ESG

Vinícolas nacionais buscam reputação perdida; entenda

Vinícolas brasileiras tiveram suas imagens duramente arranhadas após serem envolvidas em casos de trabalho análogos à escravidão em 2023. Um ano e meio depois, algumas ações têm sido implementadas para corrigir as falhas. Seriam suficientes?

Crédito: Anderson Pagani

Rodrigo Valério, diretor de marketing e vendas da Vinícola Aurora (Crédito: Anderson Pagani )

Por Alexandre Inacio

No início do ano passado, o setor vitivinícola nacional enfrentou uma das suas maiores crises da história. Os problemas não eram de ordem econômica ou financeira, tampouco de oferta e demanda. A tensão que ganhou holofotes em todo o país envolvia 207 trabalhadores, resgatados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, em propriedades ligadas às vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi.

Quase um ano e meio depois, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado, alguns milhões desembolsados em multas e indenizações e o olhar ainda mais atento dos fiscais do MPT, alguns avanços começam a florescer nas terras gaúchas. O Conselho de Administração da Cooperativa Vinícola Aurora acaba de aprovar a criação do Comitê de Sustentabilidade. O órgão interno irá coordenar e desenvolver todas as ações e estratégias ESG da empresa e responderá diretamente ao conselho.

“Desde o ano passado estamos em uma curva constante de aprendizado. Nesse período, percebemos que apesar da sigla ESG ser relativamente nova, todos os aspectos que a envolvem sempre estiveram inseridos nos princípios do cooperativismo. O ESG está muito mais próximo de nós do que imaginávamos”, disse Rodrigo Valério, diretor de marketing e vendas da Vinícola Aurora, em entrevista à DINHEIRO.

O novo comitê será permanente, formado por sete membros, dos quais dois serão independentes. Os integrantes terão mandato de dois anos e a ideia é que haja um rodízio entre os membros. Ainda que não tenha um caráter decisório, será do novo comitê a responsabilidade de oferecer a orientação técnica para as instâncias internas da cooperativa. “Estamos trabalhando e atuando para que aquilo que aconteceu nunca mais ocorra na Aurora ou em nenhuma propriedade de um cooperado nosso”, disse Valério.

Mais atenção para a gestão da cadeia produtiva e compliance, além de segurança alimentar, entraram no radar da Aurora, Salton e Garibaldi com assinatura do TAC (Crédito:Anderson Pagani )

A criação do comitê de sustentabilidade é uma das etapas da estratégia criada pela empresa para superar a crise do ano passado. Depois de fazer um diagnóstico, ouvir os principais públicos de interesse — desde funcionários, fornecedores, clientes, consumidores e órgãos públicos — a Aurora vai apresentar ainda julho sua primeira matriz de materialidade, uma ferramenta que classifica os temas de maior impacto para a empresa e demais elos de sua cadeia de produção.

Em paralelo, a Aurora contratou a Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) para revisar e aperfeiçoar as normas de compliance da cooperativa, especialmente nos processos que regulam as relações com colaboradores, parceiros e terceirizados. A previsão é que o trabalho seja concluído até janeiro de 2025.

As medidas adotadas pela Aurora seguem uma linha semelhante já adotada por outra empresa também envolvida no escândalo de 2023. A Salton já publica seu relatório de sustentabilidade e sua matriz de materialidade desde 2022, antes mesmo da crise do ano passado. A ação do MPT, que culminou na assinatura do TAC, fez com que a Salton mudasse algumas prioridades de sua estratégia, passando a dar mais atenção para a gestão da cadeia produtiva e compliance, para suas prioridades estratégicas e para a segurança dos alimentos.

Ainda que hoje as empresas tenham implementado uma série de ajustes, como a eliminação da terceirização das contratações durante a colheita da uva, mecanização de alguns processos e mudanças em suas governança, e até mesmo reconheçam sua parcela de responsabilidade no caso, nem sempre foi assim. À época, ficou constatado que os trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão eram contratados pela Fênix Serviços Administrativos, que prestava serviço às vinícolas.

Houve uma tentativa inicial de desvincular a atuação das empresas da prestadora de serviço, o que não repercutiu nada bem. Além disso, falas xenófobas presenciadas na câmara de vereadores, posicionamentos condenáveis por entidades de classe, além do próprio silêncio inicial das envolvidas criaram um ambiente hostil contra a imagem das empresas.

Se a reputação das vinícolas ficou em algum momento arranhada, nos negócios a crise não pesou tanto.

No ano passado, a Aurora teve o melhor desempenho da sua história, com as vendas da empresa crescendo 4% e alcançando R$ 786,2 milhões.
Para 2024, o crescimento projetado é de 10%, com a meta de chegar a R$ 1 bilhão em 2026.
No caso da Salton, a receita avançou 12% em 2023, para R$ 567 milhões.
Para este ano, a expectativa é de um novo crescimento de dois dígitos, na casa de 15%.