Confira por que a poderosa Stellantis se juntou à startup chinesa Leapmotor
Gigante do setor automotivo cria joint venture com foco em tecnologia e descarbonização, investe R$ 30 bilhões no Brasil e acelera com carros híbridos e elétricos, que devem chegar ao país ainda em 2024
Por Letícia Franco, de Betim (MG)
Uma gigante poliglota do setor automotivo. Essa é a Stellantis, que já domina o italiano com a Fiat e fala inglês com a Jeep e o Dodge. Os carros da Peugeot e Citroën ainda dão um sotaque francês ao grupo, que também engloba outras marcas, resultado de uma fusão entre a Fiat e o PSA Groupe em 2021. Com o espaço conquistado pelas montadoras chinesas, como a BYD, no segmento de carros elétricos, a companhia agora investe no mandarim. Numa jogada que se enquadra no velho ditato de que “se não pode com eles, junte-se a eles”, a Stellantis efetivou uma joint venture com a chinesa Leapmotor, uma união com proporção de 51/49 para a multinacional, que deu origem à Leapmotor Internacional. Segundo Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis para a América do Sul, a cartada dá direito à nova companhia de vender e produzir carros com as tecnologias da startup da China. A chegada da marca e seus carros elétricos no Brasil deve ocorrer ainda neste ano.
Segundo Cappellano, a joint venture é uma oportunidade de branding e de compartilhamento de tecnologias para oferecer mais opções de produtos aos brasileiros. “Além do branding, no qual a Stellantis já tem experiência, trata-se de incluir tecnologias que não estavam no cardápio”, afirmou o executivo em coletiva de imprensa em Betim (MG), na última segunda-feira (20).
• A chinesa deve ter uma rede própria, como forma de enfrentar BYD e GWM, que dominam as vendas de elétricos no País.
• Atualmente, o único carro de passeio elétrico da Stellantis ainda à venda no Brasil é o Fiat 500e.
• Para o especialista do setor automotivo Cassio Pagliarini, da Bright Consulting, a Stellantis deve obter bons resultados com a parceria. “A Leapmotor oferece carros bem desenvolvidos e com bom preço — onde são comercializados — e pode ganhar o Brasil e outros mercados”, disse.
Na corrida pela eletrificação da frota, a Stellantis também investe na concepção e produção de carros híbridos — uma maneira de ser competitivo e acessível no mercado nacional e atingir a meta de zerar as emissões de carbono até 2038. Para isso, o novo plano de R$ 32 bilhões para a América do Sul, previsto para terminar em 2030, tem foco no desenvolvimento das novas tecnologias Bio-Hybrid, que combinam um motor a combustão flex e outro elétrico.
O montante impulsionará o lançamento de:
• 40 produtos,
• oito powertrains,
• tecnologias de descarbonização,
• e novas oportunidades de negócios.
O grupo terá, ainda este ano, o primeiro híbrido produzido no Brasil. Entretanto, Cappellano guardou segredo sobre qual será o modelo e se sairá da fábrica de Betim (MG), Goiana (PE) ou Porto Real (RJ) — embora a unidade pernambucana tenha sido anunciada, em outro momento, como a responsável pelo primeiro carro bio-hybrid da Stellantis.
O plano bilionário apresentado há pouco mais de dois meses figura como o maior investimento da indústria automotiva na América do Sul, onde a marca representa 23,4% do setor. Com R$ 30 bilhões destinados ao Brasil e R$ 2 bilhões para a Argentina, a Stellantis tem revelado aos poucos os detalhes da aplicação do montante.
Em abril, foram anunciados R$ 13 bilhões para a fábrica de Pernambuco. Mas, na verdade, os mineiros levaram a melhor. A unidade fabril de Betim (MG) levará R$ 14 bilhões. Ainda que não tenha sido oficialmente anunciado, o destino da menor parte do investimento, R$ 3 bilhões, deve ficar com o complexo de Porto Real (RJ), onde são produzidos modelos da Peugeot e Citroën.
PRODUÇÃO
Tem fundamento a fábrica de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, ter levado a maior parte dos recursos. Inaugurada em 1976, ainda como Fiat, a unidade é considerada a maior do País e contempla todas as etapas de produção. Além do valor bilionário para a mineira, o grupo ainda destinou mais R$ 454 milhões pertencentes ao ciclo vigente. O objetivo é acelerar a capacidade atual, saltando de 750 mil motores por ano para 1,1 milhão. Cappellano disse que “a função desses investimentos é ampliar a capacidade produtiva e atender ao mercado já visando o bio-hybrid”.
• Com cerca de 15 mil colaboradores diretos, sendo aproximadamente 3 mil engenheiros do quadro de 4 mil profissionais da área, Betim abriga o centro de desenvolvimento, engenharia e linha de produção.
• Hoje, são fabricados sete modelos do grupo no complexo, sendo a maioria da Fiat: Argo, Mobi, Strada, Pulse, Fastback e Fiorino.
• Também são montados modelos Partner, da Peugeot.
Para Pagliarini, especialista no segmento, o aporte para a fábrica mineira faz parte do que ele chamou de revolução ao ter como foco o desenvolvimento de híbridos flex e futuramente elétricos. “É necessário investir nessa linha para introduzir novos conceitos de carros, que visam reduzir a poluição causada pelo setor como um todo”, afirmou.
E foi com a aceleração dos carros híbridos e eletrificados que o conglomerado obteve receitas recordes no último ano, crescendo globalmente.
• A Stellantis atingiu o valor inédito de 89,54 bilhões de euros, representando avanço de 6% em relação a 2022.
• Já o lucro após impostos foi de 18,6 bilhões de euros em 2023, ante 16,78 bilhões de euros no ano anterior.
• Na corrida pelas vendas de veículos, a marca registrou 6,2 milhões de unidades comercializadas no mundo todo, um crescimento de 6,8% sobre 2022.
Para seguir disparando nos números, o grupo também aposta em lançamentos de suas principais marcas. No Brasil, já foram lançados o Fiat Titano, além do Compass e da Commander com a Jeep.
MERCADO
Por aqui, quem domina o mercado automotivo é a Fiat, num setor que produziu cerca de 2,2 milhões de automóveis e comerciais leves no último ano, segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). O somado da Fiat com as outras marcas do portfólio da Stellantis levam a companhia a ter 30,3% do market share nacional.
Para 2024, a Anfavea prevê que o mercado cresça 6,1% nos emplacamentos e 6,2% na produção. Segundo Márcio de Lima Leite, presidente da entidade, há motivos para acreditar num ano positivo para o setor. “Devemos celebrar o Programa Mover [Mobilidade Verde e Inovação], que garante a cadeia automotiva e privilegia as novas tecnologias de descarbonização e a neoindustrilização.”
Não é à toa que grande parte do otimismo de entidades e empresas da indústria automotiva ocorre devido à aproximação do governo Lula com o segmento.
O Programa Mover, instituído em dezembro passado, vai conceder R$ 19,3 bilhões em créditos tributários ao setor até 2028. Também estabelece novas exigências de sustentabilidade das frotas, como a aplicação de, no mínimo, entre 0,3% e 0,6% da Receita Operacional Bruta nesses projetos. E para cada real investido, a empresa tem direito de R$ 0,50 a R$ 3,20 em créditos, utilizados para abatimento de tributos da Receita Federal.
O retorno de iniciativas como essa levaram aos mais de R$ 60 bilhões a serem investidos pelo setor até 2032, o que engloba valores anunciados também pela Honda, Volkswagen e Toyota. Segundo Cappellano, a previsibilidade do governo é fundamental para o crescimento. “Nossos investimentos são de longo prazo e, nesse sentido, o governo está dando bases para a sustentabilidade da indústria”, disse o executivo.
Enquanto isso, os países vizinhos patinam. A crise na Argentina acarretou na queda de exportações de carros brasileiros para o país, que pela primeira vez foi superado pelo México como nosso principal parceiro comercial. Com o cenário favorável, a Stellantis acelera no Brasil na corrida dos híbridos e elétricos e se consolida na liderança de vendas. Com isso, pode-se dizer que o português é mais uma língua dominada pelo grupo.