Economia

Tragédia no RS vai impor mudanças ao Brasil, garantem economistas. Confira soluções

Baixa execução do Orçamento federal, dificuldade de planejamento de governadores e prefeitos, além do despreparo das empresas diante da adversidade, altera a economia brasileira — e isso pode custar 1,9% do PIB até 2025

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Governo federal ergue, em cinco dias, uma estrada para acesso de caminhões em cidades afetadas pelas chuva (Crédito: flickr)

Por Paula Cristina

O desastre climático no Rio Grande do Sul é capaz de mudar parte da dinâmica da economia brasileira. Em muitos aspectos, a tragédia sem precedentes colocou luz em assuntos marginalizados até agora.

Algumas das mudanças que se fazem necessárias:
a necessidade de políticas públicas mais assertivas para prevenção,
as alterações geográficas para o desenvolvimento urbano e industrial,
o papel dos prefeitos e governadores no entendimento dos riscos climáticos,
e a criação de um protocolo padrão, desenhado pelo governo federal, com reservas e recursos a serem destinados para casos como este.

Na prática, todos estes conceitos custam dinheiro, exigem capital político elevado e a introdução da máxima popular que diz que prevenir é melhor que remediar. A reportagem da DINHEIRO conversou com economistas de países atingidos por desastres climáticos que detalham como foi o processo de adaptação do capital para as novas regras do jogo. E um spoiler: é preciso esforço conjunto e muito mais que gastos bilionários para tapar buracos após as tragédias.

No ponto de vista da prevenção, é preciso destravar mais investimentos. Segundo o Portal da Transparência, entre 2010 e 2024 a média de execução do orçamento destinado à prevenção de desastres climáticos foi de 65%, em um universo de R$ 71,3 bilhões para este fim, rubricado na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

No Legislativo, o buraco é ainda mais embaixo. Segundo o portal Contas Abertas, as emendas apresentadas por deputados e senadores para medidas desse tipo somaram R$ 59,2 milhões em 2024. Essa cifra corresponde a apenas 0,13% dos R$ 44,7 bilhões reservados no Orçamento para emendas parlamentares.

Para Isaías Brandão Azevedo, professor de economia da Unifesp e autor do estudo Alterações Climáticas e Consequências Econômicas, é possível mensurar que o Brasil vem perdendo, ano a ano, uma proporção cada vez maior do PIB para desastres naturais.
Entre 2000 e 2010, a perda média era de 0,4%, cifra que subiu para 0,9% entre 2011 e 2015.
Entre os anos 2016 e 2020, o PIB perdeu 1,3% e, até 2025, deve perder algo próximo a 1,9%.

“Os efeitos do El Niño, é a maior expressão do aumento das perdas provenientes de desastres climáticos, e ainda assim há resistência por parte do poder público em lidar com ele antes das tragédias”, disse.

Países em desenvolvimento recebem, em média, 65% de todos os eventos climáticos extremos, Mas investem menos de 20% do necessário para prevenir e proteger a sociedade e a economia

Para a construção de um plano que antecipe os problemas e minimize as perdas, a indicação da Organização das Nações Unidas é que sejam desenhados três planos distintos, mas que precisam ocorrer simultaneamente, abrangendo cidades, estados e federação. Em um levantamento intitulado O efeito da crise climática na economia mundial, a ONU indicou o aumento nos custos dos eventos climáticos.

Quando começou a amostragem, nos anos 1980, as perdas mundiais com terremotos, furacões, tsunamis e alagamentos somavam US$ 40 milhões.
Em 2022, a cifra já ultrapassa US$ 388 milhões. Nessa toada, os países em desenvolvimento recebem cerca de 65% das tragédias, e investem menos de 20% do necessário anualmente para combater os efeitos colaterais.

Para Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, os números provam que o custo da inação é sempre maior que o da ação. “Investimentos precoces, calculados e programados dão a impressão de desperdício, mas fazem a diferença se o evento extremo vier”, afirmou.

Presidente Lula, ao lado do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, se encontra com agentes da Defesa Civil para encontrar formas de reparar os dados causados pelas enchentes (Crédito:Divulgação )

PELO MUNDO

Quando se fala em investimentos na prevenção, os olhos costumam ir em direção ao governo federal, mas não é possível tirar o papel dos governadores e prefeitos nesta equação.

Andrew Atkeson, professor de economia e finanças de Stanford e especialista em contas públicas, diz que os Estados Unidos, um dos países com maior incidência de eventos climáticos extremos, instituiu, nos anos de 1900, uma normativa federal que exigia que os governadores prestassem, anualmente, contas sobre os investimentos para prevenção. “A obrigatoriedade se deu após 1906, quando um terremoto em São Francisco desabrigou 225 mil pessoas, em uma cidade de menos de 400 mil”, disse.

Depois do episódio houve mudanças drásticas na construção civil, com fundações mais preparadas para terremotos, construção de abrigos e bunkers, transformação no sistema de abastecimento de água. “Tudo isso encabeçado pelos governadores, que apresentavam suas soluções de acordo com os riscos inerentes a sua região”, afirmou.

No Brasil, a estrutura da república centraliza decisões no governo federal, dando menos autonomia para os governadores. Há ainda o problema do alto endividamento dos estados, que trabalham em um acordo com o governo federal para uma moratória das dívidas.

Inicialmente, a proposta enviada pelo governo ao Senado era que a cifra eventualmente reduzida da dívida deveria ser revertida em educação, mas parlamentares negociam com o presidente do Casa, Rodrigo Pacheco, a criação de um gatilho para forçar o investimento na prevenção das alterações climáticas.

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Tsunamis e terremotos são exemplos de eventos climáticos extremos que precisam ser tratados com antecedência pelo governo (Crédito:Divulgação )

E quando o assunto é mitigar os efeitos de catástrofes, o Japão dá aula. Desde o Tsunami em 2011, quando quase 20 mil pessoas morreram, o país asiático investe cerca de 2,1 trilhões de ienes em prevenção, o equivalente a R$ 70 bilhões.

Segundo Atkeson, o comprometimento japonês com a prevenção se dá desde os anos 1950 e isso fez diferença em 2011. “A capacidade de estrago de um tsunami em qualquer outro país seria assustadoramente maior. Tanto a velocidade de escoar a água do mar quanto a realocação das famílias só foi célere porque havia planos de contingenciamento”, afirmou.

As empresas também precisam se adaptar a este novo normal. É o que tem acontecido na Austrália, que está entre os países com maior potencial de desastres naturais do mundo, segundo a ONU. Por lá, empresas como BHP Billiton, Rio Tinto e Anglo American possuem um protocolo desenhado em parceria com o governo federal para proteger funcionários e garantir o menor impacto possível em suas operações quando há eventos climáticos extremos.

Mas ainda há o que os australianos chamam de crise de segurabilidade, com uma em cada 25 casas a caminho de se tornar inelegível para ser coberta por seguro até 2030, de acordo com um relatório do Climate Council. Entre as companhias, a proporção também é parecida.

Agora, o governo tenta entender como contornar a situação e garantir que as pessoas não percam dinheiro nem que as seguradoras saiam do país. Segundo a entidade Climate Council, presidida por Amanda McKenzie, 25% das casas no país não serão elegíveis para seguradores em 2030. “As mudanças climáticas são mais rápidas do que a capacidade de o governo adaptar as leis”, disse ela.

O clima no mundo está mudando. E o Brasil precisa aprender com isso antes que tragédias como a do Rio Grande do Sul se tornem mais frequentes.