Eventos climáticos extremos: a dura realidade que já não se pode negar!
Ignorar a realidade do clima, depois da tragédia no Sul, deveria ser considerado crime
Por Lorë Kotínski
O Rio Grande do Sul possui uma população de mais de 10 milhões de habitantes distribuídos em 497 municípios. Enquanto escrevo este artigo, 90% do estado (o equivalente a 447 localidades) e mais de 2,1 milhões de pessoas foram duramente afetadas pelas enchentes. Não só uma: quatro enchentes em um ano. Se uma tragédia dessas, que segue ocorrendo porque as chuvas ainda continuam a castigar essa parte do Brasil, não for o suficiente para silenciar os descrentes das mudanças climáticas, é caso a ser estudado. Cientistas do mundo todo, em diversas conferências do clima, têm alertado que os fenômenos climáticos extremos serão o novo normal. E países com dimensões e diferenças de clima e geografia como o nosso, além de ser um berço de mananciais e com extensas faixas litorâneas, serão dos mais impactados por essa nova realidade.
E os dados não deixam espaço para negacionismo: em 2023, o aumento da temperatura média global atingiu 1,45 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, desencadeando uma série de eventos recordes. Mais de 90% das áreas oceânicas do planeta foram assoladas por ondas de calor implacáveis. Os glaciares de referência em todo o mundo registraram a maior perda de gelo desde o início dos registros em 1950. Além disso, a extensão do gelo marinho na Antártica atingiu o seu ponto mais baixo já documentado, com uma diminuição de 1 milhão de quilômetros quadrados em comparação com o ano anterior.
Se os números não convencem, vimos a olhos nus seca extrema no Norte do Brasil, em especial no Amazonas, onde todos os 62 municípios, incluindo a capital Manaus, foram afetados e tiveram prejuízos. Por lá, no ano passado, um total de 600 mil pessoas foi drasticamente afetado, com perda de platio, animais e deslocamentos de suas casas. Ainda no ano passado, o Rio Grande Sul entrava na sua então grande enchente, antes do desastre que vemos agora, enquanto o Norte rachava o solo sem uma gota d’água. Doeu e está doendo na mente, no corpo e no bolso de todos os trabalhadores. O Governo do Brasil já avisou que vai importar arroz e feijão porque as lavouras gaúchas estão submersas.
Agora, me diga, caro leitor: você duvida que estamos vivendo uma era de climas extremos e que isso está diretamente ligado ao aquecimento da Terra? Eu não duvido.
O mais recente relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), lançado em março deste ano, mostrou que vivemos um caos climático. No ano de 2023, as consequências da alteração climática, impulsionadas pelo fenômeno El Niño, não apenas resultaram no registro do ano mais quente até então, mas também estabeleceram uma série de recordes climáticos preocupantes.
E a enchente do Rio Grande Sul é o pior retrato desse caos já visto no Brasil. O desastre já soma 148 vidas perdidas e R$ 8,6 bilhões de prejuízos, cifra esta apresentada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) na semana passda. Além de um insomável custo real: o lar das pessoas, a mortes de centenas de animais, as rotinas das famílias (até então seguras) e o futuro. Com um olhar mais apurado se pode enxergar que este não é um fato isolado e que mais tragédias virão no mundo todo. Somente este ano foram enchentes e prejuízos na França, Espanha, China, Canadá, Cazaquistão, Madagascar, Arábia Saudita, Afeganistão e Irã.
O que se espera, a partir de agora, mesmo diante do cenário de devastação e da necessidade de salvar pessoas e animais, é que as autoridades brasileiras encarem este desastre como um marco para iniciar — ainda que tardiamente — uma política perene e efetiva, independentemente de partidos políticos ou mandatos. Será preciso prever e planejar o enfrentamento às mudanças climáticas, minimizando suas consequências e garantindo a vida de todos os cidadãos e animais deste País.
O Brasil, onde apenas um dos mais de 500 parlamentares destinou recursos de emenda para a situação de mudanças climáticas, é um País de políticos de costas viradas e olhos fechados para uma situação real, que literalmente bate à nossa porta, invade nossas casas e leva nossas vidas. Apenas neste ano o Senado Federal criou uma comissão mista para discutir as mudanças climáticas, ainda sem resultados concretos.
Diante disso tudo, emerge um pergunta, que não pode mais ser silenciada: até quando? Até quando estaremos correndo atrás do prejuízo, em vez de usar a ciência para prever riscos e minimizar os danos causados pelas mudanças climáticas? Ignorar essa realidade, nesse cenário, deveria ser considerado crime.
*Lorë Kotínski é fundadora e CEO da LLK Consulting, pesquisadora em ESG e especialista em plataformas digitais.