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Como a Accor Brasil virou alavanca estratégica da rede hoteleira mundial

O País está puxando o desempenho da rede hoteleira francesa, dona de uma receita global de 5 bilhões de euros em 2023. Sob o comando do belga Thomas Dubaere, a operação brasileira cresce 23%, planeja inaugurar 50 unidades e investir R$ 3 bilhões

Crédito: Germano Luders

O plano do CEO Dubaere, que chegou ao Brasil há três anos, é alcançar a marca de 500 hotéis em uma década (Crédito: Germano Luders)

Por Hugo Cilo

RESUMO

• Brasil responde por 8% a 10% dos resultados globais, algo entre 400 milhões e 500 milhões de euros
• Bandeira Faena, de luxo e alta gastronomia, vai estrear no País até o final do ano
• 75% dos projetos de novos hotéis na América Latina nos próximos anos estão no País
• Rede aposta em resorts para expandir ainda mais por aqui
• Accor segue recuperação do mercado hoteleiro nacional: setor vai receber R$ 8,4 bilhões em investimentos até 2028, aumento de 26,9% sobre os últimos quatro anos

 

O belga Thomas Dubaere conhece as Américas como poucos. No cargo de CEO da rede hoteleira Accor para todo o continente, o executivo passa boa parte do tempo viajando, desde o extremo sul da Argentina até o círculo polar ártico, no Canadá. Visita hotéis, inaugura hotéis, reestrutura hotéis e projeta novos hotéis. Mas, apesar das centenas de carimbos no passaporte, ele gosta mesmo é do Brasil. Dubaere é um típico gringo europeu apaixonado por Trancoso, Jericoacoara, Paraty e Lençóis Maranhenses. “Ah, o Brasil é um paraíso. Nada no mundo se compara a este País”, afirmou o CEO, em entrevista exclusiva à DINHEIRO, na sede da empresa em São Paulo. “Tentei transferência para cá por três vezes, em 2009, em 2014 e em 2021. Só consegui na última, em plena situação difícil da pandemia.”

O Brasil enche os olhos de Dubaere e da Accor não só pelas praias e belezas naturais. O País tem brilhado nos balanços financeiros da companhia.
No ano passado, o faturamento da operação brasileira disparou 23% sobre 2022.
O desempenho ficou acima da média global de crescimento, de 20%, performance que levou o grupo ao resultado recorde de 5 bilhões de euros em receita e 1 bilhão de euros em Ebitda.
Embora a Accor não divulgue no balanço dados de faturamento por região, sabe-se que o País responde por 8% a 10% dos resultados globais, algo entre 400 milhões e 500 milhões de euros (cerca de R$ 2,8 bilhões).

O bom desempenho reflete, evidentemente, a recuperação da indústria do turismo no País, mas também atesta a estratégia de expansão definida por Dubaere.

Quando desembarcou com a família no Brasil, três anos atrás, a Accor tinha 23 marcas em operação no mundo ­— principalmente ibis, Mercure e Novotel. Hoje, são mais de 45 bandeiras, do segmento popular ao de luxo.

No Brasil, até o final do ano, mais uma bandeira vai estrear, a Faena. Conhecida em cidades como Miami e Buenos Aires, a nova marca vai trazer para São Paulo um novo conceito de hospedagem, que une hotelaria, alta gastronomia, obras de arte e residências de alto padrão.

Uma outra bandeira de luxo, a Handwritten, está em fase de estudos, ainda sem local e data definidos.

“A força da Accor está na diversificação. Hoje podemos hospedar desde um cliente que busca conforto com baixo custo até um milionário que procura sofisticação e experiência”, afirmou o CEO, que começou a carreira em 1991 como garçom de um Novotel, em Bruges, interior da Bélgica.

A importância do Brasil para os resultados da Accor é inquestionável.

Mais de 60% do crescimento projetado para as Américas nos próximos anos deverá vir do Brasil.

Isso ajuda a explicar a razão pela qual 75% dos projetos de novos hotéis na região nos próximos anos estão no País.

Segundo o CEO, a Accor terá 50 novos hotéis nos próximos três anos, com investimentos de R$ 3 bilhões.

Os recursos não sairão do cofre da companhia porque o plano é acelerar a expansão por meio de parcerias, franquias e conversões (hotéis independentes e sem bandeira que passam a fazer parte da Accor).

Mais de 80% das unidades em pipeline (ou seja, em projeto) seguem o modelo de franquias.

Com isso, a Accor deverá superar, pela primeira vez em 45 anos de história, a marca de 500 hotéis no Brasil dentro dos próximos dez anos. No Brasil, hoje a Accor possui 332 hotéis em operação (240 Economy, 79 Midscale e 13 Premium).

(Daniel Pinheiro)

(Abaca Press / Walter Shintani)
(Divulgação)

Com mais de 45 bandeiras, o grupo sustenta seu crescimento no Brasil investindo
na diversificação

Da Argentina ao Canadá, a divisão Premium, Midscale & Economy das Américas possui 448 hotéis em operação (totalizando 70,5 mil quartos), 77 hotéis em pipeline (projeto) e 11 marcas no portfólio: ibis budget, ibis styles, ibis, Mercure, Novotel, Grand Mercure, Handwritten Collection, Movenpick, Swissotel, Pullman e Tribe. Entre as assinaturas de contrato já realizadas em 2024 estão o ibis Styles Giga Mall, em Fortaleza (CE), e o hotel ibis Styles Goiânia Shopping Estação, em Goiás.

Um dos pilares da expansão no Brasil é aposta em resorts. O ibis Styles Maragogi Resort faz parte dessa estratégia como o primeiro resort de marca econômica da Accor, com previsão de abertura em agosto deste ano. Este empreendimento tem como foco o público intermediário, oferecendo uma marca internacional a um preço acessível. A divisão também planeja adição de novos resorts all inclusive nos mercados do Caribe e América Central.

O salto da Accor por aqui está em sintonia com o ritmo de recuperação do mercado hoteleiro no País. Uma recente pesquisa da consultoria HotelInvest, em parceria com o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), mostrou que o setor vai receber R$ 8,4 bilhões em investimentos até 2028, representando um aumento de 26,9% sobre os últimos quatro anos. Esse avanço representa a assinatura de contratos para 137 hotéis, com a entrega de 21.863 novos quartos. “Isso reflete a confiança dos investidores no potencial do mercado hoteleiro brasileiro”, disse Orlando de Souza, presidente do FOHB. “Os valores ultrapassam os níveis pré-pandêmicos em várias capitais neste ano.”

PREFERÊNCIA

Os investimentos do setor hoteleiro são proporcionais ao aumento do interesse do brasileiro por viajar dentro do País. Segundo levantamento do Datafolha, divulgado na quarta-feira (29) pela Folha de S.Paulo, o Brasil (20%) e os Estados Unidos (17%) empataram dentro da margem de erro na pesquisa na preferência dos paulistanos.

O instituto entrevistou 1.604 paulistanos das classes A e B, maiores de 16 anos e que viajaram ao menos uma vez a lazer para fora do estado nos últimos 12 meses. Essa é a primeira vez que os Estados Unidos apareceram numericamente atrás de outro país.

(Divulgação)
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(Divulgação)

A rede tem investido em novas unidades ibis no Nordeste, enquanto traz a São Paulo o Faena, um novo conceito de hospedagem em residências de luxo

Nas preferências dos paulistanos, destaque para a Bahia, que pela segunda edição consecutiva é eleita o melhor estado do País para se viajar e, empatada tecnicamente com o Nordeste em geral, é também o melhor destino para férias em família. No Sudeste, o Rio de Janeiro é o favorito para as festas de Réveillon e Carnaval; e São Paulo é o melhor destino gastronômico, de compras e para curtir a parada LGBTQIA+.

Isso não significa que o brasileiro tirou dos planos uma viagem de férias ao exterior. O Datafolha concluiu também, por exemplo, que a Itália continua sendo o destino dos sonhos dos entrevistados, assim como Paris é a preferência para a lua de mel. Miami, que está entre os destinos internacionais de verão favoritos, também foi eleita como melhor lugar para fazer compras no exterior, seguida por Nova York.

Segundo dados do Departamento de Comércio americano referentes a 2022, o Brasil ocupa a sexta posição no ranking dos turistas que mais gastam nos EUA ­— atrás de Canadá, México, Reino Unido, China e Japão, todos com moedas mais fortes que o real. Mas se a análise do mercado brasileiro e as projeções de crescimento feitas por Dubaere estiverem certas, o turista brasileiro vai viajar e gastar cada vez mais dentro do Brasil. Bom para a Accor, excelente para o turismo nacional.

ENTREVISTA

Thomas Dubaere, CEO da Accor Américas: “O Brasil tem um imenso potencial para o turismo doméstico”

(Germano Lüders)

Por que o Brasil, com tanto potencial para o turismo, não consegue atrair o turista estrangeiro?
Não podemos comparar o turismo no Brasil com o da Europa. Todo o território do continente europeu é menor que o Brasil. Alguns países da Europa se atravessa de carro em uma hora. A distância entre Porto Alegre e Manaus é igual a de Lisboa a Moscou. Além disso, um voo da Europa para o Brasil pode demorar 12 horas. E não há voos diretos para todas as capitais. Ou seja, são perfis diferentes de turismo.

Mas muito brasileiros preferem sair do Brasil nas férias…
Podem sair, mas não precisariam. Aqui tem de tudo. Tem praias, tem cachoeiras, tem natureza, tem comida, tem cultura, tem música… Não falta nada.

Mas os entraves geográficos e econômicos não são problemas para a indústria do turismo?
O Brasil tem um imenso potencial para o turismo doméstico. Muito mais do que para o turismo internacional. Hoje, 85% das nossas receitas no Brasil são de hóspedes brasileiros. Outros 10% são de clientes regionais, como argentinos, chilenos e colombianos. Só 5% vêm de visitantes europeus, americanos ou asiáticos. Esses números comprovam de onde virá o nosso crescimento nos próximos anos.

Mas há outros mercados da América Latina com grande potencial de crescimento para o turismo e para a hotelaria…
Sim, mas eles não têm grande densidade e força de distribuição. Não posso pensar em ter 100 hotéis na Jamaica, por exemplo. Nem em Cuba. Por mais que o turismo esteja crescendo lá, a demanda é limitada. Podemos ter dois ou três resorts, com 400 ou 500 quartos, mas nunca ter 500 hotéis, como imaginamos no Brasil. Assim como nunca posso ter uma rede de ibis no Caribe. Não faz nenhum sentido. Mas ter um luxuoso Fairmont faz todo sentido.

Por que, depois de tanto tempo na Europa, escolheu trabalhar no Brasil?
Antes de vir para São Paulo, trabalhei por dez anos em Londres. Cuidei da Europa do Norte, que inclui Reino Unido, Escandinávia e Benelux [Bélgica, Luxemburgo e Holanda]. Trabalhei por 33 anos na Europa. A Accor está em 110 países, mas eu queria essa aventura, outra cultura, outro continente. E não é uma coincidência que estou aqui. Sempre quis morar no Brasil.

A pandemia favoreceu a sua vinda?
Não sei. Talvez. Cheguei na pandemia, quando o mercado de turismo global estava em 400 milhões de turistas por ano. Em 2023 voltamos a 1,2 bilhão de viajantes em todo o mundo e, em 2024, devemos superar 1,5 bilhão. O mercado se recuperou e vamos pegar esse embalo para crescer ainda mais. Vim para fazer a recuperação acontecer. Muitos brasileiros que nunca tinham viajado antes da pandemia passaram a viajar. Hoje o turismo doméstico cresce a um ritmo de 4,5% ao ano. Tudo deu certo. Somos uma indústria abençoada. Muito abençoada.

Mas essa demanda aquecida por viagens não vai esfriar pouco a pouco?
Não. Com certeza, vai esquentar. Quem começa a viajar, não para mais. Os mais jovens, as novas gerações, estão viajando muito mais. Os mais velhos, viajando mais. Esse fenômeno já aconteceu na Europa algumas décadas atrás. Sempre gosto de citar o exemplo de meus pais. Eles têm 91 anos e ainda estão viajando. Não param. É um comportamento que fica. Um estilo de vida. Como temos hotéis para todos os perfis, estamos crescendo junto com esses novos hábitos.

Por que a Accor se dividiu em duas?
A empresa continua uma só, mas tomamos a decisão de fazer duas divisões. Uma divisão premium, midscale e economy, e outra com a divisão de luxo, como Sofitel, Fairmont e Orient Express. Isso porque são duas formas distintas de planejar e praticar hotelaria. Uma estratégia é completamente diferente da outra. Assim, podemos acelerar o desenvolvimento de cada uma dessas divisões em países específicos, com as particularidades de cada categoria.

Outra mudança foi a aposta em franquias. Isso funciona em hotelaria?
Acredito que sim. Nos Estados Unidos esse modelo responde por mais de 80% dos hotéis. Fizemos uma spin-off [divisão] da Accor e da Accor Invest. Isso quer dizer que hoje somos operadores, franqueadores e temos marcas. Fazemos a distribuição, as vendas e o marketing, não somos só proprietários. Com isso, vamos conseguir atrair parceiros e investidores para ter mais 50 hotéis nos próximos três anos e cerca de R$ 3 bilhões em investimento.

Qual o plano para os Estados Unidos?
Os Estados Unidos são para players americanos. Temos inaugurações e projetos para lá, mas muito focado em hotéis de luxo. Os Estados Unidos já têm muitas grandes redes deles. Nos tornamos uma opção para quem busca algo diferente, uma experiência europeia. Por isso, estamos vendo potencial e oportunidades de entrar nas chamadas Gateway Cities, como Nova York, Chicago e Los Angeles. A ideia não é levar para lá nossas 45 marcas, mas ter duas ou três bandeiras.