Economia

30 anos do Plano Real: o que pensam os pais do projeto hoje? Confira

As três décadas de existência do Real ensinam como o Brasil consegue colocar de pé uma reforma estruturante quando quer ­— e nos lembram quão longe estamos de replicar isso na revisão do tamanho do Estado

30 anos do Plano Real: o que pensam os pais do projeto hoje? Confira

Real, a moeda da estabilidade econômica e da inflação controlada. Por que o exemplo ficou nebuloso?

Por Paula Cristina

Há 30 anos o governo de Itamar Franco colocava para rodar a estrutura monetária mais relevante da história do Brasil e com ela nos lançou ao clube dos países capazes de emergir, se desenvolver e negociar com o mundo. A chegada do real, que domou a hiperinflação e acertou as contas dos entes públicos e privados, foi o primeiro passo em direção ao futuro que o País ambicionava ter. Mas a jornada era longa. Se a Constituição de 88 foi o marco político/social para uma Nação que deixava para trás os ecos da ditadura, a estabilização da moeda em 94 deveria ser igualmente relevante para se revisitar toda a política econômica e monetária e rever o papel, a função e o tamanho do Estado. Mas não foi o que aconteceu.

Nos primeiros 20 anos da moeda, houve pequenos avanços com privatizações, mas nada estrutural. Nos últimos dez, alguns marcos. As reformas trabalhista, previdenciária e, agora, a tributária, dão o tom de um país que diz querer mudar, mas evita encostar na ferida. “Temos muito o que comemorar. Mas, ao mesmo tempo, temos muito ainda que caminhar para que possamos lidar com problemas fundamentais e responder por que o Brasil cresce pouco e por que é tão difícil fazer reformas no País”, disse Pedro Malan, que foi presidente do Banco Central entre 1993 e 1995, no governo de Itamar Franco, e ministro da Fazenda durante os 8 anos da gestão FHC.

A questão levantada por Malan parece ser uma constante entre os chamados pais do real — time que desenhou o plano, articulou sua entrada em vigor e sustentou a continuidade do programa.

O economista Edmar Bacha, que esteve na formulação da moeda, disse que, quando foi montado o projeto, eram quatro os objetivos centrais: controlar a inflação; resolver o problema de balanços de pagamento; estabilizar a dívida externa e levar o Brasil ao crescimento. “A última foi a única que não se concretizou”, disse. O motivo para isso, segundo o economista, é falta de vontade política. Para ele, levar o Brasil ao crescimento significa sustentar uma sequência de reformas que abrissem a economia. Ele cita a revisão do tamanho do Estado, o ajuste das políticas públicas e a compreensão aprofundada das necessidades do País. “O problema é que, pouco depois de estabilizar a moeda nacional, houve o período da bonança econômica [fruto do boom das commodities] e, depois disso, os governos não fizeram muito”, disse. “É uma tristeza, porque elaboramos um projeto que tinha mais de uma face, mas estacionou apenas nas melhorias aparentes, não nas mais profundas da natureza brasileira.”

“Ajustamos a política monetária, mas ainda não respondemos a pergunta: Por que o Brasil cresce tão pouco?”
Pedro Malan, ex-ministro e ex-presidente do Banco Central

O economista conta que, junto com o Plano Real, a equipe econômica liderada pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, listou 63 emendas constitucionais para resolver problemas estruturais de cunhos tributários, previdenciários e de administração pública. “O Congresso rejeitou 62. A única que avançou — ainda bem! — foi o Fundo Social de Emergência porque se não aprovassem, a gente não fazia o plano”, disse. Segundo ele, boa parte das demandas daquela época foram diluídas ou ainda não foram sanadas.

O ex-ministro Pedro Malan lembrou que, além dos 30 anos do real, o Brasil comemora 25 anos e meio do regime de taxas de câmbio flutuante, 25 anos do regime de metas de inflação e 24 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Mas não crescemos pois as contas públicas só serão acertadas se as forças políticas deixarem de lado interesses menores.”

O NOVO BANCO CENTRAL

Também do time econômico de FHC, o economista Gustavo Franco conta que a estrutura de uma política monetária guiada pelo Banco Central através da criação do Comitê de Política Monetária (Copom) e o fortalecimento do Conselho Monetário Nacional foi decisiva para a estabilidade de hoje. “Tivemos o desafio de recompor e restituir a autoridade monetária no Brasil. O número de representantes no CMN foi reduzido de 25 para três, dando mais força ao voto do próprio Banco Central”, disse. Outro marco aconteceu em 1999, já sob a gestão FHC, com a criação de um regime de metas de inflação, o que deu previsibilidade, estabilidade e credibilidade para o real. “O regime de metas guia os bancos, atrai investimento, ajuda na previsibilidade das empresas. Era o Brasil entrando no universo dos países desenvolvidos com décadas de atraso”, afirmou.

Quando avaliam a gestão atual do Banco Central, os economistas dizem que a autonomia do BC e a discussão sobre sua independência financeira — como tem sido debatido no Senado — são bastante positivas, porque quanto menos atrelada a política monetária estiver da ideologia política, mais credibilidade a moeda tem. E mais chances de comemorar os 60 anos do real com o mesmo êxito dos 30.