Finanças

A hora das Letras Financeiras

Modalidade com vencimento acima de dois anos e que oferece retorno mais atraente chegou a R$ 500 bilhões negociados na B3 no ano passado e deve seguir em expansão, à frente de outros títulos

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Alta das Letras Financeiras está em sintonia com a demanda por crédito entre as empresas (Crédito: Freepik )

Por Hugo Cilo

Em tempos de instabilidade no mercado financeiro, Selic resiliente em dois dígitos e bancos mais rigorosos para liberação de empréstimos, uma alternativa de capital tem crescido exponencialmente entre as empresas no País: as Letras Financeiras (LFs). Somente no ano passado, quase R$ 500 bilhões foram negociados nessa modalidade na B3, alta de 9% sobre 2022.

Trata-se de um título de longo prazo — acima de dois anos — oferecido pelas empresas a seus clientes, sejam eles pessoas físicas, jurídicas ou institucionais.
Esse investidor “empresta” o dinheiro para o banco, comprando uma LF, com a promessa de recebê-lo de volta, num prazo determinado, com pagamento de juros, que em geral são atrelados à variação do CDI.
Assim, o investidor compra a Letra Financeira, escolhendo entre diferentes prazos e taxas de juros, o banco utiliza o dinheiro para financiar suas operações e, por fim, o investidor recebe de volta o valor investido, com juros, no vencimento.
O mecanismo é semelhante ao de outras emissões bancárias, como Certificado de Depósito Bancário (CDB), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letras do Crédito Imobiliário (LCI), que, da mesma forma, são como empréstimos para as instituições financeiras, em troca de uma remuneração fixa – geralmente com retornos mais atraentes em comparação a outros produtos de renda fixa, como os CDBs, por exemplo.

As Letras Financeiras ganharam mais notoriedade nas últimas semanas, depois que executivos da Caixa Asset foram afastados por se posicionarem contra a compra de R$ 500 milhões em LFs do Banco Master, que seria paga em dez anos e faria da subsidiária do banco público a maior credora da instituição.

A alegação dos técnicos era que a operação era “arriscada” e “atípica” para os padrões do banco não só em razão do valor, como por causa do rating do banco.

Em parecer, também apontaram risco de solvência do banco. O caso foi revelado pela jornalista Malu Gaspar no jornal O Globo.

• O CEO do Master, em seguida, defendeu a transação, que classificou de trivial, e afirmou que R$ 2,5 bilhões de letras financeiras do Banco Master já teriam sido emitidas e compradas pelos investidores até julho deste ano. O caso segue sem desfecho.

Na quarta-feira (18), o TCU pediu explicações à Caixa Asset e deu dez dias para que a estatal envie ao órgão de controle um dossiê completo sobre esse investimento.

Polêmicas à parte, diversas empresas e instituições financeiras já fizeram vultuosas emissões de LFs neste ano, que devem bater novo recorde de volume negociado em 2024, assim como já havia acontecido no ano passado.

É um dos títulos mais utilizados pelas companhias atualmente para captar recursos, com maior volume financeiro transacionado do que LCIs e LCAs , ainda que, diferentemente destes títulos, no caso das LFs o investidor não esteja protegido pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) — uma das razões de oferecerem maior rentabilidade.

Banco digital do grupo UOL, o PagBank concluiu em abril a sua primeira emissão pública de LFs, no volume de R$ 633 milhões (Crédito:Divulgação )

O Nubank, por exemplo, fez sua primeira oferta pública de LFs, num volume total de R$ 1 bilhão. De acordo com o banco digital, a operação teve uma demanda três vezes maior do que a oferta. A captação ocorreu em duas séries: uma de R$ 550 milhões, com prazo de dois anos e taxa de CDI + 0,70% ao ano, e a outra de R$ 450 milhões para três anos, pagando CDI + 0,75% ao ano. A oferta recebeu rating ‘AAA.br’ pela agência de classificação de risco Moody’s.

Segundo Guilherme Lago, CFO do Nubank, a emissão comprovou a capacidade da instituição em expandir e diversificar as fontes de capital. “Essa conquista é uma prova da confiança que temos construído com os investidores institucionais”, afirmou o executivo. Com 100 milhões de clientes no Brasil, México e Colômbia, o Nubank teve lucro de US$ 379 milhões no primeiro trimestre de 2024 e é avaliado em mais de US$ 60 bilhões.

Assim como o Nubank, o Itaú emitiu R$ 1 bilhão em letras financeiras subordinadas, sendo R$ 530 milhões com vencimento em fevereiro de 2034 e R$ 470 milhões com vencimento em fevereiro de 2039.

Em comunicado enviado ao mercado, o banco informou que os recursos da emissão do Itaú serão utilizados para otimizar a estrutura de capital da frente ao crescimento de seus ativos, além de garantir o reembolso de custos e despesas diretamente relacionados à aquisição de empreendimento imobiliário, no caso o célebre prédio na Faria Lima, onde fica a sede do Itaú BBA — prédio mais caro do Brasil.

De acordo com o banco, as Letras Financeiras subordinadas possuem opção para serem recompradas a partir de 2029 e 2034. Além disso, o instrumento financeiro contribuirá para o capital nível 2 do patrimônio de referência da companhia, com impacto estimado de 0,08 ponto porcentual no seu índice de capitalização nível 2.

Outra grande operação partiu do PagBank, banco digital do grupo UOL. A fintech concluiu em abril a sua primeira emissão pública de LFs, no volume de R$ 633 milhões. Os recursos captados serão utilizados para financiar o crescimento das operações de adquirência e de crédito. Com vencimento e amortização da parcela única (bullet) em maio de 2026, a emissão teve o UBS como líder da operação.

O Bradesco BBI foi coordenador. Segundo o PagBank, a demanda foi de R$ 1,6 bilhão, equivalente a 3,2 vezes a oferta, com remuneração final de CDI +0,8% ao ano, representando uma redução de – 40 basis points em relação à taxa teto da oferta inicial.

Segundo Artur Schunck, CFO do PagBank, a primeira emissão pública de Letras Financeiras “é um marco relevante” na estratégia de captação do negócio, diversificando as fontes de financiamento, otimizando os custos associados e ampliando o relacionamento com as gestoras de recursos. “Inicialmente, tínhamos como objetivo captar R$ 500 milhões, a CDI +1,20% ao ano. Com a alta demanda, finalizamos a captação em R$ 633 milhões e um custo menor”, afirmou o executivo. A emissão de LFs obteve rating brAAA atribuído pela S&P Global.

DEMANDA

A alta das Letras Financeiras está em sintonia com a demanda por crédito entre as empresas.

Pelos números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), de quarta-feira (17), o total de concessões (novos empréstimos) cresceu 4,1% nos últimos 12 meses, até maio (em comparação com igual período do ano passado, em termos reais).

No caso de empresas (pessoas jurídicas) a alta foi de 1,9%.

O dinheiro é usado em capital de giro, melhora no perfil das dívidas e expansão do negócio, entre outras razões. Uma prova de otimismo com a economia, ainda que em meio a um cenário cauteloso.