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Bolsa do RJ pode fazer frente à B3? Analistas saúdam criação do pregão carioca

Bancada pelo fundo soberano Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, a bolsa carioca tem planos ambiciosos e quer competir com a B3, mas mantendo os pés no chão. O novo player pode apostar em segmentação e atrair mais companhias e investidores, segundo especialistas

Crédito: Divulgação

Investimento no mercado do Rio de Janeiro: especialistas comentam barreiras como falta de cultura financeira da população e liquidez (Crédito: Divulgação )

Por Regina Pitoscia

A entrada em cena de mais uma bolsa de valores no País tem potencial para ampliar os negócios com ações, atrair o capital estrangeiro, aumentar o volume de recursos nos pregões, gerar competição com a B3 e beneficiar os investidores. Sobre esses aspectos não parece haver dúvidas entre os especialistas. Há, no entanto, algumas incertezas e preocupações sobre o destino desse novo agente financeiro. Se tudo correr bem nos trâmites de autorização e regulamentação pela Comissão da Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central, no último trimestre de 2025, uma nova bolsa deve começar a operar no Rio de Janeiro, oferecendo inicialmente transações de compra e venda de ações no mercado à vista, de cotas de fundos, além de aluguel de ações. Ainda sem nome revelado, mas já em registro, o que se sabe até agora é que ela não terá Rio de Janeiro em seu sobrenome. A ideia talvez seja a de dar uma conotação de abrangência nacional ao novo player.

Em princípio, todos os papéis já negociados na B3 poderão ser ofertados pela bolsa carioca. “Numa primeira fase vamos competir com os mesmos ativos, o que a gente pretende é receber um voto de confiança das empresas de capital aberto para que elas aceitem ser negociadas também na nossa bolsa”, diz Cláudio Pracownik, o presidente da nova bolsa.

Na prática, a pretensão é ser mais uma opção no mercado com diferenciais de tecnologia que podem conceder agilidade e preços competitivos às operações. Ao mesmo tempo, Pracownik considera e tem a noção do que vai ser essa concorrência: “Do outro lado tem a B3, com a sua competência, seu tamanho e sua tradição. A gente está como Davi e Golias. Está lá com o estilingue, mas o que a gente quer é trabalhar, ter uma fatia de mercado e trabalhar junto com a B3”.

Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, em Nova York, negociando filial da Nasdaq no Rio. Abaixo, prefeito da capital, Eduardo Paes, anuncia nova bolsa do Rio nas redes sociais (Crédito:Divulgação )

Por sua vez, a B3 é resultado de uma fusão de gigantes: da antiga Bolsa de Valores de São Paulo com a Bolsa de Mercadorias e Futuros, em 2008, e depois com a incorporação da Cetip, responsável pelo registro, negociação e liquidação de ativos, em 2017.

Portanto, há cerca de 16 anos a bolsa paulista detém o monopólio do mercado de ações do País.

Por várias vezes, intenções e tentativas de criação de outras bolsas vieram a público, sem nenhuma delas se concretizar.

Com mais de 100 anos de história, sendo a quinta maior do mundo, a B3 não está se pronunciando diante do lançamento da nova concorrente.

Apenas por meio de nota, a empresa esclarece: “A concorrência é uma realidade com a qual a B3 lida diariamente em diversos segmentos de atuação. No segmento de balcão, por exemplo, a B3 tem concorrentes no registro de ativos financeiros e na negociação de títulos públicos e privados, entre outros. No mercado de renda variável, é preciso considerar a concorrência com bolsas internacionais, já que as empresas brasileiras podem escolher listar suas ações no exterior”.

(Divulgação)

Em outro trecho do comunicado, a B3 diz que é estimulada por seus clientes a trazer mais produtos e inovações que facilitam o dia a dia do mercado e ressalta os investimentos em tecnologia e modernização de plataformas para oferecer uma infraestrutura segura para o desenvolvimento do mercado.

Embora haja um reconhecimento da relevância e qualidade dos serviços da bolsa paulista no cenário brasileiro, há também críticas. Uma delas é de ter se acomodado nessa posição de liderança e exclusividade no segmento de ações. “A B3 não dá conta de diversificar e criar bolsas segmentadas e especializadas. Ela é travada, não quer abrir. É monopólio, e como monopólio obriga todos a fazer o que ela quer”, afirma Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral. “Faria sentido termos uma bolsa de commodities, por exemplo, no País”, complementa.

O empenho do pessoal da B3 em oferecer serviços de qualidade é reconhecido por Rodrigo Cohen, analista de investimentos e cofundador da Escola de Investimentos. Mas, pondera que a instituição não tem um dono, um pai, e isso atrapalha. “Eles poderiam ser melhores, oferecer outros ativos. Trazer uma concorrência é muito bom, quem ganha no final é o consumidor”, avalia.

A quebra de monopólio e a geração de novas oportunidades de negócios com a entrada do player carioca são comemoradas também pelo professor da FIA Business School Arnóbio Durães, porque deve reduzir os custos e devolver o poder de barganha ao mercado, o que é favorável ao País. “A nova bolsa vem sendo idealizada, pelo menos, há dez anos. Agora, com o suporte financeiro do Fundo Soberano dos Emirados Árabes Unidos de Abu Dhabi, o Mubadala, e a participação da ATG [empresa de soluções em tecnologia], isso foi possível. Abre-se um novo capítulo para o mercado financeiro do Brasil.”

A aposta do Mubadala em investimentos no País é alta e não é de hoje. Trata-se de um dos principais fundos soberanos do mundo, com algo perto de R$ 1,4 trilhão sob sua gestão em 50 países do mundo. Portanto, para eles, dinheiro para estruturar uma bolsa de valores parece ser o menor dos problemas. No Brasil, os investimentos já somam algo perto de US$ 5 bilhões (cerca de R$ 27 bilhões) desde 2012 e estão alocados em setores como energia e combustível renovável.

Investidor Naji Nahas foi apontado como responsável por quebrar a Bolsa do Rio de Janeiro em junho de 1989, que levou a Boverj (abaixo) a encerrar suas atividades (Crédito:Zanone Fraissat )
(Marcos Issa / Agência O Globo)

Essa ligação com o mundo árabe pode resultar em uma sinergia com grande potencial de crescimento do mercado acionário aqui, na opinião de Paulo Vicente, professor da FDC. Não apenas por atrair pares e empresas da região, mas por abrir janelas para o dinheiro que circula 24 horas pelo mercado. “Abu Dhabi quer ter mais um espaço para operar, porque quando o mercado está fechando lá, está abrindo aqui. O dinheiro segue o sol e gira no mundo. Começa nas bolsas de Nova York, vai para o Japão e China, segue para Índia e Abu Dhabi, depois para bolsas da Europa, Londres, Paris e Frankfurt e retorna para Nova York”, explica o professor.

Os especialistas prevêem um crescimento do mercado, em que cerca de 450 empresas estão listadas e negociam seus papéis na B3. Um número relativamente pequeno diante do mercado americano, que conta com mais de 12 mil companhias operando. Em relação ao total de investidores, Cohen relata que o crescimento foi expressivo nos últimos 15 anos. “Em 2009 éramos 600 mil CPFs na bolsa e hoje somos entre 3 e 4 milhões de CPFs, sem duplicidade. Mas demorou muito para acontecer isso. A melhoria de tecnologia e o crescimento da economia permitiram o crescimento da bolsa, que se mostrou um bom investimento.”

Há um longo caminho a percorrer para conquistar e trazer mais brasileiros para a bolsa, segundo Miguel Rodrigues, especialista em mercado de capitais e sócio da Matriz Capital. Ele se refere, indignado, aos dados do último estudo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que comprova uma realidade persistente de décadas: a concentração de investimentos na poupança, que detém 26% do total, sendo apenas 2% das aplicações direcionadas a ações, em 2023.

Mas o pior nesse contexto nem são esses dados, e sim o fato de 14% dos entrevistados considerarem apostas em jogos em aplicativos como uma renda extra no fim do mês (44%), e considerarem esse gasto até mesmo como uma aplicação (22%). “Fica a questão: como vamos colocar outra bolsa para funcionar sendo que a população não está preparada para esse mercado? E a que ponto esse volume distribuído entre duas bolsas pode impactar na liquidez desses dois ativos?”, questiona Rodrigues.

A questão da liquidez é preocupação de Durães, professor da FIA que considera esse o principal desafio para o player carioca. Ao mesmo tempo em que vai precisar contar com o ingresso de novas empresas, o mercado acionário precisa ser seletivo nessa escolha. Preocupação que justifica a burocracia atual na B3 nesse sentido, segundo Paulo Vicente, que ainda assim acaba impactada por casos de fraudes como o da Americanas.

A B3 (acima) é a maior bolsa de valores da América Latina, e deve encarar, pela primeira vez, uma concorrente local. A NYSE (abaixo) é a bolsa com maior volume negociado no mundo (Crédito:Divulgação )
(Angela Weiss/AFP;Divulgação)

• Todos recordam a história da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, que era o principal polo de investimentos do País, mas quebrou após operações sem lastro do empresário Naji Nahas, em 1989.

• Depois disso, perdeu o protagonismo para a Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, e nunca mais se recuperou, fechando suas atividades definitivamente em 2022, ao ser incorporada pela BM&F. Nahas foi acusado de comprar e vender para si mesmo, gerando a falsa ideia de volume e ganhos extraordinários de sua empresa. Muitas corretoras entraram nessa roda viva e sofreram calote.

Embora nessa primeira fase a bolsa carioca não venha oferecer negociação com novos ativos ou novas operações, um dos caminhos apontados pelos especialistas para aumentar o volume de recursos seria futuramente promover uma segmentação, desburocratizando e abrindo caminho para as pequenas empresas.

Durães afirma que o mercado para as companhias que pretendem abrir ou já têm capital aberto tornou-se muito elitizado, por ter de seguir padrões internacionais. São barreiras de acesso, principalmente para as pequenas empresas.

Daqui até o início da operação da nova bolsa, muita água vai rolar por debaixo da ponte. O mercado estará sob a regência do novo presidente do Banco Central que, se agir politicamente, adotando medidas frágeis para controle da inflação, pode prejudicar o mercado financeiro. O País estará se preparando também para as eleições presidenciais, acompanhando o andar dos juros nos EUA e a evolução da economia nacional.

ENTREVISTA
Claudio Pracownik, presidente da bolsa carioca

“Somos o Davi contra o Golias, mas estamos com o estilingue na mão”

Por que lançar uma bolsa no Rio?
No G20 só dois países possuem uma bolsa só, o Brasil e a Espanha, nos demais, a regra é ter mais de uma bolsa. Nos Estados Unidos, há 16 bolsas.

Mas há espaço para uma segunda bolsa no País?
O brasileiro está tão acostumado com uma bolsa só, que ele não consegue nem entender porque tem esse espaço para a concorrência. A B3 não é o mercado, a B3 é a operadora do mercado, e o mercado é onde eu também vou operar. Essa questão se tem mercado para duas bolsas é como perguntar se tem mercado para mais uma sorveteria. Se for boa, ela vai aumentar o mercado, porque haverá mais opções de sorvetes, menos filas, mais eficiência, novos sabores, mais pessoas vão tomar sorvete e o preço vai cair, porque vai ter mais competição. Tem espaço para várias bolsas. Se vai prosperar ou não, vai depender da sua própria competência.

Quais os principais impactos da entrada de um novo agente no mercado?
Vai ampliar o mercado. A tendência é aumentar o volume de negócios, porque haverá redução do risco. Conversamos com alguns dos grandes bancos no mundo, que entendem que ao operar em um país que só tem uma bolsa o risco é maior, então a destinação de recursos para esse país é menor, porque isso reflete a imaturidade do mercado, com menos liquidez. E há o risco de operação, na hipótese de ocorrer algum problema técnico, quem estiver operando não sabe se sua ordem de compra foi executada, por exemplo, o que o obriga a se proteger e fazer uma operação de hedge. E com mais volume, os spreads tendem a ser menores, e os preços mais justos. A concorrência traz redução de preço para qualquer coisa no mundo.

E os diferenciais em relação à B3?
Respeito muito a B3, instituição gigante, pessoas competentes, governança, grandes profissionais, mas nós temos de apresentar as nossas armas por ser um novo entrante. A gente vai buscar ser mais rápido e com uma tecnologia mais moderna e proprietária. Com isso, temos condições de nos ajustar de acordo com as necessidades do mercado. Os clientes nos dizem que esperam uma nova bolsa, que atenda a outras demandas que, em nosso entendimento, a B3 não supre. Nossa empresa será mais enxuta, e poderemos ter preços mais justos, com uma margem muito boa, mas com muito menos custo, com um preço melhor. No mais, é trabalhar para ter mais qualidade, uma entrega mais rápida, mais eficiente para os clientes.

(Suamy Beydoun/AGIF)

Como serão as operações?
Numa primeira fase vamos estar competindo com os mesmos ativos negociados na B3, vou negociar o que já é negociado. Vamos atuar no mercado à vista, negociar cotas de fundos e com o aluguel de ações. Mas temos já desenhado como serão feitas as listagens de empresas, assim como as operações de derivativo. É uma questão de estratégia.

O que você considera como maior desafio para a nova bolsa?
O principal para início de uma bolsa de valores é fluxo, é volume. Eu tenho que receber ofertas de compra e de venda, principalmente dos maiores fornecedores de volume, os market makers internacionais. Em vez de mandar tudo para a B3, quero que mandem um pouco para mim. Estamos conversando e sendo muito bem recebidos por eles, porque entendem as vantagens sobe aumento de volume, redução de spread. Eles querem apoiar esse tipo de iniciativa e até poderão ter participação acionária na empresa. Esperamos poder revelar e ter uma base aliada até o fim deste ano, mas que não vai operar só com a gente, vai operar com a B3 também. Seria possível crescer sem isso, mas gostaria de acelerar esse crescimento, tanto lá fora quanto aqui no Brasil.

Como espera ser a receptividade das empresas de capital aberto?
O que pretendemos é receber um voto de confiança das empresas de capital aberto para que elas aceitem ser negociadas na nossa bolsa também. E por que fariam isso? Primeiro porque vamos mostrar que podemos entregar um produto bom, segundo porque para as empresas, a liquidez é componente importante para precificação do seu ativo e nós vamos trazer mais volume, mais liquidez, e terceiro porque a empresa criaria mais um opção de acesso aos seus ativos talvez com preço mais competitivo.