Economia

Será que o Arcabouço de Haddad fica em pé? Veja o que está minando

Mudança da meta, previsão de novos gastos e desempenho da economia colocam a âncora fiscal do governo em uma prova de fogo

Crédito: Diogo Zacarias

Haddad: "O problema não é adaptar, é não prever” (Crédito: Diogo Zacarias)

Por Paula Cristina

Existe um rito de passagem comum entre os cozinheiros clássicos: se você não acertar um molho béarnaise no primeiro jantar que comandar para seus amigos, você está fazendo o curso errado. O molho, considerado um dos mais difíceis de harmonizar textura, acidez, cor e gosto, funciona como uma nota de corte para os interessados na cozinha mais tradicional francesa. Trazendo para um assunto bem menos apetitoso, o desafio de organizar uma âncora fiscal que equilibre os interesses do governo, a confiabilidade do mercado, o espaço para o crescimento do Brasil, além de acomodar o desenvolvimento humano que o País necessita parece um desafio e tanto para quem comanda tal preparo. O último a se aventurar nessa receita foi Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda e responsável pelo Arcabouço Fiscal, que por um sistema de banda, flexibiliza a capacidade de investimento do governo, acompanhando o desempenho fiscal no ano anterior. Lindo na teoria, mas difícil de encorpar na prática.

Diante do aumento das despesas do governo e da mudança da meta na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, o holofote para acompanhar se o molho do arcabouço não irá talhar se voltou para quem comanda a cozinha. E agora o arcabouço é colocado em xeque.

“Este ano vai ser melhor do que o ano passado, e o ano que vem vai ser melhor do que este ano. É assim que vai funcionar, porque a regra fiscal define isso.”
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Os críticos à receita do Ministério da Fazenda apontam que algumas inconsistências já nasceram com o projeto.

Uma delas envolve os pisos constitucionais para saúde e educação, que correspondem a, respectivamente, a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) e 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI) da União.

Em ritmo acelerado também cresce o salário mínimo, e com ele a Previdência, o Benefício de Prestação Continuada, o abono salarial e o seguro-desemprego.

Levantamento da da MCM Consultores Associados estima que a União precisará cortar em 2026 o equivalente a 0,5 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), aproximadamente R$ 60 bilhões em valores atuais, para que o arcabouço continue de pé.

Um movimento que continuará gradual, se mantido os mesmos pilares de investimentos. Se confirmado, tal cenário, há chances de surgir soluções criativas, que não ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas são nocivas para a saúde financeira da União.

Segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, quando as contas não baterem, entrará “contabilidade criativa”. Segundo ele, este tipo de manobra não é exatamente novidade, mas é uma forma artificial de dizer que algo está funcionando.

R$ 60 bilhões
serão necessários para que governo mantenha a âncora fiscal em 2026

0,5% do PIB
será necessário ao ano para ajustar os gastos do arcabouço

1% de superávit.
Com nova meta, número mágico fica para 2028

MUDANÇA DE META

O assunto que reviveu a eficiência do Arcabouço de Haddad foi a revisão das metas de resultado primário para os próximos anos, proposta pelo governo federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025.

Na tramitação do arcabouço, o governo indicou que buscaria déficit primário zero em 2024, superávit de 0,5% do PIB em 2025, e de 1% do PIB em 2026. Enviada ao Congresso em abril, a LDO mudou as perspectivas a partir de 2025 e sinalizou que o superávit de 1% do PIB será alcançado somente em 2028.

As mudanças nas projeções de inflação, também em rota de alta, acentuaram o receio com a durabilidade da âncora. Questionado sobre como isso afeta o Arcabouço, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, minimizou. “Não há indicativos de que vá ferir o arcabouço fiscal”. De acordo com ele, as mudanças não alteram a “essência” do marco. “As bases do arcabouço, que define regras de limite de crescimento de despesas, segue inalterado”, afirmou.

Para Fernando Haddad, chefe da Fazenda, a mudança da meta mostra a adaptação a nova âncora fiscal e não há crise ou incerteza sobre a eficiência da ferramenta. “Este ano vai ser melhor do que o ano passado, e o ano que vem vai ser melhor do que este ano. É assim que vai funcionar, porque a regra do arcabouço define isso.”

As regras postas em questão limita o crescimento da despesa do governo em exercício a 70% do avanço das receitas no mesmo período. Tal movimento acontece atrelado ao gatilho de que os gastos nunca podem subir mais que 2,5% ou menos que 0,7% em comparação com o ano anterior.

Segundo Haddad, é de praxe que um cenário de projeção tenha leituras otimistas, moderadas e pessimistas, e que a realidade vai comprovando os cenários.

O problema não é adaptar, é não prever”, disse ele durante audiência pública na Câmara dos Deputados. A previsão, por enquanto, é que não será possível o superávit fiscal antes de 2028, e que as contas públicas serão corrigidas de forma mais paulatina que o projetado inicialmente. Na culinária, é o momento em que o chef precisa ir provando, passo a passo, o caminho da execução de um molho de alta complexidade para não desandar.