A água bateu no nariz dos negacionistas do clima
Por Ricardo Voltolini
Se toda dor tem algo a ensinar, a tragédia ambiental ocorrida no estado do Rio Grande do Sul carrega duas lições. Negar ou minimizar a relação de causalidade com as mudanças climáticas, resultado do desmatamento e das emissões humanas de gases de efeito estufa, não só não ajuda a enfrentar o problema como nos torna ainda mais vulneráveis aos seus efeitos. Tão importante quanto mitigar os agentes de desequilíbrio do clima é adaptar-se às suas duras consequências – a resiliência climática, até um mês atrás desconhecida do grande público, representa um novo desafio para a humanidade no século 21.
Na cobertura jornalística da catástrofe gaúcha, o aquecimento global apareceu com todas as letras no discurso de políticos, cidadãos e jornalistas tentando explicar a calamidade. Ainda assim, não foram poucos os que, por razões alheias à ciência, preferiram atribuir o fato a fenômenos naturais aleatórios ou a conspirações políticas imaginárias, inserindo-o num debate ideológico que desinforma os menos informados. Circularam nas redes, vídeos apócrifos e posts oportunistas “alertando” as pessoas (sim, é verdade!) para os “riscos” de agendas supostamente “perniciosas” como a 2030, da ONU, e a de ESG empresarial—não por coincidência, movimentos que propõem, ao contrário do que pregam os seus detratores, respostas sensatas para o imbróglio.
Compreender as causas da emergência climática não diminui a força dos seus eventos extremos. Muito menos atenua a dor dos que perderam casas e familiares. Ou a nossa dor pela dor de nossos compatriotas. Mas provoca um choque de realidade. Ao mesmo tempo em que ajuda a desmontar a ilusão paralisante de que estamos diante de uma fatalidade, algo imprevisível e, portanto incontrolável, aumenta o senso de vigilância e invoca o necessário desconforto que pode levar indivíduos, governos e empresas a adotarem estratégias efetivas de mitigação e adaptação.
Segundo pesquisa da Quaest, 64% dos brasileiros enxergam uma relação clara entre as enchentes sulinas e as mudanças climáticas. Cerca de 78% e 44% afirmam já terem experimentado desastres ambientais como o calor extremo e inundações. Esses números reforçam estudo interessante da Fundação Boticário e Unesco, publicado em novembro de 2023. Nele, oito em dez entrevistados se dizem preocupados com o tema. Um a cada três indivíduos já sofreu na própria pele ou na de pessoas próximas os impactos de temporais (45%), ventanias (21%), inundações (21%), ondas de calor (20%), estiagem (7%) e desmoronamentos (5%). A pesquisa mostra ainda uma preocupação clara com impacto econômico: o aumento no preço dos alimentos é o primeiro e mais temido efeito colateral da emergência climática.
”Compreender as causas das emergências climáticas não diminui a força de seus eventos extremos, mas dá choque de realidade”
Além de doer no bolso, a emergência climática ceifa vidas, destrói cidades e ameaça o futuro das pessoas. Exige investimento em políticas públicas de adaptação que incluem aumentar áreas verdes, restaurar mangues, florestas e ecossistemas degradados. Requer um esforço global de colaboração entre setores na mudança do jeito de produzir e consumir.
Nesse sentido, o mesmo estudo traz uma boa nova. A maioria dos entrevistados se vê como responsável pelo problema. E este é o primeiro passo para a ação. Cerca de 87% admitem mudar de hábitos em benefício do planeta, reciclando e descartando corretamente o lixo (24%) ou plantando árvores (15). Aos 19% que disseram não saber como fazer, ficam duas dicas: passem a cobrar dos gestores eleitos que invistam em financiamento público à adaptação climática; e prefiram produtos de empresas que não derrubam florestas e controlam suas emissões de gases de efeito estufa.
Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade