“Esperamos para breve um tratamento de cura do Parkinson”, diz Adib Jacob, da Bayer
Por Allan Ravagnani
RESUMO
• Presente em mais de 30 países, a divisão da Bayer para a América Latina lançou mais de 70 medicamentos nos últimos três anos
• Na área de oftalmologia, a região gerou um aumento de 42% na receita
• Em oncologia, 20%, superando as vendas globais
• Em 2027, a companhia prevê que sua filial registre a marca de 1 bilhão de euros
Fundada em 1863 na Alemanha, a Bayer completou 160 anos de existência e 128 anos atuando no Brasil. Nesse período, a desenvolvedora da Aspirina (ácido acetilsalicílico) se consolidou como uma empresa de Ciências da Vida, atuando globalmente nas frentes Farmacêutica, Consumo e Agronegócio. Fechou o ano de 2023 com uma receita global de 47,65 bilhões de euros. Para crescer, investe fortemente em pesquisa. O presidente da divisão farmacêutica da Bayer para a América Latina, Adib Jacob, recebeu a DINHEIRO para falar sobre os avanços da companhia. Apresentou suas impressões sobre o Brasil e os lançamentos em diversas áreas de tratamentos, como saúde feminina, oncologia, cardiorrenal e oftalmologia. A “cereja do bolo” são os tratamentos com terapias gênica e celular, que ainda estão em fase de estudos, mas prometem melhorar e prolongar a vida de milhões de pacientes com Parkinson mundo afora.
DINHEIRO — Entre os lançamentos da Bayer, como são os novos tratamentos oncológicos e cardiovasculares?
ADIB JACOB — A Bayer está inserida nas áreas mais relevantes de pesquisas sobre as duas maiores causas de mortes no mundo, as doenças cardiovasculares e o câncer. Na área cardiovascular, a Bayer foi uma precursora dos anticoagulantes e agora estamos atuando na proteção do tecido do coração que pode sofrer sequelas de outras doenças, como o diabetes. Sobre o câncer, a Bayer criou um radiofármaco e mais recentemente um produto que está se tornando nosso carro-chefe, a darolutamida, que a gente está estudando em vários momentos do câncer de próstata, na fase mais precoce e no pós-metástase. Ele é um remédio que combate o tumor e não prejudica a qualidade de vida do paciente. As respostas dos estudos estão sendo muito animadoras. Estamos estudando também um fármaco que trata qualquer tipo de tumor. Ele trabalha para agredir uma determinada mutação, é um produto oral que praticamente “desliga o interruptor” do tumor. Esse medicamento inaugurou a fase de tratar a mutação, e não onde está o tumor. O impacto dele no paciente é visto em poucos dias.
E sobre a saúde da mulher?
Na saúde da mulher, a Bayer foi a primeira empresa lançar a pílula anticoncepcional, na década de 60. Desde então temos tido muito avanço em contracepção, com pílulas mais modernas e recentemente os DIUs hormonais, de longa duração, que duram cinco anos e são a vanguarda dos medicamentos desse tipo. Além disso, estamos entrando em uma área muito importante que é a menopausa, com um tratamento não-hormonal, um produto extremamente moderno. As mulheres na menopausa costumam ter sintomas muito fortes, como fogachos, sudorese, alterações de humor e distúrbios do sono. Devemos lançar nos próximos dois anos esse medicamento que combate os sintomas com altíssima eficácia.
O preço vai ser acessível?
Sim, a um preço acessível, pois todas as mulheres sofrem com isso, independente da classe social. Estamos inclusive tendo conversas com o SUS para o Sistema considerar a medicação em seu rol de medicamentos a serem ofertados gratuitamente.
“Um dos grandes dilemas da indústria é trazer os produtos de forma mais rápida. Ainda se leva mais de uma década da descoberta até o uso final’’
Qual é a novidade em relação às terapias celulares e gênicas?
Se você me perguntar o que é a vanguarda da ciência nos dias atuais, aquilo que foram os medicamentos biológicos nos anos 90 e a imuno oncologia nos anos 2000, hoje é a terapia celular e gênica, que é ajudar o paciente a curar a patologia por ele mesmo, ou seja, tirar material genético do próprio paciente, modificar as células de defesa e devolver para o próprio sistema lutar contra a doença. E no caso do Parkinson, inserir células sadias do próprio paciente no conceito que elas vão se reproduzir e tratar a doença, que hoje não tem cura. A Bayer está muito estruturada nessas terapias e com projetos muito sérios nesse sentido, que são no combate a doenças cardiovasculares, câncer e Parkinson. Estamos em fase 2 de estudos no Parkinson, com pesquisa em uma população maior. Em alguns casos, dependendo dos resultados na fase 2, já se consegue obter o registro.
Esses tratamentos são de alto custo. O sr. vislumbra uma parceria com o SUS para disponibilizar esses medicamentos de forma mais acessível?
Sim. Como são doenças mais complexas, o número de pacientes não é tão grande. Então, para se conseguir a sustentabilidade da indústria, você precisa, por um lado, ter um preço que permita a empresa seguir fazendo pesquisas e, ao mesmo tempo, tem que ter um preço ‘custo efetivo’, pelo que se agregou clinicamente — como a qualidade de vida, menos tempo de hospitalização, menos remédios, o que chamamos de custo da doença, além de ser justificável com a realidade de cada país. Para isso, é precisa ter um diálogo com os pagadores, que são o SUS e os planos de saúde, através do rol da ANS. É possível levar a proposta ao SUS, com justificativas científicas e o que se agrega.
O que é o modelo de compartilhamento de risco?
Em breve teremos modelos de financiamento mais sustentáveis, como o do compartilhamento de risco, por exemplo. Se o produto não funcionar no paciente, ele não paga — esse é o modelo de compartilhar risco. Pois se eu estou prometendo a cura, tenho que entregar. Ainda mais em remédios de custo mais alto. Então, para a sustentabilidade do SUS e das operadoras, precisa-se de modelos de financiamento mais modernos também.
Sobre pesquisas científicas, qual a perspectiva para o futuro desses estudos? Principalmente com o uso da Inteligência Artificial, ela vai ajudar a acelerar fases, compilar mais dados?
Certamente isso já está sendo muito empregado. Um dos grandes dilemas da indústria é trazer os produtos para uso mais rápido. Ainda se leva mais de uma década desde a descoberta do produto nos laboratórios até chegar ao uso final. O desafio é encurtar esse tempo com os mesmos padrões de qualidade, de ética e regulatórios. Então a Inteligência Artificial atua em diversas frentes, como identificando ‘targets’ para cada patologia em um laboratório, as possíveis drogas e testando elas sobre os tecidos, as doenças. Certamente é só o começo, vai se usar muito mais para se encurtar o tempo de pesquisa.
Está havendo alguma crise ou falha na distribuição de matérias-primas para a indústria farmacêutica?
Não, hoje em dia as indústrias trabalham com estoque de segurança. Não houve rupturas de distribuição, apesar dos gargalos logísticos na pandemia. Mesmo durante o período pandêmico, não houve nenhuma ruptura no Brasil nem na América Latina. Então se houver alguma falha, é algo muito pontual. Hoje se você for a uma farmácia com uma lista de dez remédios, vai sair de lá com os dez, ou nove — e o outro você encontra em outra loja. A indústria é muito alerta e age rapidamente.
Qual a importância do Brasil para a Bayer?
Falando da divisão farmacêutica, o Brasil, apesar das questões do câmbio, está entre os dez maiores mercados do mundo. Todos os produtos importantes a gente traz para cá, não é incomum o País ser um dos primeiros a registrar novos medicamentos. Hoje, no Brasil, tem por volta de 80 estudos clínicos sendo realizados em fase 2 e fase 3. Em alguns casos, o Brasil é o que mais recruta pacientes. Um dado legal é que os maiores centros recrutadores estão no Nordeste, fora do eixo Rio-SP. Temos centros de pesquisa de excelência em todas as regiões.
Quais os maiores desafios da indústria farmacêutica no Brasil?
O acesso. Do que importa investir tanto, ter um produto maravilhoso, se ele não chega a quem tem de chegar? Nosso propósito é que o produto chegue na hora certa a quem precisa. Mas não é um privilégio do Brasil, isso também ocorre em vários lugares do mundo, como nos Estados Unidos e na Europa, entre outros.
A população está vivendo cada vez mais. Como será a qualidade de vida dessas pessoas?
A pesquisa está evoluindo demais. As pessoas vão viver cada vez mais. A oncologia está se desenvolvendo em alta velocidade. Acredito que em alguns anos, mesmo se não for encontrada uma cura para o câncer, ele será como uma doença crônica, aquela para a qual o paciente leva o resto da vida fazendo tratamento, como diabetes ou pressão alta. A longevidade da população vai fazer com que a indústria amplie sua oferta de tratamentos também. Além disso, são vários aspectos em relação ao envelhecimento. O primeiro é a questão da visão. Há uma série patologias que acompanham as pessoas quando elas envelhecem. Uma é a degeneração ocular associada à idade e outra é a sequela do diabetes, que são os edemas maculares. A Bayer tem um produto que não só corrige a perda de visão como a melhora: uma injeção intraocular chamada aflibercepte.
“A longevidade da população vai fazer com que a indústria amplie sua oferta de tratamentos. São vários aspectos em relação ao envelhecimento’’
Como o modelo de gestão Dynamic Shared Ownership (DSO) está melhorando a eficiência e produtividade?
É um terreno fascinante da Bayer. Esse modelo é uma mudança no jeito de gerir a empresa. Isso liderado pelo CEO, Bill Anderson, que completa um ano à frente da companhia e convidou todos a repensar a gestão de uma companhia de 100 mil funcionários, presente em 80 países, de uma maneira sustentável. É você dar muito mais autonomia de decisão para quem precisa tomar decisões. Como? Diminuindo níveis hierárquicos, empoderando as pessoas para que elas possam tomar decisões. Por exemplo: um agente negociando com um hospital pode tomar uma decisão mais rapidamente, ao invés de ficar esperando respostas que podem demorar dias, semanas — e o cliente pode desistir da compra. O processo de implementação está sendo rápido, e alguns países já estão demonstrando uma satisfação muito grande dos trabalhadores e dos clientes.
A ascensão do time alemão Bayer Leverkusen na temporada 2023/2024 trouxe retorno positivo para a companhia?
Trouxe sim, muito positivo. Foi muito interessante, gerou muita comoção interna entre os funcionários da empresa. A Bayer é dona do clube, que foi fundado por funcionários em 1904. É uma história linda. O clube é parte integrante da cultura da companhia. Ele nos trouxe um orgulho enorme. E essa foi uma temporada mágica: uma única derrota, dois títulos. Isso elevou a autoestima dos funcionários e da empresa, trouxe exposição para a marca. O clube é gerido com muita independência. Apesar de a Bayer ser a dona, em momentos de crise, nunca se cogitou interferir no clube.