O que falta para Cripto se transformar em uma classe de ativos
Por Norberto Zaiet
“Agente foge da centralização, mas ela sempre volta”. Esse foi o comentário de um dos palestrantes durante a Conferência “Crypto and Blockchain Economics Research (CBER) Forum”, que aconteceu na semana passada no Henry Kaufman Management Center, da Universidade de Nova York (NYU). O evento, que ocorre anualmente desde 2020, reúne os pesquisadores mais atuantes no universo das criptomoedas.
A conferência teve como destaque a palestra da excelente professora Maureen O’Hara, da Universidade Cornell. Ela é expert em microestruturas de mercado e frequentemente publica trabalhos de pesquisa em banking, intermediários financeiros, blockchain e mercados cripto. Seu currículo é extenso, e seu trabalho de pesquisa a posiciona entre as maiores especialistas em pesquisa quantitativa no mundo. Segundo O’Hara, três obstáculos precisam ser superados para que o mercado cripto realmente se transforme em uma classe de ativos: valuation, mecânica de negociação e aspectos legais.
O primeiro e mais preponderante é, sem dúvida, o valuation. A determinação do valor desses tokens ainda é incerta, e para que os investidores institucionais abracem esse mercado — e o transformem em uma classe de ativos — esse quebra-cabeças precisa ser solucionado. Até agora, os players têm procurado formatar o valuation em termos de uma estrutura conhecida, seja por fluxos de caixa descontados ou por metodologias que tentam identificar o valor com base em efeitos de rede e número de usuários, como boa parte das empresas de tecnologia são analisadas. Essa abordagem não convenceu.
Além disso, quando incorporados a um portfólio, esses ativos não produzem efeitos de diversificação suficientes para atrair os investidores institucionais. Em outras palavras, os ativos cripto não oferecem aquela pitada de mais retorno com menor volatilidade que os gestores institucionais procuram. Ao final, o valuation é complicado porque, por enquanto, não há um caso convincente que justifique a utilização desses tokens.
“A boa notícia é que, no aspecto da mecânica de negociação, os ativos cripto mostram resultados bastante positivos. Aqui, sim, as ferramentas de negociação funcionam bem quando aplicadas ao ambiente cripto”
A boa notícia é que, no aspecto da mecânica de negociação, os ativos cripto mostram resultados bastante positivos. Aqui, sim, as ferramentas de negociação e de gerenciamento de riscos utilizados nas classes de ativos tradicionais funcionam bem quando aplicadas ao ambiente cripto. Suas análises concluíram que a dinâmica do volume de negociação em certos ativos mais líquidos, como Bitcoin e Ethereum, pode servir como elemento preditivo da dinâmica de preços nesses mercados, assim como já são em classes de ativos mais tradicionais. Ou seja, a formação dos preços de compra e venda nessas moedas parece possuir a mesma dinâmica que determina os valores de ativos tradicionais.
Finalmente, o ambiente regulatório. Aqui, fora do escopo de pesquisa quantitativa, o universo cripto precisa de regras claras e estabelecidas: são commodities ou são securities? Qual é o kit regulatório que vai governar o mercado à vista desses tokens? Enquanto o tema legal for incerto, a adoção institucional não acontecerá.
A busca pela descentralização, nevrálgica no universo cripto, luta contra o que parece uma lei da natureza: a centralização, considerada o estado natural. Entretanto, depois de um dia imerso nesse ambiente extremamente técnico, com estudiosos das maiores e melhores universidades do mundo, dois pontos ficam bastante claros: a busca pela descentralização não vai parar e há pesquisa, inteligência e dinheiro direcionados a encontrá-la. Esses tokens vieram para ficar — e a maratona para transformá-los em uma classe de ativos continua firme.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York