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“Não descartamos corretamente nossos resíduos”, diz Renato Paquet, da Recicla Latas

Para o secretário-executivo da Recicla Latas, o País está perdendo oportunidade de avançar na reciclagem

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Renato Paquet: "Hoje 40% dos resíduos do País sequer vão para destinos adequados e acabam indo para lixões" (Crédito: Divulgação )

Por Sérgio Vieira

Porque há uma diferença tão grande entre a reciclagem de alumínio, que é um sucesso, de outras cadeias no Brasil?
Desde a primeira lata de alumínio produzida no Brasil, em 1989, o setor já investia no retorno dessa embalagem para o ciclo produtivo. Já se sabia que ela seria uma matéria-prima importante e que ajudaria a encurtar o período para fabricação de outra lata, além de gerar uma economia significativa. Por isso, o segmento de alumínio saiu na frente de outros setores. E os investimentos nesse processo de circularidade nunca pararam. Há centros de coleta de latas de alumínio em todas as regiões do Brasil. O vidro, por exemplo, é muito pesado e vale pouco. Quando bem pago, o catador recebe R$ 150 por uma tonelada de vidro. No caso da lata de alumínio, uma tonelada gera 40 vezes mais que isso. É uma disparidade grande.

E como tem sido o ecossistema econômico da reciclagem de alumínio?
Somente na reciclagem são injetados cerca de R$ 6 bilhões por ano nessa cadeia. Esse valor é o que chega aos catadores. O outro impacto, que pouca gente enxerga, é toda a malha logística envolvida nisso, com o transporte desse material. Também há a questão da economia da energia ao reciclar o alumínio. O volume economizado do setor de latas é equivalente à consumida em todo o estado de Goiás durante um ano. Fora a diminuição do custo ambiental.

Quais fatores influenciam para que, no geral, o índice de reciclagem no Brasil seja baixo?
No total, alcançamos apenas de 3% a 4% do total de resíduos produzidos que são reciclados no País. Um dos principais fatores é que nós, consumidores, não descartamos corretamente nossos resíduos. E, ainda que façamos corretamente, em muitos lugares não há coleta seletiva na porta de casa. Esses são fatores fundamentais. Hoje 40% dos resíduos do País sequer vão para destinos adequados e acabam indo para lixões. É muito importante que haja essa conscientização do consumidor, mas é de igual importância trazer a responsabilidade para o setor público, no caso, os municípios, para que façam a coleta e destinação correta desses materiais.

Se o setor de latas de alumínio alcançou a marca de 100% de material reciclado, ainda há desafios nessa cadeia?
Precisamos compartilhar o nosso conhecimento. Nossa responsabilidade é de levar essas informações a outros setores para que haja igual avanço. Não existe o campeão da reciclagem. Nós temos o maior índice, mas se outros setores não fizerem sua parte, todo mundo perde. Quando se fala de meio ambiente, estamos falando de coletivo.

E qual o papel do setor público?
Precisamos capacitá-los, para que façam os planos municipais de resíduos sólidos, já com preceitos da economia circular, pensando rotas de logística reversa, na inclusão de catadoras e catadores na coleta seletiva, porque eles são os maiores interessados no material reciclado. Eles entendem mais, dialogam mais sobre isso do que os garis, por exemplo, que fazem um trabalho espetacular, mas passam nas ruas com a função de coletar os resíduos. Quando o catador é inserido, ele ainda conversa com o morador, promovendo um trabalho de educação.

Isso significa que o setor de alumínios está avançando na discussão sobre a reciclagem geral?
Exatamente. No papel da logística reversa pura e simples, que é fazer com que a lata de alumínio volte para o ciclo produtivo, nós alcançamos nosso objetivo. Agora estamos estendendo a pauta e trazendo outros setores conosco. Nesse sentido, a gente quer, até 2025, conseguir fazer a capacitação em todos os estados brasileiros, convidando os municípios desses estados. Já capacitamos mais de 1,5 mil gestores em três anos de trabalho. E precisamos avançar, por conta da urgência do tema. Se o setor de alumínio não tivesse tão avançado, esse índice seria ainda menor.

A Recicla Latas tem defendido a regulamentação da Lei de Incentivo à Reciclagem. O que ela contribuiria no avanço desse tema?
Essa foi aprovada pelo Congresso em 2021, sancionada em 2022, e, no ano seguinte, foi colocado no orçamento um montante de R$ 300 milhões, como foco quase exclusivo aos catadores. E só precisava que o rito fosse seguido, com a indicação de como esse valor seria utilizado. Mas infelizmente não foi feito. E justamente em um momento em que o valor histórico dos materiais recicláveis caiu muito.

E por qual razão isso ainda não aconteceu?
Por uma questão meramente burocrática. Era sentar, desenhar o rito e implementar. Seriam duas pessoas do Ministério da Fazenda, duas do Meio Ambiente, e uma do setor produtivo e formar um conselho. Mas isso nunca aconteceu. No momento de transição do governo, ficou bastante claro que essa era uma pauta prioritária. E o atual governo, em tese, teria uma atenção grande aos catadores. Não podemos esquecer que a Aline, uma catadora, ajudou a colocar a faixa presidencial no Lula. Então esperava-se prioridade para esse setor. Houve um gap no início do governo, mas o que se esperava seria o avanço. Infelizmente não houve essa prioridade.

No que exatamente seriam usados esses R$ 300 milhões?
Seria para ser investido na infraestrutura e cadeia de reciclagem. Por exemplo, usado na construção de galpões para cooperativas, aquisições de veículos para a coleta dos materiais, itens de proteção individual, incentivo financeiro aos catadores para complementar a renda dentro desse ciclo produtivo. E nas cooperativas mais avançadas, que não precisariam de galpão ou prensa, esse recurso poderia ser usado no avanço da cadeia, como uma máquina para triturar e lavar a garrafa PET, por exemplo. Isso está previsto na lei, em um edital que nunca saiu. Isso significa que o Brasil está perdendo oportunidade de avançar na reciclagem. E ainda em um ano que foi ruim para os catadores. Foi a soma dos resultados abaixo da expectativa em termos financeiros com a ausência de recursos que poderiam estar previstos no orçamento.
Ou seja, houve perda dos dois lados.

O que resultou na queda do desempenho financeiro para os catadores?
Houve disruptura total de fornecimento de diversas cadeias, ainda com reflexo do período da pandemia. Muito setor estocou e deixou de comprar nos anos seguintes, houve importação de resíduos como papel e papelão, o que contribuiu para a queda dos preços pela metade. Como o papelão representa 40% dos materiais nas cooperativas, o impacto foi grande. Temos a perspectiva de que os valores, a partir da lei regulamentada, cheguem aos catadores ainda nesse ano, mas o fato é que ainda não há previsão no orçamento. O que falta agora é ação.