Uma reforma mal-acabada

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Carlos José Marques: "Na Câmara dos Deputados, comandada pela prepotência de Arthur Lira, perdeu-se a melhor chance de tornar o sistema um pouco mais justo e menos regressivo" (Crédito: Divulgação)

Por Carlos José Marques

Já se sabia desde o início que a Reforma Tributária em gestação – digamos há anos – não sairia como a ideal, atendendo satisfatoriamente a todos. Mas o que está para ser concebido, e já em vias finais de aprovação, vai decerto muito aquém das expectativas mais pessimistas. A reforma está sendo costurada como um saco de gatos, cheia de furos, de ajustes lançados à última hora que desvirtuam o sentido de redução da carga. Há privilégios demais, pesos desproporcionais sobre determinados setores e interesses dos lobbies poderosos prevalecendo. Quem reclama mais está sendo privilegiado. Era previsível. O Brasil parece movido sistematicamente a essa receita.

Na Câmara dos Deputados, comandada pela prepotência de Arthur Lira, perdeu-se a melhor chance de tornar o sistema um pouco mais justo e menos regressivo. Ali, as pressões de quem tem o dinheiro foram exercidas e correspondidas sem pestanejar. A simplificação tributária ficou assim para as calendas. Não existe ainda uma dimensão exata do tamanho dos incentivos ou mesmo sobre a ameaça de cumulatividade com a incidência dos novos impostos. O Brasil segue sendo um dos países campeões mundiais de desigualdade e a reforma, ao que tudo indica, parece não atenuar nada dessa realidade.

Infelizmente. De um lado, distorções são anotadas, como a sobretaxa em cima dos refrigerantes, encarecendo essas bebidas a ponto de elas serem mais penalizadas que armas de fogo, com carga fiscal menor. Por outro, segmentos da produção esbravejam. Montadoras reclamam em razão dos carros elétricos terem sido incluídos na lista dos atingidos pelo chamado “imposto do pecado”, com tarifas mais salgadas. Curioso mesmo no caso teria sido a interpretação do grupo de trabalho da regulamentação que apontou esses veículos como causadores de poluição ambiental. Eles vieram ao mercado justamente para substituir os movidos a combustíveis fósseis, bem mais poluentes.

Naturalmente, há uma melhora geral no que antes era tido como um manicômio tributário. Avanços, é lógico, serão notados. Ainda no Senado alterações deverão ocorrer. O IVA, imposto sobre valor agregado, adotado em boa parte dos países civilizados, constitui por si só uma vitória, muito embora aqui deva vir com uma alíquota bem pesada. As alterações nas regras do crédito presumido para operações internas do comércio da Zona Franca de Manaus ficaram para averiguação depois. Tudo é lento e demorado e deve estender as negociações até ao menos o final deste ano. Enquanto isso, certos personagens se esbaldam na esbórnia. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi capaz de conceder um benefício de pai para filho a estados endividados da Federação que já tiveram por inúmeras vezes seus débitos repactuados e continuaram aplicando um calote sistemático. Agora, com a complacência do senador, querem, de novo, empurrar a conta de bilhões para o bolso do pobre contribuinte. É um verdadeiro prêmio aos caloteiros. Um absurdo por si só, que demonstra como se constroem deliberadamente as distorções da máquina. Juntos e misturados, os remendos fiscais do Brasil fazem da reforma uma caricatura de si mesma.