ESG

O lento andar da “Lei Rouanet dos Catadores”

Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil

Ao lado de ministros, Lula dá andamento ao projeto de lei desidratado por Bolsonaro e cobra de sua equipe acompanhamento sistematizado para viabilizar análise de projetos e liberação dos recursos anunciados (Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil)

Por Alexandre Inacio

O governo federal deu um importante passo para tentar implementar uma política de gestão de resíduos sólidos no Brasil. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e parte do seu time ministerial anunciaram um investimento de R$ 426 milhões em ações e programas destinados aos catadores de produtos recicláveis no Brasil. Em paralelo, foi assinado o decreto que viabiliza a criação de um programa de incentivo fiscal ao segmento, regulamentando o projeto que ficou popularmente conhecido como a “Lei Rouanet dos Catadores”, apresentado pelo deputado federal Carlos Gomes (Republicanos-RS).

A lei foi sancionada em 2021, ainda na gestão de Jair Bolsonaro, mas passou por um profundo processo de desidratação. Muitos dos vetos do ex-presidente foram derrubados no Congresso e apenas em 2023, já sob Lula, ganhou seu primeiro orçamento, de R$ 316 milhões. Ainda assim, faltava a regulamentação com as regras para a originação dos recursos, que foi publicada apenas na semana passada.

Na prática, o programa voltado aos catadores tem, efetivamente, as mesmas bases da Lei de Incentivo à Cultura.
Empresas podem destinar até 1% do imposto de renda devido a projetos de reciclagem de resíduos.
Para as pessoas físicas, o percentual é de até 6%.

Apesar de aguardado e visto com bons olhos pelo setor, o anúncio do governo gerou uma certa frustração, com uma série de arestas a serem aparadas.

Para Renato Paquet, CEO da Polen, recursos ainda não refletem o orçamento que o governo pretende destinar ao segmento (Crédito:Divulgação )

“O valor anunciado ainda não é o orçamento. É um pacote onde algumas empresas públicas irão aportar recursos para programas de reciclagem de resíduos. O governo deu um passo, mas ainda faltam pelo menos três outros muito importantes para que algum tipo de impacto possa ser efetivamente gerado”, disse à DINHEIRO Renato Paquet, CEO da Polen, uma das maiores empresas de neutralização de impacto de embalagens do País, que gerencia anualmente cerca de 500 mil toneladas de resíduos para reciclagem.

Assim como na Lei Rouanet, a legislação para os catadores prevê a existência de um conselho interministerial para aprovar e validar os projetos submetidos. Segundo Paquet, o conselho ainda não está formado e sequer existe um edital que estabeleça as regras para que os projetos sejam submetidos para análise. Em meio à dificuldade para cumprimento das metas fiscais, o governo federal também não determinou o teto orçamentário para a lei de incentivo aos catadores. “O pacote foi um paliativo para não deixar o projeto mais um ano parado”, disse Paquet.

Em certa medida, o próprio presidente Lula cobrou celeridade de seus ministros. “O que foi anunciado aqui é muito dinheiro, em várias frentes de trabalho, em vários momentos. Tudo isso tem que ter um acompanhamento sistematizado. Mensalmente, você [Márcio Macêdo, secretário-geral da presidência] tem que saber o que está acontecendo. Nós temos 2 anos e meio de mandato e é importante que o que nós aprovamos hoje aqui aconteça na sua plenitude”, disse Lula durante o anúncio da semana passada.

Projetos poderão ajudar empresas a solucionarem problemas reais de descarte de resíduos e logística reversa, segundo Vanessa Pires, da Brada (Crédito:Felipe Leitao)

ESTATAIS

De fato, os R$ 426 milhões serão aportados por estatais. Só de Itaipu Binacional sairão quase R$ 280 milhões. Fundação Banco do Brasil, Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) devem dividir o restante dos investimentos, destinados ao diagnóstico socioeconômico das cooperativas, assessoria técnica, financiamento de bens e serviços, capacitação, implantação e modernização da infraestrutura física. Por enquanto, não existem regras ou condições para que o setor privado participe do programa de fomento à reciclagem, como já está estabelecido no segmento cultural.

“Saiu o decreto e faltam os atos normativos, com as regras e orientações. A expectativa é que isso saia ainda este ano, para entrar no Orçamento do ano que vem [2025]. A cultura também começou pequena e hoje tem alguns bilhões”, disse Vanessa Pires, fundadora e CEO da Brada, startup que conecta projetos e investidores por meio de leis de incentivo.

Ainda que o setor privado não possa financiar projetos de reciclagem com o incentivo fiscal da “Lei Rouanet dos Catadores”, algumas empresas se mostram otimistas.

A fabricante de embalagens descartáveis Cristalcopo aposta que a nova lei tende a criar um ecossistema para encurtar as distâncias entre as cooperativas de catadores e as empresas, trazendo maior profissionalização ao segmento. “Ainda estamos entendendo as regras, mas o movimento do governo é positivo. Por enquanto, o anúncio dos investimentos devem atender projetos que tenham um prazo de ciclo curto. Aqueles mais complexos certamente serão incluídos”, disse a consultora Danielle Zabotti, que gerencia um projeto de reciclagem na Cristalcopo.