Setor elétrico dribla falta de crédito no mercado com emissão de debêntures; entenda
Empresas do setor elétrico aceleram a emissão de títulos para captar recursos e financiar projetos de expansão
Por Jaqueline Mendes
Mesmo com a queda da Selic, empresas que precisam de crédito sabem que não é tarefa simples levantar recursos no mercado para financiar seus projetos de expansão. Mas a realidade das companhias do setor elétrico não é essa. Elas têm surfado com desenvoltura no mercado de crédito privado neste ano.
Apenas em abril, 32% das ofertas de debêntures partiu de companhias do setor, com operações de devem superar R$ 11 bilhões.
Na lista das empresas se destacam:
• a Energisa (R$ 1,4 bilhão),
• a Neoenergia Elektro (R$ 1,2 bilhão),
• e a CPFL Transmissão (R$ 635 milhões).
Essa dinheirama ganha musculatura quando se soma a emissão de R$ 2,5 bilhões da Eneva, empresa que atua no setor de eletricidade e também na área de gás. A empresa vai emitir debêntures por meio de quatro séries para investidores profissionais.
Os valores foram divididos em R$ 633,3 milhões, R$ 866,7 milhões, R$ 692,4 milhões e R$ 307,5 milhões. Os bancos Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual, UBS BB e a XP Investimentos participam como coordenadores do processo.
Esse forte movimento contabilizado em abril reflete o embalo do setor no primeiro trimestre. A emissão de debêntures acumulou de janeiro a março R$ 12,7 bilhões, quase 19% do total levantado com títulos incentivados, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
A participação das debêntures do setor, acima de 30% nos três primeiros meses de 2024 ficou à frente de segmentos como transporte e logística (22%), telecom (13,7%) e petróleo (12%). Por estarem em período de silêncio (intervalo que precede a divulgação de resultados), as empresas de energia não comentaram ou deram detalhes sobre a disparada na emissão de debêntures.
Sabe-se, no entanto, que as empresas do setor elétrico têm buscado alternativas para quitar dívidas com bancos, contraídas em tempos de Selic em 13,75%. Em paralelo, buscam reforçar caixa para executar obras de expansão e modernização de suas operações em tempos de arroxo do governo e da Aneel, a agência regulatória do mercado.
Um dos exemplos é a Taesa, que emitiu R$ 1,3 bilhão em debêntures em abril. Parte dos recursos levantados serão utilizados para resgate total ou amortização antecipada da emissão de R$ 1 bilhão feita em fevereiro de 2023.
19% do total de títulos incentivados no primeiro trimestre foi para o setor de energia
O que é bom para as empresas do setor elétrico tem sido atraente para os investidores que buscam retornos mais altos em cenário de bolsa turbulenta e juros em queda. Segundo Rafael Feler, responsável pela área de mercado de capitais do BNDES, tanto os títulos incentivados quanto os que não são isentos chamam a atenção especialmente quando parte de empresas com rating alto. E esse movimento, na avaliação dele, em uma reportagem do Valor, deve permanecer aquecido pelo menos até o início do segundo semestre se as condições de demanda continuarem.
Pelos cálculos da XP Investimentos, abril é o mês com o maior volume de debêntures a vencer até o fim de 2024. As empresas deverão honrar R$ 10,9 bilhões em dívidas emitidas entre 2013 e 2022 e o grande volume pode beneficiar os investidores. A equipe de Research da XP destaca que com dívidas prestes a vencer, boa parte das empresas deve tomar novos empréstimos no mercado de capitais, aumentando o número de opções de aporte no crédito privado. “Enxergamos a possibilidade de novas emissões para refinanciamentos, ou seja, oportunidades de investimentos”, disse a XP, em relatório.
INCENTIVO
Além do apetite das empresas por mais crédito, o setor de debêntures na área de infraestrutura recebeu um empurrãozinho do governo em março. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que regulamenta a emissão das “debêntures de infraestrutura” e das “debêntures incentivadas”, instituídas, respectivamente, pelas Leis nº 14.801/24 e nº 12.431/11. O decreto tem como objetivo incentivar a execução de projetos essenciais para o país, sempre pautados em compromissos ambientais e sociais.
Ele estabelece critérios claros e objetivos para o enquadramento e acompanhamento dos projetos de investimento considerados prioritários na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Dessa forma, são definidas as iniciativas que poderão ter financiamento impulsionado pelas novas debêntures, que contarão com incentivo fiscal.
Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Brasil precisa de um plano de desenvolvimento para ser uma nação desenvolvida, e o que foi feito na ocasião é uma espécie de matriz que pode ser replicada em outros setores economia. “A infraestrutura financiada com orçamento público e a voltada às PPPs [Parcerias Público Privadas] e concessões estão recebendo, desde o ano passado, estímulos econômicos importantes, como o aval do Tesouro nas PPPs estaduais e municipais e as debêntures incentivadas”, afirmou Haddad. “Tudo isso vai também compondo um marco regulatório novo que vai incrementar a infraestrutura do País.”