Estados Unidos: desinflação e soft landing
A queda da inflação ocorre sem que os dados de emprego mostrem deterioração, contrariamente à versão tradicional da curva de Phillips
Por Vitoria Saddi
A curva de juros nos EUA vem apresentando uma inversão entre a ponta curta e a ponta longa. Tomando-se os títulos de 10 e 2 anos, existe um spread negativo, ou seja, a taxa de 2 anos supera a taxa de 10 anos em 0,495 ponto. Este comportamento não é natural pois, em tese, títulos mais longos oferecem riscos maiores e deveriam pagar mais. Este tipo de situação ocorre em alguns momentos da história e é visto como um prenúncio de recessão. Na medida em que a taxa longa se retrai, o entendimento é que ela reflete expectativas de queda de inflação e do nível de atividade, o que levaria o Fed a praticar juros reais mais baixos. De fato, o mercado fica ansioso a cada divulgação de dados de inflação, nível de atividade e mercado de trabalho, buscando evidências de uma deterioração do quadro que desse ao Fed confiança de iniciar um ciclo de cortes na Fed Fund Rate, sua taxa básica. O meu objetivo é investigar se, para trazer a inflação à meta, um hard landing é de fato inevitável. Minha opinião é que arelação entre desemprego e inflação, expressa na curva de Phillips, deve ter se enfraquecido, e houve um aumento da inclinação dela no curto prazo.
Há duas razões para o enfraquecimento da relação inversa entre desemprego e inflação. O primeiro fator é relacionado à credibilidade. Quanto maior é a confiança das pessoas na sua autoridade monetária, menor é a necessidade dela em subir juros para induzir um desaquecimento econômico que levaria a aumento no desemprego e queda de PIB. Em outras palavras, quanto maior a credibilidade do Fed, menor a necessidade de um hard landing para a estabilização dos preços, ou seja, a curva de Phillips de curto prazo pode estar se tornando mais inclinada (vertical). A meu ver, a credibilidade do Fed sempre foi bastante elevada e nunca foi perdida ao longo do tempo. A diferença e novidade da história atual, e o segundo fator, é ligada à Inteligência Artificial (IA). Neste sentido, pode estar havendo um aumento da produtividade advindo da IA, deslocando para cima a função de produção agregada da economia americana. Possivelmente, mitigando os impactos de curto prazo de contenção da demanda agregada.
“O atual cenário indica um soft landing da economia americana, com a redução da inflação ocorrendo sem provocar uma recessão”
Após ter se equivocado na pandemia sobre as causas da alta da inflação no período, atribuindo a alta dos preços a choques de oferta – portanto transitórias – e que não exigiam um aperto monetário, o Fed reviu sua posição e, entre março de 2022 e maio de 2023, elevou a taxa básica em 5 p.p., demonstrando um alto comprometimento com o recuo da inflação, apesar da política fiscal superexpansionista do governo Biden. Esta situação é inédita até para o Fed. Os dois índices de inflação mais importantes daquele país, o CPI e o PCE, vêm mostrando uma desinflação persistente, tendo suas medidas de núcleo em 12 meses acumulado altas de 3,4% e 2,6%, respectivamente, no último mês de maio. O mercado de trabalho continua aquecido, bem como o nível de atividade.
O resultado do Non Farm Payrolls (NFP) de maio, substancialmente superior ao previsto, sinaliza uma aceleração mais acentuada na criação de empregos, refletindo um aquecimento robusto da economia. Ao analisar a relação entre os dados do (NFP) e da inflação nos Estados Unidos ao longo dos últimos 12 meses, notamos algo interessante. Enquanto o NFP tem se mostrado uma série estacionária com média em torno de 237.000, a taxa de inflação registra uma queda gradual e contínua ao longo dos meses. Esse cenário indica um soft landing da economia americana, com a redução da inflação ocorrendo sem provocar uma recessão e seus efeitos negativos. A questão que fica é quando o Fed se sentirá confiante para iniciar os cortes, ainda que o lado real da economia não se deteriore. Este será o momento de posições prefixadas longas nos EUA.
*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.