Você não tem tempo? Atenção…

Crédito: Divulgação

Jorge Sant’Anna: "Quando estamos em uma reunião e ao mesmo tempo no WhatsApp, na verdade estamos alternando atividades em nosso cérebro, já que existe apenas um canal mental e neural através do qual a linguagem acontece" (Crédito: Divulgação)

Por Jorge Sant’Anna

Em 1995 o sociólogo italiano Domenico de Masi, lançou o livro O ócio criativo, nos presenteando com uma visão completamente nova sobre a forma como a sociedade contemporânea enxerga a relação entre a produtividade e o trabalho.

Já naquela época, o sociólogo nos alertava para a necessidade de dedicarmos nosso tempo, não apenas à massiva rotina do nosso trabalho do dia a dia, mas também criando espaço para atividades culturais, sociais, de entretenimento e principalmente autodesenvolvimento. Em sua visão, estes são combustíveis fundamentais para a criatividade e inovação. Hoje este conceito está mais do que comprovado, muito embora vários de nós [e muitas de nossas empresas], ainda estejam aprisionados no conceito antigo do trabalho exaustivo, premiando aqueles que ficam no escritório por longas horas e não aqueles que realmente são eficientes no que fazem. Tal conceito está enraizado em nossa formação religiosa, sobretudo católica, onde o lema principal é trabalhar, trabalhar e trabalhar, não se importando com o resultado ou a qualidade do que é produzido.

Se em 1995 já havia tal alerta para necessidade de paramos para criarmos espaço para reflexão e criatividade – e isso era um desafio quase impraticável na vida da maioria dos executivos –, o que dizer de nossos dias.

Somos bombardeados por todo tipo de distração, distrações estas que consideramos inevitáveis. Sofremos um constante sequestro de nossa atenção, protagonizado pelos mais diversos ofensores, tais como, e-mails, rede sociais, WhatsApp, Teams, Zoom entre outros. E o que é pior, nos sentimos cativos por estes instrumentos, não responder uma mensagem no preciso momento em que ela chegou, tornou-se um desafio quase instransponível.

Entramos nas reuniões, em almoços, jantares, e em praticamente todos nossos compromissos, empunhando nossos celulares, que nos permitem estar em qualquer lugar, menos ali, onde deveríamos estar presentes, atentos e, porque não dizer, respeitando nossos interlocutores. Fazemos isto tendo com presunção que somos multitarefas, que podemos lidar com várias distrações ao mesmo tempo e no mesmo nível de profundidade. Um grande engano.

Um estudo coescrito por David Meyer, cientista cognitivo da Universidade de Michigan, sobre as limitações da multitarefa (Executive Control of Cognitive Processes in Task Switching) se tornou viral em 2001, abordando pela primeira vez osefeitos relacionadosà queda de produtividade e desempenho, quando executamos atividades simultâneas. Ao contrário do que pensamos, não conseguimos realizar duas tarefas cognitivamente complicadas ao mesmo tempo. Quando estamos em uma reunião e ao mesmo tempo no WhatsApp, na verdade estamos alternando atividades em nosso cérebro, já que existe apenas um canal mental e neural através do qual a linguagem acontece. “Se você tem uma tarefa complicada, ela requer toda a sua atenção, e se você está tentando distribuir sua atenção por várias tarefas, não vai funcionar”, diz ele.

A distração multitarefa, nos empurra para nosso modo mental “automático” diminuindo significativamente a nossa experiência do momento presente. Estar presente é o que nos permite entrar num estado de fluxo e ter um melhor desempenho. Não conseguimos desenvolver relações empáticas, profundas e produtivas se estamos alternando nossa atenção entre nosso interlocutor e tantas outras fontes de distração.

A arte da liderança depende fundamentalmente da nossa capacidade de captar e direcionar eficazmente a atenção de um grupo. Em seu livro Focus, o escritor e jornalista científico Daniel Goleman enfatiza que nossa capacidade de direcionar o foco de uma organização, para uma determinada direção, no momento correto, depende do nível de autoconsciência do líder. Descobrir nossas fortalezas e fraquezas requer atenção intensa e a contínuade autoconhecimento, além da empatia emocional com nossos liderados.

Enfim, não desenvolvemos empatia sem atenção legitima, humilde e humana. Sem empatia não lideramos de verdade. De acordo com as conclusões de David Meyer, tentar concluir duas ou mais tarefas simultaneamente, pode consumir 50% mais tempo, dependendo da complexidade. “Se você quer ser um líder e empreendedor criativo, deveria reservar muito mais tempo para pensar”, diz ele. Einstein não estava no modo multitarefa enquanto idealizava as teorias da relatividade restrita.

Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos