecido como Imposto do Pecado, na verdade, Imposto Seletivo (IS). Nessa lista entram cigarros, bebidas alcoólicas e açucaradas, veículos poluentes, extração de minério de ferro, petróleo e gás natural.

Apesar de dizer quais produtos estarão sujeitos à tributação específica, o governo não previu no texto enviado ao Congresso os percentuais, que ficarão nas mãos do Congresso. A previsão da Fazenda é que as regulamentações aconteçam neste ano e em 2025. Assim, as alterações entrariam em vigor a partir de 2026.

Quem tem comemorado o avanço da regulamentação é a indústria. Atualmente, o setor tem a maior incidência de impostos, com média de 46%, enquanto serviços, atualmente, pagam em torno de 16%. Para o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, o modelo atual é anacrônico. “O antigo já tinha cumprido seu papel e estava absolutamente disfuncional. A reforma é um avanço para todos, especialmente para a indústria de transformação”, disse o presidente da Fiesp.

Segundo ele, os destaques na reforma foram:
a retirada de resíduos tributários cumulativos da cadeia produtiva;
o fim dos impostos incidentes sobre bens de capital e dos investimentos;
e a devolução às empresas, no prazo máximo de 30 dias, dos créditos retidos a serem recebidos dos entes federados.

O vice-presidente da República e chefe do MDIC, Geraldo Alckmin, estima que, em 15 anos, a reforma pode aumentar em 12% o PIB e em 20% os investimentos. Mas para isso é preciso acertar agora. “Tudo que é difícil e complexo, o caminho é o gradualismo”, disse. “É melhor fazer de maneira gradual do que não fazer.”

A ideia de um caminho lento, mas constante, preocupa Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e atual economista-chefe da Warren Investimentos. Para ele, o fato da regulamentação ter mais de 300 páginas indica que há margem para distorções. “Ainda restam dúvidas sobre como funcionará o contencioso tributário, a fiscalização, a arrecadação, funções precípuas dos governos”, afirmou.

Maílson da Nóbrega, ex- ministro da Fazenda, disse que havia espaço para uma alíquota ainda menor, mais próxima dos 20%, mas que as concessões prejudicam esse processo. Ele também ressaltou os problemas de reserva de apenas um trimestre para discussões tão amplas. “Com a eleição municipal, o Congresso pode acelerar as coisas e deixar passar pontos que seriam modificados caso houvesse tempo”, disse.

Além disso, ainda há mais duas regulamentações a serem enviadas ao Congresso, sinalizando que o caminho será longo, terá um forte custo político, financeiro e imagético, mas também é capaz de garantir ao governo Lula III mais uma menção honrosa sobre seus feitos à frente do Brasil.

ENTREVISTA
Bernard Appy, Secretário Extraordinário do Ministério da Fazenda
“É uma revolução, e estou orgulhoso de fazer parte disso”

(Washington Costa)

A alíquota média do IVA, de 26,5%, não é alta para os padrões internacionais?
Essa é a estimativa para alíquota padrão, isso significa que ela será menor para os itens que possuem algum grau de desoneração ou isenção, o que derrubará o valor médio. Também é importante lembrar que este é o valor sobre o preço sem imposto. Ao contrário do que acontece hoje [que a alíquota incide com o imposto incluído]. Isso reduz os custos e oferece transparência. E isso é o padrão internacional.

Quais são e como foram escolhidas as imunidades tributárias?
Primeiro, vale ressaltar que compra e venda de empresas não será tributada e não porque são isentas, mas porque não caracterizam consumo. Investimentos também não serão. Essas são dúvidas comuns. A imunidade será aplicada para a exportação, em toda cadeia. Permanecem isentas igrejas, ONGs, partidos políticos, sindicatos dos trabalhadores, livros, radiodifusão. Tudo isso foi escolhido, e descrito com detalhes, para não abrir espaço e margem para uma adoção descontrolada, como é hoje.

Como fica a autonomia dos estados nessa nova ordem?
A União, estados e municípios têm autonomia para fixar sua alíquota. Isso em cima do que chamamos de alíquota padrão, de 26,5%. Ou seja, a CBS [8,8%] é gerida pela União e o IBS [17,7%] por estados e municípios. Isso significa que cada gestor municipal ou estadual pode usar a alíquota de referência a ser definida pelo Senado, e determinar, por exemplo, mais meio ponto percentual, um, dois pontos. Isso tudo em cima do imposto padrão.

Como será o pagamento dos impostos?
São três formas: compensação com crédito apropriado, ou seja, usando os recebíveis tributários; o pagamento tradicional no dia do vencimento; e o split payment, sistema que já recolhe os impostos no ato do pagamento ao fornecedor, por exemplo. Assim coibimos sonegação fiscal e damos garantias aos elos da cadeia de que cada pagamento será feito no tempo certo.

Na prática, qual impacto da reforma?
Na operação das empresas, imenso. Será mais rápido, transparente e estável, aumentando a segurança jurídica. Também serão reduzidos 2% do PIB em benefícios fiscais descabidos, ao passo que 73 milhões de famílias serão beneficiadas diretamente com o cashback. É uma revolução, e estou orgulhoso de fazer parte disso.