Economia

Como o governo pretende ganhar com a economia circular

Plano de reestruturar a cadeia produtiva em cima de pilares mais sustentáveis pode movimentar R$ 1 trilhão até 2030, mas ainda esbarra em problemas na mesma medida que apresenta oportunidades

Crédito:  freepik

Economia circular vai além da reciclagem: com foco em agendas de design circular e de regeneração produtiva da natureza, pode destravar o crescimento econômico (Crédito: freepik)

Por Paula Cristina

Demanda reprimida. Atenção internacional. Potencial de mercado. São com essas premissas que o governo Lula tenta desatar um nó tão grande quanto suas oportunidades. A economia circular, estrutura de cadeia produtiva que garante tanto a ida quanto a volta de um determinado produto para o descarte correto, é um mercado que pode movimentar R$ 1 trilhão até 2030 no Brasil, se implementado em sua totalidade. Uma cifra enorme, com desafios igualmente grandes. Dilma Rousseff tentou com a Política Reversa, sem sucesso. O Senado debate há sete anos seu próprio texto, mas não avança. Na Câmara são 32 textos que tratam do assunto, nenhum está encaminhado. Agora, Lula lança seu próprio programa e promete resolver impasses entre a indústria e o varejo, além de rever o papel do estado e da sociedade civil nesta equação.

Chamada de Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC) o assunto será ministrado e levado pelo vice-presidente da República e ministro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, e tem como objetivo, segundo ele, “promover a transição do modelo de produção linear [aquele que vai da extração, passa pela produção e termina no descarte] para uma economia circular, incentivando o uso eficiente de recursos naturais e práticas sustentáveis ao longo da cadeia produtiva”, disse ele.

À DINHEIRO, Alckmin afirmou saber dos desafios que este modelo integrado da cadeia produtiva é desafiador, mas é um passo importante na neoindustrialização que ele tem promovido em sua jornada à frente do MDIC. “Vamos reforçar o papel do governo no fomento a uma indústria sob novos pilares, gerando inovação, novos negócios alinhados ao crescimento sustentável e responsável”, disse. Para isso, o projeto vê cinco frentes de atuação, incluindo fomento às empresas à readequação aos novos parâmetros.

Ainda sem valores, datas ou início previsto, a discussão sobre a economia circular é um exemplo de assunto vendável, com ampla aceitação, mas de execução complexa. Com a estrutura de produção brasileira atual, o processo de mudanças dos pilares atuais será custoso e demorado e colocará em rota de colisão os distintos interesses da cadeia produtiva.

Para Cesar Longo, professor de logística e doutor em economia circular, o projeto do governo é um embrião, e ainda carrega mais dúvidas que certezas. “Funciona para vender no exterior, mas não há qualquer sinal de execução prática”, disse ele. Neste momento, o governo deve focar na redução da poluição e geração de resíduos, estímulo ao consumo sustentável e aumento do ciclo de vida dos produtos vendidos. “Mas ainda não há como colocar na mesa de negociação, por exemplo, a logística reversa”.

PRIMEIRO PASSO

Para Luisa Santiago, diretora executiva para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur, organização especializada, líder em economia circular, há motivos para se comemorar com a ENEC. “Ele demonstra um compromisso do governo em direcionar o país a um desenvolvimento capaz de enfrentar as principais crises ambientais, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição”.

Para Luísa, a amplitude do projeto mostra o potencial da economia circular, muito além da reciclagem e com foco em agendas de design circular e de regeneração produtiva da natureza, aspectos cruciais para destravar o crescimento econômico mais acelerado dos setores e modelos de negócios alinhados a uma economia circular.

O economista Roberto Fonseca Jr., membro da comissão de meio ambiente da ONU e ex-secretário de Meio Ambiente do Amazonas, afirma ser muito difícil colocar uma estrutura deste porte se não houver amplo apoio dos estados. “A União pode criar diretrizes, o Legislativo também pode regulamentar, mas não será posto em prática se todas as unidades de federação não embarcarem. E não há, neste momento, qualquer sinal de unidade sobre este tema”, afirmou.

Segundo a ONU, com o potencial brasileiro, seria possível movimentar R$ 1 trilhão até 2030 com a economia circular, se envolvesse desde os catadores até as grandes indústrias. Um número alto e até, neste momento, tão inatingível como o plano de unificação sobre o tema.