Economia

Pacheco entra na briga entre Estados e União

Presidente do Senado tenta mediar conflito e avança com projeto que pode elevar a dívida pública em R$ 462 bilhões — e que não vai resolver os problemas dos governadores

Crédito:  Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, promete votar o tema na primeira semana de agosto (Crédito: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Por Paula Cristina

Há uma frase bastante famosa no Nordeste, que foi nacionalmente reconhecida na voz de Caetano Veloso, que diz “farinha pouca, meu pirão primeiro”. E é fácil a assimilação com a centenária briga entre os governos estaduais e o federal. Na narrativa dos governadores, a União eleva constantemente as obrigações de gastos estaduais e ainda ameaça reduzir a arrecadação de impostos ­— e ousam cobrar a dívida! Pelo lado do governo federal, há má gestão de recursos dos estados e, os empréstimos oferecidos, tinham juros baixíssimos ­— e ainda assim os governadores reclamam em honrar os pagamentos! Quem está mentindo? Os dois. E os dois também, em parte, dizem a verdade.

Nessa complexidade de interesses, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, resolveu que seria o arauto do bom senso e mediaria o conflito. Desenvolveu uma proposta que pode elevar em R$ 462 bilhões a dívida do governo federal e, dentro dos estados, seria um fôlego para durar, no máximo, meia década.

Segundo Pacheco, este é “o maior problema federativo que existe, estados muito endividados, que não têm condição de pagar suas dívidas, com um indexador muito alto. Gera um grande desconforto, um grande problema nacional mesmo”.

Hoje, a dívida dos estados com a União gira em torno de R$ 700 bilhões, e o plano de Pacheco consiste em congelar o valor principal do saldo devedor (sem descontos); abater até 2% dos juros por diferentes mecanismos, como a federalização de bens e créditos estaduais; reversão de até 1% dos juros em investimentos nos estados e no DF; reversão de até 1% dos juros para aplicação em um fundo que atenderá a todos os estados, endividados ou não; dívidas parceladas em até 30 anos.

Também entra na jogada, para reduzir os juros e dar a possibilidade de os estados entregarem ao governo federal ativos recebíveis como créditos judiciais a receber, débitos de contribuintes inscritos em dívida ativa e participações acionárias em empresas públicas.

Atualmente, as dívidas são corrigidas pela inflação + 4% ao ano, ou pela taxa Selic (hoje, em 10,5%) ­— o que for menor.

Os maiores devedores são dos estados de:
Goiás,
Minas Gerais,
Rio de Janeiro,
e Rio Grande do Sul.

“O próprio governo federal entende que é necessário uma revisão da fórmula atual, porque ela coíbe a redução das dívidas”, afirmou Pacheco.

Não foi assim, no entanto, que a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recebeu a proposta de Pacheco. Tida pela equipe econômica como uma pauta bomba, o texto tem um potencial de renúncia na ordem dos R$ 462 bilhões, mais da metade do bolo sem juros que os estados devem hoje.

ROMBO BILIONÁRIO

O cálculo foi feito pelo economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, e pelo analista Gabriel Garrote. Segundo eles, caso seja plenamente aplicado conforme foi apresentado, o projeto levará ao aumento da dívida e do déficit primário do setor público. Pelas estimativas da Warren Rena, a aprovação levaria a uma perda da União, com juro real zero e desconto de 20%, de R$ 33,5 bilhões, somente em 2025.

Ao longo do tempo, as perdas acumuladas vão precisar ser financiadas, o que poderia elevar a dívida pública em R$ 462,2 bilhões até 2033 — o equivalente a 2,4 pontos percentuais a mais no Produto Interno Bruto (PIB). As projeções dos economistas apontam que o endividamento público atingiria 94,1% do PIB em 2033, um número temerário em um governo que tenta equalizar suas contas.

Com o projeto aprovado, esse percentual passaria a ser de 96,5% do PIB. “Com a nova proposta, o que se pretende é não mais pagar os juros, que atualmente são de 4%. Ademais, pretende-se que a dívida possa ser abatida em até 20%, por meio da transferência de ativos.”

De acordo com eles, caso as negociações pelo chamado Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados) sigam a tendência atual, o resultado final será o não pagamento da dívida estadual. “Há agora grande expectativa quanto a medidas concretas direcionadas ao ajuste fiscal. Nesse contexto, trazer à baila uma nova renegociação da dívida estadual, em termos bastante favoráveis aos estados e desfavoráveis à União, tornará ainda mais delicado o atual quadro fiscal geral, diante do esperado efeito da renegociação sobre o déficit primário e a dívida pública.”

Segundo os economistas, o aumento da dívida pública só não ocorreria em um cenário em que a renegociação levasse a uma redução da dívida estadual junto a terceiros. Mas a intenção dos estados é utilizar a folga trazida pela redução da despesa financeira no aumento da despesa primária. “A própria proposta leva a essa direção, ao atrelar parte dos juros pagos a menos para investimentos em certas áreas. O que se esperaria, no mínimo, é que os recursos liberados fossem utilizados para quitar dívidas com terceiros, o que poderia compensar o aumento da dívida da União”, explicam.

Com todas as cartas sobre a mesa, entende-se que a União está certa em não gostar da ideia, e os governadores certos em lutar pela aprovação. Errado mesmo só a celeridade na condução de Pacheco, que prometeu votar o assunto na primeira quinzena de agosto.