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“Não pedimos menos impostos, apenas regras claras e sem aumentos”, diz Márcio Maciel, do Sindicerv

Fabricantes de cerveja se adiantam nos debates da Reforma Tributária para evitar que o ‘imposto do pecado’ penalize o setor

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Márcio Maciel, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) (Crédito: Divulgação )

Por Allan Ravagnani

As cervejarias brasileiras andam bastante atentas aos debates em torno da regulamentação da Reforma Tributária, participando, inclusive, das discussões no grupo de trabalho responsável pelo modelo de cobrança do imposto seletivo na Câmara dos Deputados. A participação ativa do setor nesses grupos visa evitar um aumento na carga tributária sobre o produto, que já é de 56%, sendo o maior da América Latina, e que pode crescer ainda mais se algumas propostas forem adiante.

No País, a indústria cervejeira gera 2,5 milhões de empregos diretos e indiretos. São R$ 27 bilhões pagos em salários e mais de R$ 50 bilhões em impostos por ano. Em 2023, foram produzidos mais de 15,4 bilhões de litros em quase 2 mil cervejarias em todo o território nacional. Márcio Maciel, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), falou à DINHEIRO que o setor já trabalha com as margens muito pressionadas e que, diante da concorrência, grandes cervejarias trabalham no limite para não repassar os aumentos de custo ao consumidor.

As outras preocupações do segmento com a reforma pairam sobre o risco de uma bitributação durante o período de transição de regimes (entre 2027 e 2032) e também com a aprovação de uma proposta que trate com isonomia as bebidas alcóolicas importadas com as nacionais, que fariam o Brasil nivelar a taxação entre bebidas com maior e menor teor alcóolico. Atualmente, a incidência de impostos varia de acordo com o teor da bebida. Quanto mais álcool, mais imposto.

DINHEIRO — Quais são os pontos de maior preocupação do setor nas discussões da Reforma Tributária?
MÁRCIO MACIEL — Primeiro é importante ressaltar que nós defendemos a Reforma Tributária e a simplificação dos impostos. Para se ter uma ideia, nosso setor está presente em todos os municípios e nos 27 estados do País. Isso significa que eu tenho que lidar com 27 ICMS diferentes, nós vivemos isso no dia a dia, então qualquer mudança que traga racionalidade para o sistema, menos custo de compliance tributário, que é altamente ineficiente, nós apoiaremos. Temos uma associada, uma grande cervejaria, que em seu departamento de tributos tem três vezes mais gente empregada do que no departamento de inovação e marketing. Era para ser ao contrário. Mas respondendo a sua pergunta, o que a gente defende é uma simplificação e uma garantia de que não aumentem os impostos. Não estamos pedindo para diminuir, para colocar cerveja como item da cesta básica. Apenas que haja um desenho que permita e garanta que não haverá aumento de carga tributária.

“Tem cervejaria que possui três vezes mais funcionários trabalhando com tributos do que nas áreas de inovação e marketing. Era para ser o contrário”

E quais são as mudanças que o setor defende?
São três as mudanças defendidas pelo setor cervejeiro: a primeira delas é a incidência do imposto seletivo conforme o conteúdo alcoólico da bebida, de maneira progressiva, permitindo a diferenciação entre bebidas de acordo com a nocividade de cada uma, em consonância com as melhores práticas internacionais. Ou seja, bebida com maior teor alcoólico paga maior imposto seletivo, que é um imposto feito para inibir o consumo de produtos que fazem mal à saúde. A segunda é a necessidade de um mecanismo para que não haja dupla cobrança durante o período de transição para o novo regime tributário. O IVA vai substituir o ICMS, mas ao longo de cinco anos (entre 2027 e 2032) o IVA e o ICMS vão coexistir, então o nosso medo é que haja uma cobrança dos dois (ICMS e IVA), a bitributação. E, por fim, a necessidade de um tratamento especial para pequenos produtores, que precisam estar fora do imposto seletivo para garantir o crescimento contínuo e sustentável de seus negócios.

Mas o atual imposto seletivo, o IPI, já faz essa diferenciação de cobrança por teor alcóolico, não faz?
Sim, atualmente é assim. Essa é a lógica no Brasil, o IPI faz isso, tributa cerveja em 3,9%, vinho em 8%, vodca em 17%, e por aí vai. O IPI tributa o produto, mas o imposto do pecado vai tributar o álcool. Ele é um imposto regulatório para mudar comportamentos. Eles querem tributar para desencorajar, então é para tributar mais quem faz mais mal para a saúde. Isso tem seu lado ruim para o consumidor, que vai ter o produto mais caro. No entanto, estimula a inovação. Na cerveja, por exemplo, criaram a cerveja zero. Se eu pago mais para fazer produto com mais álcool, vou querer inovar cada vez mais para ter produtos com menos álcool.

E quem está contra essa medida de taxação progressiva?
Os importadores de destilados estão contra a gente nesse pedido. Eles falam que “álcool é álcool” e pedem isonomia na cobrança. Mas a gente acredita que não pode haver isso, pois são produtos diferentes, não dá pra ter isonomia. O setor cervejeiro paga impostos, gera 2,5 milhões de empregos, enquanto entre os destilados não existe uma produção massiva no Brasil, e mesmo assim eles querem pagar uma alíquota igual de quem produz e faz produtos de menor teor alcoólico. Isso não funciona em nenhum lugar do mundo, indo inclusive contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Quais são as melhores práticas internacionais?
São justamente as que Brasil adota hoje. De taxar mais os produtos mais nocivos à saúde. Esse é o modelo padrão internacional, recomendado por todos os órgãos de saúde. Criar um modelo inusitado, cobrando impostos iguais para bebidas diferentes, terá impactos pesados na saúde pública. A saúde deve vir sempre em primeiro lugar. Para você ver, o México, que é o país da Tequila, adota esse modelo, os Estados Unidos, do Bourbon, também, assim como Reino Unido, Rússia, inclusive. A Rússia é um caso de sucesso, quando eles adotaram esse modelo progressivo, no final dos anos 90, houve uma redução de mortes causadas por intoxicação com álcool de 100 mil para 30 mil ao ano.

Quais são os maiores riscos caso haja uma elevação nos impostos da cerveja?
A gente não tem esse número exato, estamos testando várias alíquotas. Os estudos de impacto ainda estão em andamento, mas não vamos falar de fechamento de fábricas ou de demissões por enquanto. Vamos falar de investimentos. Aumentar a carga tributária vai afastar investimentos no setor. A Heineken está construindo sua fábrica mais tecnológica do mundo em Passos (MG), é o maior investimento do mundo da Heineken. É disso que falamos, as empresas precisam se planejar, e um cenário de incertezas afasta novos investimentos, ou pelo menos os adia. Além disso, estamos no limite dos impostos, o setor já está muito próximo à “curva de Laffer” de tributação, que mede a relação entre a alíquota cobrada e a capacidade de arrecadação do tributo. Ou seja, o modelo demonstra haver um limite para aumentar o imposto gerando crescimento da arrecadação. Vários estados elevaram o ICMS recentemente, então com certeza deverá haver revisão de investimentos por parte das grandes empresas.

As grandes cervejarias já não repassam o aumento dos custos ao consumidor?
Repassar o aumento para o consumidor ou não faz parte da estratégia comercial de cada empresa, mas o que eu posso dizer é que as cervejarias brasileiras fazem tudo o que for possível para não aumentar o preço, pois são mais de 60 mil marcas de cervejas no País. É um mercado muito competitivo, no qual o consumidor é muito sensível ao preço. As companhias fazem malabarismo para tentar comprimir as margens e evitar repassar o custo ao consumidor. Para se ter uma ideia, durante a pandemia de Covid-19, 70% dos aumentos de custos das cervejas foram absorvidos pelas empresas, não foram repassados. Foi absorvido com muito custo, e o limite para esse tipo de ação está cada vez mais estreito.

Mas a venda aumentou na pandemia…
Sim, o volume de produção e as vendas aumentaram. De fato, teve uma transferência do consumo nos bares para o consumo em casa, com as compras feitas em supermercados, além das vendas diretas e deliveries que bombaram. Mas o brasileiro adora um bar, é um lugar que o consumidor gosta muito, e está havendo uma tendência crescente de retomada do consumo nos bares.

“São mais de 60 mil marcas de cervejas no País. É um mercado muito competitivo, no qual o consumidor é muito sensível ao preço”

E as pequenas cervejarias?
Pergunta importante. Sobre as pequenas, o Sindicerv tem muitas pequenas associadas, mas a associação principal desse segmento é a Abracerva, que trabalha conosco em muitos casos, e eles dizem que se houver qualquer aumento de impostos, as pequenas cervejarias correm o risco de fechar as portas. Então elas podem estar em risco sim, mas a gente só vai saber disso exatamente quando o desenho do Projeto de Lei Complementar que vai taxar o setor estiver pronto, talvez no segundo semestre ou no início de 2025. Para se ter uma ideia, 77% dos entrevistados de pesquisa recente do Guia da Cerveja apontaram que a carga tributária elevada é o principal desafio enfrentado pelos produtores. Então a gente defende que haja uma isenção do imposto seletivo para essas pequenas produtoras, ou ao menos que elas tenham um tratamento diferenciado, faixas de cobrança diferenciadas. Por exemplo, quanto menor for a produção, maior o desconto do imposto seletivo. Aí o imposto teria várias faixas de desconto de acordo com a produção, e quando chegar a cinco milhões de litros por ano, já pode cobrar 100% da alíquota. E isso não é uma invenção minha ou das associações. É uma diretriz da União Europeia. Eles praticam esse modelo no qual quem é pequeno tem um tratamento diferenciado, é assim na Bélgica, na Alemanha, grandes países cervejeiros.

O que mudou na indústria cervejeira brasileira nas últimas décadas?
O Brasil avançou muito quando se fala de cerveja. Saímos do papel de meros apreciadores para nos tornarmos maiores do que a Europa em número de marcas registradas: mais de 60 mil. Passamos de degustadores de bebidas importadas para exportadores internacionalmente reconhecidos pela qualidade. Produzimos cada vez mais, melhor e com maior diversidade de sabores, texturas e até de teores alcóolicos, mostrando que a inovação está no nosso DNA. A cerveja em si não nasceu no Brasil, mas a cada ano o Brasil transforma e inova na forma de fazer cerveja. Que ao final da Reforma Tributária possamos celebrar decisões sintonizadas com o que há de melhor em experiências internacionais, sem jabuticabas que podem provocar consequências desastrosas para toda a cadeia produtiva.