Economia

G20: fim da fome passa pelas mãos dos ricos

Presidência do Brasil da cúpula é marcada por construção de pacto contra fome e política de taxação de super-ricos, um desenho que funciona na teoria, mas têm desafios globais na prática

Crédito: Ricardo Stuckert

No Rio de Janeiro, líderes do G20 mostraram simpatia à ideia de uma política global de combate à fome, mas plano de taxar os super-ricos ainda gera desconforto (Crédito: Ricardo Stuckert )

Por Paula Cristina

Na infância o consumo de contos se tornou uma forma de explicar o mundo para as crianças, mas tais conceitos, adaptados à vida adulta, ganham contornos distorcidos da realidade. Umas dessas estórias distorcidas ao passar da vida é aquela do garoto que tirava bens dos mais ricos, para dar aos pobres. Na psicologia, esse comportamento é chamado de síndrome de Robin Hood, um estado bastante comum em situações de grande desigualdade social e amplamente utilizado na retórica de políticos em nações de desenvolvimento. Também há a construção do Super-homem, aquele indivíduo que, sozinho, se diz capaz de resolver todos os problemas do mundo. A execução do encontro do G20 no Brasil, e com o Lula na presidência do bloco, carrega um pouco destas duas figuras.

No Rio de Janeiro, o encontro foi palco da construção de um pacto global contra a fome, além do embrião de uma discussão sobre a taxação dos super-ricos, ambos pleitos do governo brasileiro durante sua passagem pela presidência do grupo. “A fome não resulta apenas de fatores externos, ela decorre, sobretudo, de escolhas políticas. Hoje o mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicá-la. O que falta é criar condições de acesso aos alimentos”, disse Lula.

Durante seu discurso, o presidente reforçou que os gastos com alimentos subiram 7% no último ano, totalizando US$ 2,4 trilhões, mas não houve redução da fome. “Inverter essa lógica é um imperativo moral, de justiça social, mas também essencial para o desenvolvimento sustentável”, acrescentou o presidente no evento de pré-lançamento da força-tarefa para a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

Advogando em causa própria, Lula usou os números da ONU sobre o Brasil. Segundo o Mapa da Fome, em 2023, a fome extrema no Brasil caiu 85%, o que, em números absolutos, significa que 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome no país no ano passado. Percentualmente, a queda foi de 8% para 1,2% da população. “A fome não é uma coisa natural, a fome é uma coisa que exige decisão política”, reforçou Lula. “Não é possível que, na metade do século 21, quando a gente já está discutindo até inteligência artificial, a gente ainda seja obrigado a fazer uma discussão dizendo para os nossos dirigentes políticos do mundo inteiro, ‘por favor, olhem os pobres porque eles são seres humanos, eles são gente e eles querem ter oportunidade’”, completou o presidente.

NA OUTRA PONTA

Se uma união global pelo fim da fome pareceu ser bem aceita pelos membros do G20, um outro assunto sensível aos países mais desenvolvidos e liberais gerou algum desconforto. Defensor de uma reforma das instituições de governança global, como o FMI, o presidente do Brasil reforçou a importância da taxação dos super-ricos. “A riqueza dos bilionários passou de 4% do PIB mundial para quase 14% nas últimas três décadas. Alguns indivíduos controlam mais recursos do que países inteiros”, disse Lula.

Fernando Haddad encontra a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen na tentativa de obter avanços na taxação dos super-ricos (Crédito:Bruno Kaiuca)

“Vários países enfrentam um problema parecido: no topo da pirâmide, os sistemas tributários deixam de ser progressivos e se tornam regressivos. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem insistido no tema da cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global, fortalecendo as iniciativas existentes e incluindo os bilionários”, reforçou o presidente.

O assunto foi debatido com os responsáveis pela área fiscal e econômica das 19 nações, mais a União Europeia, que estiveram no encontro, incluindo Janet Yellen, secretária do Tesouro dos Estados Unidos. No encontro, o ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, reforçou que uma taxação equivalente a 2% da riqueza dos bilionários resultaria em uma arrecadação entre US$ 200 e US$ 250 bilhões. “Aproximadamente, cinco vezes o montante que os dez maiores bancos multilaterais dedicam ao enfrentamento da fome.” Em comunicado, a secretaria de assuntos internacionais da Fazenda confirmou ter havido avanços na negociação, mas não deu detalhes nem cifras, ou países que encamparam o complexo de Robin Hood à moda brasileira.