Economia

‘Saltinho’ do PIB deixa governo e bolsonaristas quietos; saiba por quê

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Alta discreta do PIB deve fazer o País subir um degrau no ranking das maiores economias do planeta (Crédito: Divulgação )

Por Jaqueline Mendes

RESUMO

• Crescimento de 0,8% no primeiro trimestre ante os três meses anteriores, e de 2,5% em um ano, mostra que a economia está surpreendendo positivamente
• A dúvida é se o governo conseguirá transformar essa expansão em confiança para consumidores, empresários e investidores

Reação imediata número um: os grupos de WhatsApp bolsonaristas não comentaram essa notícia. Reação imediata número dois: os grupos lulopetistas também (quase) não comentaram, salvo raras manifestações mais ufanistas e polianas. O diagnóstico é que a alta de 0,8% do Produto Interno Bruno (PIB) no primeiro trimestre na comparação com o último trimestre de 2023, e de 2,5% na comparação com os três primeiros meses do ano passado, segundo cálculo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é uma boa notícia para o governo, mas que tem sido comemorada com bastante moderação.

Além das fronteiras do Fla-Flu político, o fato é que a expansão do PIB agradou (e muito) o governo e seus entusiastas porque veio acima das expectativas entre 0,6% e 0,7%, puxado pela alta de 11,3% do agronegócio, 4,1% da chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), termo que mostra o aumento dos investimentos em compra de maquinário, por exemplo, e de 1,5% no consumo das famílias.

Além disso, o resultado também deve fazer o País subir um degrau no ranking das maiores economias do planeta, passando da 9ª posição para a 8ª colocação das maiores economias do planeta neste ano, para US$ 2,3 trilhões, à frente da Itália. Esse dado considera uma correção de 7,26% no PIB nominal, algo que ainda precisará ser confirmado com os dados dos três próximos trimestres. Vale lembrar que a taxa mostra desaceleração em relação ao avanço de 1,2% (corrigido, antes era 1,3%) registrado nos primeiros três meses de 2023.

(Divulgação)

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad diz que continuidade do crescimento vai depender da ajuda do Congresso Nacional, com aprovação de pautas econômicas, e do Copom, com a queda da taxa básica de juros ainda em 2024

Apesar do resultado ligeiramente surpreendente, a Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Fazenda, está cautelosa em relação ao PIB do segundo trimestre. Como ainda não dá para estimar o tamanho do estrago da tragédia que assola o Rio Grande do Sul, não está descartada uma forte desaceleração nos próximos trimestres.

“Apesar da recuperação observada na margem para o PIB do primeiro trimestre de 2024, a expectativa é desaceleração no ritmo de crescimento no próximo trimestre, repercutindo a calamidade no Rio Grande do Sul”, informou a SPE, em nota divulgada após a publicação dos dados do IBGE. Em maio, a secretaria havia elevado de 2,2% para 2,5% a previsão para o crescimento do PIB deste ano, mas no relatório admitiu que “restam incertezas a respeito da estimativa de crescimento para 2024”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou o crescimento de 0,8% do PIB no trimestre. Na avaliação dele, o indicador mostra que a economia está mais aquecida e que o resultado demostrar força da atividade econômica. “É um PIB que veio forte, conforme a previsão da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Veio exatamente igual à previsão que nós tínhamos, de 0,8%. Nós continuamos mantendo a previsão de crescimento para o ano na casa dos 2,5%”, declarou Haddad, a jornalistas em viagem a Roma.

Neto Governo espera que o Copom promova nova queda na Selic para manutenção do ritmo de crescimento da economia (Crédito:Raphael Ribeiro)

O próprio ministro, no entanto, demonstrou cautela e preocupação em decorrência do impacto do Rio Grande do Sul da economia, estado que representa 6,5% do PIB nacional.

“Existe uma pequena incerteza, que é o impacto do ocorrido no Rio Grande do Sul no crescimento econômico e sobre as contas nacionais”, disse Haddad. “Então, temos ainda uma avaliação a ser feita, que está em curso, para o fechamento do mês de maio. Nós vamos divulgar ao longo do mês para tentar isolar o problema e saber quanto que ele vai impactar a economia nacional”, disse o chefe da Fazenda.

Haddad disse que o Ministério da Fazenda mantém a previsão de 2,2% de crescimento para este ano, mas salientou que as expectativas podem melhorar se a política monetária continuar reagindo positivamente às projeções inflacionárias.

“Uma coisa boa que aconteceu no quarto trimestre é que houve uma ligeira melhora na formação bruta de capital. Isso é bastante importante porque precisamos de investimento para fazer a economia rodar”, acrescentou o ministro. “Queremos criar o ambiente de negócios necessário para que o empresário invista fortemente. Esse investimento é que realmente melhora as condições econômicas, porque há crescimento sem risco inflacionário. É a forma mais saudável de crescer.”

Reflexos da tragédia do Rio Grande do Sul ainda precisam ser mensurados (Crédito:Divulgação )

O ministro enfatizou que há espaço para crescer este ano, mas que existe a necessidade de maior sintonia entre o governo e o Congresso Nacional, além de um alinhamento das políticas monetária e fiscal, ao cutucar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “Essas políticas precisam andar juntas, na mesma direção, para que ocorram as mudanças estruturais de que o País precisa.”

MERCADO DE TRABALHO

Para o economista-chefe da Suno, Gustavo Sung, parte do crescimento de Serviços e do Consumo das Famílias — alguns dos motores do crescimento no primeiro trimestre — é explicado pelo mercado de trabalho aquecido, com:
aumento nos salários,
melhores condições de crédito,
consumo mais sólido das famílias,
e injeção de liquidez na economia com o pagamento de precatórios pelo governo.

Além disso, ele destaca a agropecuária, que é mais concentrada neste início de ano. “Houve também crescimento dos investimentos, após números baixos no ano passado. Esse segmento foi impulsionado pelo aumento na importação de bens de capital, no desenvolvimento de software e na construção”, disse Sung. “Com a queda da taxa de juros, as condições menos restritas do mercado de crédito ajudaram o setor.”

(Traimak.By)

Em relação ao setor externo, na avaliação de Sung, houve uma mudança na composição. Nos últimos anos, as exportações cresceram acima das importações, contribuindo positivamente para o PIB. Mas, nestes primeiros três meses de 2024, as importações cresceram diante do aumento da demanda externa por máquinas e bens intermediários.

Para o segundo trimestre em diante, na visão dele, se espera um crescimento menor, mas que deve continuar sendo impulsionado pelo consumo do brasileiro, mercado de trabalho e pelos efeitos desfasados da queda dos juros sobre o mercado de crédito, apesar da Selic terminal ser maior que o esperado anteriormente. Com isso, ele espera que o PIB cresça 2,1% em 2024.

Em relação à tragédia no Rio Grande do Sul, o economista da Suno projeta um impacto negativo de 0,2 ponto percentual a 0,3 ponto percentual sobre o PIB, mas irá depender do tamanho dos prejuízos. “No médio e longo prazo, a reconstrução da região pode trazer um impacto positivo para o crescimento do País”, afirmou Sung.

Bom desempenho do consumo das família ajudou a puxar as atividades do varejo e da indústria, em especial a automotiva (Crédito:Florence Goisnard)

Já o economista Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, destaca que o aumento do consumo das famílias é um fenômeno observado devido à melhora no mercado de trabalho e a uma conjuntura macroeconômica mais favorável, com taxas de juros e inflação mais baixas. “Este crescimento do consumo reflete uma maior confiança dos brasileiros e um aumento da renda disponível”, afirmou.

Outro ponto de destaque, na avaliação dele, é o comportamento dos investimentos e da poupança. A taxa de investimento ficou em 16,9% do PIB, ligeiramente abaixo dos 17,1% do ano anterior, indicando uma estabilidade relativa nos investimentos, apesar do crescimento econômico. A taxa de poupança, por sua vez, caiu para 16,2%, comparada a 17,5% no primeiro trimestre de 2023. Essa queda é atribuída ao aumento significativo do consumo das famílias, que superou o crescimento do PIB. Diante de tudo isso, o PIB sorriu. Foi discreto, mas sorriu.