“Há uma boa vontade enorme do mercado, mas o governo Lula tem abusado”, diz Flávio Roscoe, da FIEMG
Por Regina Pitoscia
RESUMO
• Dirigente da FIEMG pede corte de gastos públicos para o controle da inflação e a diminuição dos juros
• E critica a invasão do e-commerce estrangeiro, que pode “engolir a economia brasileira” se não for taxado
Conhecedor dos desafios e dificuldades atuais enfrentados por empresários para investir e crescer no País, Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), coloca em evidência três grandes temas: política fiscal, insegurança jurídica e custo Brasil. Uma das cartas que já está à mesa para discussão e pode contribuir de modo efetivo para desatar um desses nós refere-se à geração e ao preço de energia. Na sua opinião, demonizaram as hidrelétricas com energia renovável e limpa, enquanto no Congresso Nacional se preocupam em encontrar brechas para projetos com termoelétricas, que usam combustível fóssil e geram energia suja. Um retrocesso, que poderá criar entraves para a competitividade e colocação de produtos brasileiros em um mercado globalizado, cada vez mais exigente e preocupado com questões ambientais. Como se isso não fosse suficiente, as hidrelétricas têm condições de impactar o bolso do brasileiro seja na conta da energia elétrica, da cesta básica e do material escolar, entre outros.
DINHEIRO — O que mais atrapalha o crescimento econômico do País?
Flávio Roscoe — São dois eixos: um é a política fiscal e o outro, a insegurança jurídica. O governo não faz contenção na política de gastos, ao contrário, está sempre procurando mais fontes de receitas. O movimento é de aumentar os gastos, mas sem conseguir aumentar as receitas na mesma medida, então o déficit aumenta, a incerteza aumenta, o que leva a uma política monetária mais austera, e o choque dos juros se torna imperioso. É a política monetária tentando segurar o que a política fiscal não cumpre. Se a fiscal não entregar, a política monetária vai ter um custo maior e na conta final é pior para todo mundo, porque os juros altos vão conter a atividade econômica, inviabilizando a previsão otimista de arrecadação do governo.
A política de gastos está então no centro dessa discussão?
Sim, porque o Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. É ineficiente, não gera produtividade, e o que nós estamos vendo é a expansão desse Estado em cima do setor privado, o potencial do crescimento da economia brasileira cai toda vez que o Estado brasileiro cresce. Com os impostos, você drena recursos da população, há uma esterilização de boa parte dos recursos da sociedade, reduzindo o potencial de crescimento da indústria como um todo. Aí, o que que vai acontecer? A taxa de investimento vai cair, e potencial de crescimento da economia brasileira também cai. A expansão do gasto público não será suficiente, a gente precisa ter a expansão do investimento para ser um crescimento de longo prazo.
“Estamos sujando a nossa matriz energética. A gente pune as hidrelétricas. Projetos de energia fóssil vão gerar um custo de R$ 30 bilhões”
E em relação ao outro entrave, a insegurança jurídica?
A todo momento mudam a regra do jogo. Veja a questão da desoneração da folha de pagamento, que estava em vigor há mais de 10 anos. Ela foi criada no governo do PT e tinha um propósito muito interessante, já que o custo trabalhista é algo relevante na cadeia produtiva, então ela veio para reduzir a carga e atender primeiro aqueles setores que mais empregam no País. Mas depois de negociada com o Congresso Nacional ela foi retirada do setor produtivo.
Essa questão da desoneração ficou engasgada?
O governo começou a discutir o fim da desoneração, houve um embate muito grande, mas uma negociação com o Congresso garantiu a aprovação das subvenções em troca da desoneração da folha no final do ano passado. Depois de negociada a subvenção, o governo manda uma MP para o Congresso acabando com a desoneração da folha. Que segurança jurídica é essa? Quem consegue dormir sossegado e fazer um planejamento de empresa dessa maneira? Enquanto o que deveria estar sendo discutido é a redução de gastos.
E a taxa de juros também trava a roda da produção?
Sem dúvida, a taxa de juros brasileira é estruturalmente alta. Há uma dependência histórica dessa taxa alta para dar contenção à política expansionista do governo através dos gastos desenfreados do poder público. Então, na minha interpretação a taxa de juro é alta no momento atual, mas ela sempre foi alta. Não há nenhum desnível da taxa de juro com relação ao momento atual, em que há incertezas diante da política econômica errática do governo e da política fiscal. Então, o mercado que veio com muita confiança no primeiro momento do governo Lula, inclusive com apreciação do real, uma ancoragem das expectativas foi virando gradativamente essas perspectivas. Não por querer, porque acho que há uma boa vontade enorme do mercado com esse governo, mas o governo tem abusado disso.
Os juros altos têm na raiz uma política fiscal frouxa, voltamos a ela?
Com certeza, porque na verdade, se eu sou credor de um país que só gasta, e a cada dia que passa, gasta mais ou gasta mal, o que vai acontecer é que eu vou cobrar um prêmio de risco para continuar financiando esse país. Tanto é que você vê o dólar flutuando. Você imagina se o governo estivesse baixando os juros? O dólar já estaria em R$ 6,50 hoje. A desvalorização cambial vai trazer a inflação também porque boa parte dos preços dos produtos está indexada a uma realidade internacional.
O câmbio é outra preocupação?
É porque os preços têm paridade internacional. Então se o câmbio fica mais caro, a relação de troca, principalmente dos bens importados que compõem um porcentual enorme no consumo das famílias, vai ter um forte impacto. Seja no consumo das famílias, seja nas matérias-primas ao longo de toda economia, e aquilo que a gente exporta tem impacto também, porque se eu estou vendendo mais caro para exportação, vou vender mais caro para o mercado interno também. Isso com o milho. Com o minério de ferro, vai ficar mais caro para a siderurgia. Então, a desvalorização do câmbio garante que a inflação permaneça em níveis elevados ou dê um gás adicional a ela. O que a gente vende no mercado interno vai subir de preço, porque o preço é em dólar, e o que a gente importa também. Tanto nas nossas commodities que a gente exporta, como tudo aquilo que a gente importa, mesmo que não seja commodity. Nas exportações o impacto é positivo, mas efetivamente a parcela dos bens das exportações que vão para o mercado interno também fica mais cara. Se o mercado interno não está pagando, eu exporto, porque o preço é vaso comunicante.
Em termos de medidas imediatas, a tributação sobre produtos importados de até US$ 50, o imposto das blusinhas, traz algum fôlego para a indústria nacional?
Em um cenário de cinco anos ele ganha relevância sim, porque se nada for feito, isso aí vai engolir a economia brasileira, em uma condição de competividade completamente desonesta. A taxa de crescimento desse e-commerce é absurda. Nessa conta não é só o quanto que se deixa de arrecadar de imposto pelo consumidor, é quanto as cadeias deixam de arrecadar porque não estão vendendo o produto final. Essa conta ainda não foi feita, onde entram ainda emprego, renda, porque os produtos aqui têm em média 50% de carga tributária. Então, o resultado é cruel sob vários aspectos, e por isso não é uma causa menor. Estamos falando de algo em torno de R$ 100 bilhões, que é quase o total do Bolsa Família, que deixou de circular aqui. Isso sem contar o contrabando, porque não é tudo que entra ali que está declarado, vem abaixo de US$ 50. Há um volume de um milhão de pacotes, quem vai conferir? Temos informações de que até pequenas placas de R$ 10 mil entram por US$ 50 (cerca de R$ 280).
“O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. É ineficiente, não gera produtividade. A gente precisa de investimento para o crescimento”
A solução da disparidade de preços dos produtos passa pelo custo Brasil?
Sim, é colocando o Brasil em situação competitiva. A questão da energia ganha importância nesse contexto, porque tudo o que quer subsidiar ou fazer política pública sem criar imposto, o governo coloca na tarifa de energia. Isso gera um custo do Brasil horroroso. Nós estamos sujando a nossa matriz energética. Agora mesmo no Congresso, temos projetos de compra de energia fóssil patrocinados por grandes grupos econômicos, mas pouca gente fala que isso vai gerar um custo para a sociedade da ordem de R$ 30 bilhões anuais. Como podemos falar de transição para a energia limpa?
Qual seria a saída?
Nós temos 11% de energia gerados pelas termoelétricas, mas que são responsáveis por algo equivalente a 56% da emissão de CO2 de toda a indústria brasileira. Esses projetos, esses movimentos, podem levar essa carga de energia suja a mais de 20%. Ao mesmo tempo, a gente pune as hidrelétricas. É um absurdo, porque é uma fonte limpa de energia, 100% produzida no Brasil e que gera energia firme que é aquela que a gente precisa, a qualquer hora do dia. Que política é essa que prefere adotar fonte de energia suja em detrimento de energia renovável? E mais, a que a gente tem todo o know how de produzir? Ter a matriz energética limpa no setor produtivo brasileiro é fundamental, porque vai ter a pegada de CO2 do setor produtivo, direto do setor elétrico. Além disso, a energia limpa é mais barata que a energia não renovável, então você reduz o custo da matriz. Em vez de fazer isso, o Congresso discute projetos que aumentam as fontes de energia suja, com garantia de contrato até 2050, e cobrando da população de R$ 600 a R$ 700 o megawatt, enquanto o de energia elétrica não chega a 180. Na década de 90 o Brasil tinha 97,5% da matriz limpa, e no ano passado foi a 89%, e isso mesmo com a fonte renovável de energia solar e eólica entrando. Estamos sujando a nossa matriz, porque precisamos de energia firme, que esteja disponível no grid o tempo todo, e isso é ou hidrelétrica ou térmica. Toda vez que você impede de fazer a hidrelétrica você vai precisar de um crescimento da térmica. Cresceu e térmica, aumentou a emissão de CO2.
A aposta deve ser então nas hidrelétricas?
Exatamente, porque a matriz limpa garante a oportunidade de colocar os produtos brasileiros lá fora, ao mesmo tempo que podemos reduzir os custos não só para o setor industrial, mas para toda sociedade. Se os 11% de energia térmica forem substituídos pela geração de hidrelétrica, o preço da conta de energia do brasileiro ia cair 20%, só com a substituição. E não é só a redução de tarifa não. Ela vai impactar os custos dos produtos que as pessoas consomem. Se trocassem os 11% de energia gerados pelas térmicas por hidreléticas, o preço da cesta básica cairia 3%, o material escolar cairia 6%. Esses são dados de estudo feito por nossa equipe técnica de energia, mais os economistas, e em cima de dados oficiais, que terão impacto sobre a sociedade brasileira nos próximos 30 anos.