ESG para valer começa por enfrentar dilemas
Por Ricardo Voltolini
Não raro, me perguntam como faço para avaliar o grau de seriedade do compromisso de uma empresa com a sustentabilidade. Justa preocupação nesses tempos de greenwashing, discursos mais abundantes do que práticas e foco maior nos ganhos de reputação do que nos benefícios de valor direto para o negócio.
Costumo recorrer a uma metáfora médica para dar a minha resposta. Se tiver acesso a uma imagem de “ressonância magnética”, que permita colher diferentes evidências, levarei em conta seis fatores:
(1) a existência de uma cultura orientada por valores,
(2) uma visão de mundo propositiva no longo prazo,
(3) a presença de uma liderança cuidadora, inclusiva, íntegra e ecocêntrica,
(4) uma estratégia com objetivos claros, metas, métricas e planos de ação,
(5) a convergência dessa estratégia com a de negócios, e ainda
(6) o rigor com que a empresa reporta a sua evolução no enfrentamento dos impactos ESG.
Se só puder examinar um único elemento, vou procurar saber como a empresa está lidando com os seus principais dilemas ambientais, sociais e de governança. É um indício relevante. Um sinal de coerência e firmeza de propósito.
Dilema, por definição, é uma escolha difícil entre duas possibilidades. Toda escolha pressupõe renúncia. No caso do ESG, significa flexibilizar alguns fundamentos econômicos dos negócios. Diz respeito a incorporar, no presente, os custos de externalidades nunca antes precificadas, aceitando mudanças no padrão de retorno sobre investimento, em nome de uma economia de baixo carbono, mais respeitosa às pessoas e ao planeta, capaz de assegurar os recursos necessários às próximas gerações. Opõe visões de longo e curto prazo.
Exemplos de dilemas ESG têm aos montes. Mudar a embalagem de um cosmético para reduzir emissões de carbono ou mantê-la porque o cliente não abre mão de um design intensivo em uso de energia? Explorar petróleo na Amazônia para gerar riqueza ou preservar a ambição de ser o protagonista da descarbonização do planeta? Lançar mais resíduos numa barragem tecnicamente condenada, para economizar custos de operação, ou descontinuá-la em benefício da segurança dos colaboradores, das comunidades e do ecossistema local? Manter uma política de diversidade e inclusão para acolher as novas gerações ou interrompê-la, sem prévio aviso, para não desagradar os clientes ultraconservadores preocupados com pautas moralistas?
Não foram poucas as vezes, nos últimos anos, em que, antes de uma palestra ou reunião, fui alertado para não abordar temas “espinhosos” com a turma do C-Level. Segundo os meus interlocutores, expor os dilemas, mais do que ajudar, acabaria por “chatear” a audiência, levando-a à rejeição. Um argumento conveniente para mudar sem mudar nada.
Assisti, incrédulo, alguns líderes “recém-convertidos” ao ESG interromperem ações relacionadas a dilemas, alegando “despreparo” para o desafio (na verdade, para o investimento necessário). Presenciei outros botando o pé no freio de estratégias de sustentabilidade, com base em argumentos fracos como “escassez de métricas confiáveis e “desinteresse dos acionistas” ou, simplesmente falaciosos, como o “movimento anti-ESG nos EUA”.
Os atores de mercado não cobram respostas prontas para os dilemas de ESG. Ninguém as tem porque são complexas e sistêmicas. Exigem sim que as empresas os enfrentem, com a coragem de quem quer construir um futuro e não temê-lo.
Adiar a solução de dilemas significa sentar em cima de riscos, terceirizando responsabilidades e empurrando decisões e custos para as gerações futuras. É um expediente a que ainda recorrem acionistas apressados e CEOs reféns do balanço trimestral. Um foco de curto prazo, segundo Paul Polman, ex-CEO da Unilever “mata as oportunidades de criação de valor” do ESG. Construir uma “empresa de impacto positivo” exige determinação, tempo, recursos e colaboração.
Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade