Economia

Entenda por que cortar gastos para o governo Lula é uma tormenta

Crédito: Ilustração: Fabio X

Lula sob chuvas e trovoadas: momento crucial para o equilíbrio econômico (Crédito: Ilustração: Fabio X)

Por Paula Cristina

RESUMO

• Governo federal enfrenta um triplo desafio que tem exigido jogo de cintura do presidente
• Lula e equipe econômica precisam zerar déficit, cortar benefícios e privilégios da elite da República, além de aumentar a fatia do Orçamento livre para investimentos
• Cadeia produtiva e mercado financeiro estão distantes de uma unanimidade sobre qual caminho seguir

 

O presidente Lula enfrenta atualmente três desafios que suas gestões passadas à frente da República não o prepararam. O primeiro deles é o déficit fiscal. Tanto em 2003 quanto em 2007 o Brasil não tinha arrecadação menor que gastos (situação que começou na segunda gestão de Dilma Rousseff). O segundo é o percentual do Orçamento carimbado. Se no começo do século as despesas obrigatórias ficaram em menos de 60%, em 2024 a cifra está em 93%. Por fim, hoje, há uma âncora fiscal que baliza seus gastos e os condiciona à sustentabilidade financeira. Com essas três pedras no sapato do petista, não há outra escolha: é preciso cortar gastos ou aumentar impostos.

E os dois caminhos parecem custosos. Mencionar a elevação de taxas e obrigações enquanto prega uma reforma que reduziria os impostos das empresas parece incoerente, e cortar gastos envolve tirar dinheiro de produtos que são caros ao presidente, como as obras do Programa de Aceleração do Crescimento e fomento à indústria. Sem respostas fáceis, Lula se reuniu com a cúpula econômica de seu governo para olhar os números e avaliar suas opções.

Simone Tebet (Planejamento) e Fernando Haddad (Fazenda) apresentaram seus diagnósticos e remédios.

Na receita de Simone, revisar a custosa (e até aqui intocável) Previdência Social e benefícios dos militares. Há também intenção de estudar a redução de privilégios em outras esferas do Poder.

• Haddad, por sua vez, carregou uma lista de benefícios fiscais indevidos, revisão de fraudes no INSS, aprimoramento da malha fina da Receita Federal e desvinculação de parte do Orçamento para dar mais espaço de investimentos.

Essas análises foram levantadas pelos membros da Junta de Execução Orçamentária (JEO) que, além de Simone e Haddad, envolve Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos).

O presidente da Câmara, Arthur Lira, prega a manutenção dos benefícios fiscais, enquanto os ministros Simone Tebet (Planejamento) e Haddad (Fazenda) querem o fim das desonerações (Crédito:Divulgação )
(Ton Molina)

À DINHEIRO, Simone afirmou que não há qualquer estudo executado, todas foram “ideias para começarmos a avaliar onde há espaço para redução de custos”. “Não há uma mira em ninguém”, afirmou.

A afirmação vem depois de haver uma tensão nas casernas brasileiras.
De acordo com um estudo do Ipea, o custo da reserva das Forças Armadas saiu de R$ 31,85 bilhões em 2014 para R$ 58,8 bilhões em 2023. Para 2030, no atual ritmo, o montante encostará em R$ 70 bilhões.
O peso da farda também foi citado pelo ministro do Tribunal de Contas da União, Vital do Rêgo, na aprovação das contas do governo Lula em 2023. “Desponta o Sistema de Proteção dos Militares, cuja relação entre receitas e despesas, em 2023, foi de 15%, quando arrecadou R$ 9 bilhões e teve uma despesa de R$ 59 bilhões. No caso do RPPS [Regime Próprio de Previdência Social], a relação de cobertura foi próxima de 42%.”

DESONERAÇÕES

Bandeira de Haddad, a revisão das desonerações e isenções tributárias surge como uma alternativa para redução de gastos. O ministro tem travado batalhas públicas com o Congresso para negociar tais benefícios. O chefe da Fazenda, no entanto, trata o assunto como se todos os benefícios fossem herança das gestões passadas, o que não é exatamente assim.

Segundo Vital do Rêgo, a multiplicação dos benefícios fiscais no País seguiu no primeiro ano da gestão Lula. Em 2023, foram instituídas outras 32 desonerações tributárias, com impacto de R$ 68 bilhões na arrecadação da União. Para exemplificar como, nem sempre, um incentivo fiscal salva uma empresa, ele citou o caso da Ford, que fechou as fábricas no Brasil em 2021 após usufruir de cerca de R$ 20 bilhões em incentivos fiscais. “A disparada da dívida pública federal em 2023 revela o quanto pode ser um contrassenso que o Estado abra mão de receitas.”

A primeira batalha perdida por Haddad na busca pelo fim das desonerações foi o paredão Legislativo que abateu, em pleno voo, a proposta do governo de acabar com o benefício fiscal para folha de pagamento de 17 setores da economia. A medida, instituída em 2013, ainda no governo Dilma, nasceu como suporte temporário para manutenção do emprego, mas falhou nas duas coisas a que se propôs. O desemprego subiu e o benefício virou obrigação. Dez anos depois, segue o impasse para acabar com o benefício, e o plano do governo se esvaiu. A desoneração custa aos cofres públicos, em média, R$ 26 bilhões ao ano.

Sem espaço para negociar esse benefício, o plano de Haddad foi atacar outra frente, o Pis/Cofins. Com a Medida Provisória 1227/2024, o plano era arrecadar R$ 29 bilhões a mais mudando o entendimento da legislação e limitando o uso de crédito cumulativo de grandes empresas.

Desta vez, quem chiou foi a cadeia produtiva. Houve muita fritura pública do ministro e desconforto com a ala mais política do governo, tudo isso enquanto o Supremo Tribunal Federal fez um alerta: vocês (leia-se Executivo e Legislativo) têm 60 dias para encontrar uma forma de repor os R$ 26 bilhões da desoneração.

Se por um lado a reoneração da folha atinge empresários da indústria, por outro o corte de gastos com o PAC também terá seu efeito nos negócios da cadeia produtiva (Crédito:Divulgação )

TIQUE-TAQUE

Com o relógio correndo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, articulou uma comissão para se debruçar sobre o tema. E não faltaram parlamentares dizendo ter a solução milagrosa. Surgiram sugestões de atualização de bens no Imposto de Renda, uma nova rodada de repatriação de recursos mantidos por brasileiros no exterior, uso de recursos judiciais e a famigerada taxação de compras internacionais até US$ 50,00 (que antes eram isentas e agora passam a exigir alíquota de 20%). O problema é que, tudo isso junto, soma R$ 16,8 bilhões ao ano, segundo uma avaliação da XP Investimentos.

A cifra, inclusive, leva em conta uma medida que pode ser considerada inconstitucional e causar um problemão para o governo. O uso dos recursos provenientes do Sistema de Valores a Receber (SVR), uma lei aprovada há sete anos, resultou em arrecadação de R$ 11 bilhões, à época, mas já foi considerada inconstitucional pelo STF.

Para o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, mesmo que uma nova legislação seja aprovada e o risco jurídico afastado, “não há um incremento de arrecadação que faça frente ao montante necessário, já que, pela média passada, o montante seria de pouco mais de R$ 2 bilhões”, disse. Um esforço descomunal para um efeito mínimo. Bem ao estilo da República brasileira.