A moda de luxo e o desafio da Burberry: sustentabilidade financeira
Caso da sustentabilidade financeira da Burberry coloca luz ao fato de que é preciso ir além dos bons desfiles e da tradição para ganhar dinheiro no luxo
Por Paula Cristina
Como marcas de sucesso no luxo ganham o olhar atento de consumidores ávidos por exclusividade? Alguns caminhos são conhecidos. Um estilista genial com feeling certeiro para alta costura. O capital privado que eleva uma marca a ponto de torná-la um fetiche. Uma família talentosa que sustenta, por anos, um sonho até galgar o topo. São muitas as formas de chegar lá, mas, invariavelmente, só um jeito de se manter: sustentabilidade financeira. A mesma lógica usada pela costureira de bairro precisa ser aplicada, guardadas devidas proporções, à alta costura. A coluna da receita tem de superar a das despesas. Tentando reencontrar esse equilíbrio, a marca de luxo Burberry vive dias desafiadores.
• Queda de 22% nas vendas, suspensão da distribuição de dividendos e troca de CEO.
• O executivo Jonathan Akeroyd, que anunciou os resultados do primeiro semestre, renunciou ao cargo logo em seguida e chamou de “decepcionante” os resultados obtidos no segundo trimestre.
“O nosso desempenho trimestral é decepcionante. Avançamos rapidamente com nossa transição criativa em um mercado de luxo que está se revelando mais desafiador do que o esperado”, disse.
Tanto do ponto de vista do negócio, quanto do ponto de vista da moda, quem avaliava a empresa já notava alguns sinais de enfraquecimento.
Michael Schober, professor de negócios da moda na Parsons — The New School for Design escreveu em um artigo de fevereiro deste ano sobre tal descompasso. “As tradicionais marcas de luxo, em especial as europeias, como a Burberry, resguardam para os desfiles os sopros da inovação e do choque, mas recheiam suas lojas com produtos tradicionais, considerados até bregas”, disse.
Na análise do professor, a identidade do jovem que consome artigos de luxo envolve soluções que refletem os traços dos novos tempos, ainda mais em um universo cada vez mais concorrido. “Hoje há luxo em todos os âmbitos do consumo. Não é possível dizer que o cliente gasta menos com luxo, como afirmam as marcas que perderam venda, mas é correto entender que ele gasta em mais lugares, o que é um desafio e tanto”, afirmou.
CAMINHO
Hoje, a Burberry é uma das maiores e mais conhecidas marcas da Grã-Bretanha, e a necessidade de revisão do negócio já vinha sendo cobrada pelos investidores desde 2018, quando Christopher Bailey, diretor criativo, deixou a marca. O estilista é reconhecido entre os 20 maiores do século XXI, o que ajudava a sustentar o fetiche do consumidor por suas assinaturas.
O mesmo sucesso não aconteceu com Ricardo Tisci, que ocupou seu lugar, mas parecia ter menos sinergia com o propósito já consolidado pela Burberry. E o resultado foi o enfraquecimento das vendas. Já sob a gestão de Akeroyd, a empresa tentou se reposicionar e, para isso, trouxe para a direção criativa Daniel Lee, em 2023.
O anúncio foi cercado de comoção devido ao seu sucesso na Bottega Veneta — assim como sua saída cheia de especulações nunca esclarecida. Neste momento, a decisão era apostar em coleções luxuosas e com ar retrô ou, como definiu Lee, “uma viagem à essência da moda”. A estratégia não deu os resultados financeiros esperados.
Quem entra na Burberry com o desafio de resolver a questão é Joshua Schulman, ex-CEO das grifes Michael Kors e Coach. Inicialmente o plano é voltar a se conectar com a faixa de clientes abastados, mas trazer opções também para os menos endinheirados que são antenados no mundo fashion. Essa, inclusive, foi a solução adotada por Schulman quando ele assumiu a Coach e reposicionou a marca, tentando ganhar novos mercados.
Mais um caminho possível para o sucesso das empresas que, além do auge nas passarelas, precisam pensar em quão na moda está seu balanço financeiro.