Crise gaúcha une políticos e empresários em evento em Nova York
Governadores, parlamentares e executivos se unem em solidariedade ao Rio Grande do Sul no Lide Brazil Investment Forum, nos EUA, destacam avanços como a Reforma Tributária e pedem a continuidade da agenda Ade modernização
Por Marcos Strecker, de Nova York
A tragédia no Rio Grande do Sul deu o tom no Lide Brazil Investment Forum, tradicional evento anual que reúne empresários e políticos em Nova York e aconteceu na última terça-feira (14). A começar pela manifestação dos dois principais oradores, que não puderam viajar aos EUA em função da crise no estado gaúcho: o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Os dois enviaram vídeos, registrando que priorizaram ficar em Brasília para a agenda legislativa de socorro aos flagelados no Sul. Do fundador e co-chairman do Lide, o ex-governador João Doria, aos gestores estaduais, empresários e executivos presentes, todos ressaltam a necessária urgência no socorro.
• Em uma mensagem gravada, o governador Eduardo Leite apontou a imensa dor com a perda de vidas, citou todas as regiões afetadas e agradeceu a corrente de solidariedade no Brasil e no mundo ao seu estado.
• O empresário Alexandre Birman, da Arezzo&Co, que no dia seguinte receberia o prêmio de Personalidade do Ano pela Câmara de Comércio Brasil-EUA, foi um dos primeiros a se manifestar e lembrou que a base industrial do seu grupo fica no Rio Grande do Sul, pedindo doações às vítimas.
• O ex-presidente Michel Temer lembrou que a solidariedade é uma determinação da Constituição.
• Dyogo Oliveira, ex-ministro e presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), ressaltou que há um aumento da gravidade e da frequência das intempéries climáticas e que a sociedade precisa refletir sobre esses novos fenômenos, que vieram para ficar. Segundo ele, mais de 90% dos municípios brasileiros foram afetados por esse tipo de ocorrência nos últimos três anos, o que exige prevenção e atenção às vítimas. E o setor de seguros, que foi crucial para a reconstrução após tragédias naturais no Japão, pode ter um papel importante a desempenhar aqui também.
Esse clima de comoção, por outro lado, aconteceu enquanto os presentes lembraram que houve um grande avanço no País em relação à edição anterior do Forum: a aprovação da Reforma Tributária.
De fato, em 2023, Lira garantia em Nova York que a mudança dos impostos seria aprovada, ainda que há décadas essa agenda estivesse emperrada. Contrariando o ceticismo de muitos, ela realmente saiu em dezembro, virou uma grande marca para o governo Lula e criou um ambiente de otimismo para os investidores.
Como apontou o ex-ministro Luiz Fernando Furlan, chairman do Lide, o País ficou mais perto de voltar a receber grau de investimento das agências de classificação de risco, perdido na década passada.
Ainda que Lira tenha manifestado a convicção de que a regulamentação da Reforma será aprovada pelo Congresso nos próximos meses, apesar do recesso legislativo e das eleições municipais, vários parlamentares ressaltaram a importância de que os princípios e conceitos que foram aprovados na Reforma não sejam modificados na regulamentação ora em debate no Parlamento, como alertou o próprio relator da matéria, Aguinaldo Ribeiro.
Ele disse que a aprovação foi um “marco histórico”, mas advertiu que as negociações em curso não podem levar ao aumento de impostos.
Marcos Pereira (Republicanos), primeiro-vice-presidente da Câmara, também apontou o avanço de reformas estruturantes no Congresso nos últimos anos, como a Trabalhista e a da Previdência, além de mudanças infraconstituionais, como a autonomia do Banco Central, que melhorou o ambiente de negócios.
Outro projeto repetidamente mencionado por Lira, mas que ainda não teve espaço para ser pautado na Câmara, foi lembrado pelo deputado Arthur Maia: a Reforma Administrativa. O parlamentar baiano, relator da matéria, citou que mudanças como essa dependem da liderança do presidente. Foi bastante aplaudido.
BRASIL VERDE
A defesa da agenda de sustentabilidade foi uma unanimidade entre os nove governadores presentes, que também se uniram na solidariedade ao Rio Grande do Sul.
Helder Barbalho (PA) citou a redução expressiva de desmatamento em seu estado e disse que fará este ano a primeira concessão de restauro de floresta no País. O Pará vai sediar a COP30, o principal evento climático da ONU, no próximo ano, e a agenda do meio ambiente é o carro-chefe da gestão do emedebista. Barbalho citou a aposta no mercado de carbono, da mesma forma que o governador amazonense, Wilson Lima.
Já o êxito com o saneamento das contas públicas foi exaltada pelos governadores Ratinho Junior (PR), Renato Casagrande (ES), Mauro Mendes (MT), Eduardo Riedel (MS) e Romeu Zema (MG).
O primeiro citou um ambicioso programa de privatizações e a “maior concessão rodoviária em curso na América Latina” no seu estado.
Ronaldo Caiado (GO), muito lembrado pelos colegas, ensaiou um discurso de presidenciável ao criticar os resultados “medíocres” em educação no País, apesar dos altos investimentos na área, e citou uma bandeira que é um calcanhar-de-Aquiles do governo petista: a Segurança Pública.
“No meu estado, empresas de blindagem e de segurança privada não prosperam”, zombou. E aproveitou para abraçar a causa do agronegócio (“um grão de soja produzido no País tem mais tecnologia que um smartphone”). “Essa é a melhor safra de governadores que o Brasil já teve”, ufanou-se, um sentimento de tom oposicionista que não é exagero dizer que atraiu boa parte dos empresários e políticos presentes.
Zema, outro possível presidenciável em 2026, também aludiu a seu trabalho para sanear “em cinco anos e quatro meses de gestão” um estado que “estava arruinado”. Sem citar seu antecessor (Fernando Pimentel, do PT), desfilou realizações como a redução de secretarias estaduais, a gestão profissionalizada, o crescimento acima da média do País e a geração de empregos. Porém, evitou um tema caro ao seu estado, o problema da dívida com a União, que ainda não foi equacionado e é explorado pelo presidente Lula para enfraquecer um dos principais opositores identificados com o bolsonarismo.
Mas esse assunto foi sacado por outro governador que está com problema de endividamento, o governador Claudio Castro. Ele, que ameaçou parar de pagar os servidores fluminenses por falta de recursos, disse que é preciso um “novo pacto federativo”, pois o Rio de Janeiro paga juros muito altos para sua dívida e envia muito mais dinheiro de impostos do que recebe de volta.
Após o evento, ele tentou desvincular a renegociação das dívidas estaduais, um tema que une vários governadores, à crise gaúcha. Eduardo Leite pediu nos últimos dias a moratória temporária da dívida de seu estado pela emergência climática. “Seria um absurdo os estados usarem o desastre no Rio Grande do Sul para pressionar pela renegociação das dívidas. O Rio de Janeiro com certeza não fará isso”, disse Castro.
O agronegócio teve uma defesa enfática das ex-ministras da Agricultura Tereza Cristina e Katia Abreu. As duas lembraram que há muitas oportunidades a serem exploradas e é urgente diminuir a dependência da importação de fertilizantes, sendo que o Brasil tem insumos capazes de garantir a produção local.
Presidente da Febraban, Isaac Sidney pintou um retrato otimista do País, dizendo que “estamos no caminho certo”. Também defendeu um processo de modernização do Estado, com mais transparência na gestão pública. Lembrou ainda o sucesso da Reforma Tributária, “que não deve se distanciar de seus princípios”, e disse que a responsabilidade fiscal é fundamental para um melhor ambiente de negócios.
BONS VENTOS
Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho do Bradesco, elogiou o pragmatismo dos governadores. Ele ponderou que o Brasil “perdeu oportunidades e talvez tenha perdido o bônus da globalização”, mas listou vários “bônus incontestáveis”. Lembrou um símbolo nacional, o Real, que no próximo mês vai completar 30 anos de lançamento, além do bônus da segurança energética, de um mercado interno e de reservas internacionais. “Isso não é pouco. O Brasil tem um soft skill para se impor não com armas, mas como um país de solidariedade e amigável para os investidores.”