Economia

“O arcabouço fiscal limita o crescimento da economia”, diz Henrique Meirelles

Crédito: André Lessa

Ex-presidente do Banco central nos governos Lula, Henrique Meirelles dá nota seis para a atual política econômica (Crédito: André Lessa)

Por Alexandre Inacio

Ele resolveu pendurar as chuteiras da vida pública. Depois de oito anos à frente do Banco Central, dois no Ministério da Fazenda e pouco mais de três conduzindo a economia do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles considera já ter dado uma contribuição substancial ao setor público. Perto de completar 79 anos, o engenheiro civil que construiu carreira no mercado financeiro se dedica hoje a alguns poucos conselhos empresariais, vivendo na capital paulista. Responsável por controlar a inflação durante as duas primeiras gestões de Lula, Meirelles encabeçou a criação do teto de gastos do governo federal durante a gestão de Michel Temer. Sua política acabou sendo substituída pelo atual arcabouço fiscal, que ainda não conseguiu chegar ao tão esperado déficit zero. Em sua casa, na Zona Oeste de São Paulo, o ex-ministro recebeu a equipe da DINHEIRO para falar sobre a independência do Banco Central, impostos, juros, câmbio e outros tópicos da atual política econômica brasileira.

DINHEIRO — Como o sr. avalia a atual política econômica do governo e sua gestão?
HENRIQUE MEIRELLES — O dado que me parece mais relevante é que existe uma preocupação na área econômica neste governo com a expansão fiscal. Tanto que, logo no início, foi criado o arcabouço fiscal. Apesar de não ser tão preciso, tão eficaz quanto o teto [de gastos] foi um movimento importante para um governo do PT manifestar e determinar limitações na expansão fiscal. Isso é o que tem permitido que a economia esteja crescendo, apesar de as projeções do PIB estarem caindo, pelo relatório Focus, de uma forma moderada, de 2,15% da projeção atual para 1,93% no ano de 2025. Um crescimento que não é brilhante. Nada comparável ao crescimento dos dois primeiros mandatos do Lula, quando, principalmente no primeiro mandato, houve um superávit primário relativamente elevado.

Mas o presidente tem dado declarações que estão gerando instabilidade no mercado.
Evidentemente, existem essas questões referentes a uma certa volatilidade do mercado, com as declarações do presidente. Agora, é compreensível. O presidente tem que falar para duas audiências. Ele quer falar com o público que é a base da sua popularidade e dos seus votos, um público de renda mais baixa. Ao mesmo tempo, tem que falar um pouco também para os agentes econômicos de uma maneira geral, para assegurar que não vai haver uma expansão [dos gastos] que possa levar a um desequilíbrio, como foi o caso de 2015 e 2016.

Nesse cenário, o contingenciamento do orçamento anunciado recentemente se fez necessário?
É necessário, um sinal importante. O mercado questiona um pouco se foi suficiente, mas a direção é correta. O fato concreto é que o desemprego está baixo, os dados econômicos estão positivos. Existe uma certa margem, mas precisa controlar as despesas sim. Isso é importante. E o mercado enxerga a preocupação de Haddad e da ministra Simone Tebet [Planejamento] com o gasto público, mas não vê essa mesma preocupação no presidente Lula, que precisa falar com essas duas audiências.

Outro jeito de fechar as contas é gerar receita. Os impostos criados são necessários?
Depende. De um lado, a resposta é não. O Brasil já tem uma tributação muito elevada. Por outro lado, o caminho que o governo tem achado para assegurar o déficit fiscal zero, é a contribuição de um aumento de tributação. Portanto, é necessário. Afinal, é a trajetória para ter um déficit menor. O caminho para resolver isso teria quer ser algo muito difícil de ser feito: a reforma administrativa, mas há muita resistência. Isso foi feito em São Paulo, em 2022, quando o orçamento estava equilibrado e com a reforma gerou um saldo orçamentário de R$ 53 bilhões. Isso no Estado, na União poderia ser R$ 200 bilhões ou mais.

Diferentemente do teto de gastos, o arcabouço fiscal pressupõe um aumento da arrecadação para se chegar ao déficit zero.
O teto de gastos assegurou uma diminuição do total das despesas públicas porque considerava a correção pela inflação do ano anterior. Portanto, não existia crescimento real. Com o PIB tendo um crescimento real, por definição, isso foi baixando. O tamanho do Estado foi crescendo no Brasil durante 25 anos. Por exemplo, de 1991 até 2016, a despesa pública cresceu de 10,8% do PIB para 20,5% e depois começou a cair com o teto. Era uma medida muito dura, que independia de receita e funcionou. O arcabouço depende de receita e, portanto, uma solução para atendê-lo é aumentar a tributação, o que gera esse problema e que limita o crescimento. É melhor do que simplesmente ter déficit, mas limita o crescimento exatamente porque aumenta a carga tributária.

Haddad tem sido um bom ministro?
Dentro das limitações, sim. Poderia ser melhor, mas ele tem ido na medida possível.

Qual a nota para a atual política econômica?
Eu diria um seis. Dá para assegurar essa taxa de crescimento.

O senhor seguiria outro caminho?
Quando fui ministro da Fazenda, em 2016, quando assumi, em maio, o PIB de junho de 2015 a maio de 2016 caiu 5,2%. Foi uma das maiores quedas da história do Brasil e uma grande queda internacionalmente, para um país que não está em guerra, em conflito armado e coisa parecida. Com o gasto sendo limitado pelo teto, tivemos em 2017, se medido de janeiro a dezembro, um crescimento de 2,2%. Tivemos um salto muito grande, de uma recessão forte para uma trajetória de crescimento. Por quê? Porque, no momento que se controlou as despesas, a atividade econômica começou a reagir, porque a confiança voltou, porque os investimentos voltaram e começou a se criar emprego. Não há dúvida, que o melhor programa social que existe é o emprego. Na realidade, essa é a limitação do problema do gasto público. Bolsa Família e outros programas são importantes para você dar uma sustentação para aqueles que estão fora do mercado de trabalho, mas não pode chegar a um ponto de expansão que prejudique o crescimento e, portanto, a criação de emprego.

O presidente Lula já disse que quando o senhor esteve no Banco Central havia independência. Havia?
Quando o então presidente eleito, no final de 2002, me convidou para ser presidente do Banco Central. Eu disse que aceitava, mas que precisaria de certas condições para trabalhar. Ele perguntou quais seriam e eu disse: a independência. Ele quis entender melhor essa questão de nomear o presidente e ele ser independente, e eu disse que era semelhante ao que acontece com os ministros do Supremo. Depois de nomeado ele vai ser independente. Ele entendeu e concordou. Foi apresentado um projeto de independência, só que ficou claro que, naquele momento, não seria aprovado no Congresso. A esquerda era totalmente contra e também alguns setores empresariais. O presidente me chamou e disse que não seria possível aprovar. Eu disse que tínhamos um acordo de total independência e que eu agiria de forma independente. Agora, como a lei não tinha sido aprovada, ele tinha a prerrogativa de me exonerar. Passei lá oito anos e não fui exonerado.

Mas, passada essa fase, ter um Banco Central independente é importante?
É importante porque esse acordo, essa montagem que funcionou naquela época depende muito da personalidade, da estatura do presidente do Banco Central, das condições da economia no momento, do próprio presidente. [A independência] dá mais segurança aos agentes econômicos, à política econômica em geral fazer como faz a maioria dos países mais desenvolvidos do mundo de ter um Banco Central independente, em que as decisões são baseadas em projeções de inflação, crescimento, desemprego e não em conveniência política.

Diante disso, as declarações do presidente não acabam gerando mais instabilidade que o necessário?
Depende do ponto de vista. Do ponto de vista da popularidade do presidente, as pesquisas mostram que críticas ao Banco Central aumentam a popularidade dele. Para esse público, que é a maioria dos eleitores e é fundamental, a crítica ao Banco Central é positiva. Do ponto de vista dos agentes econômicos e do mercado, não. Porque isso gera instabilidade, preocupação com a nova diretoria do Banco Central. Por outro lado, a última decisão do Copom, em que houve unanimidade, inclusive com votos dos diretores nomeados pelo presidente Lula, deu uma boa tranquilizada no mercado. Sinaliza que, em tese, o Banco Central vai continuar olhando, fundamentalmente, para o controle da inflação, que é sua função básica.

A Selic está onde deveria estar?
Uma das coisas que eu concluí nos meus oito anos de Banco Central é o seguinte: se você deixar de lado as questões e os entes políticos, pensando tecnicamente, a taxa de juros não é subjetiva. O Banco Central tem diversos modelos matemáticos para projeção de inflação. Se a Selic for mantida constante, qual a projeção em um horizonte previsível? Se o Banco Central baixar a taxa de juros? Se o Banco Central seguir as projeções de taxa Selic do mercado, qual é a inflação? Baseado nisso ele toma uma decisão. Partindo do pressuposto que as pessoas lá estão olhando esses modelos, está onde deveria estar. A decisão é fria, técnica. O Banco Central tem que controlar a inflação, não é uma questão de opinião.

Qual o grande projeto do Brasil que ainda precisa ser endereçado?
É a produtividade. Segundo dados do Banco Mundial de um estudo que eu encomendei em 2017 mostra que a produtividade do Brasil como percentual da produtividade americana, caiu de 50% na década de 70 para 25%. Existe uma série de medidas que foram recomendadas, algumas aprovadas naquela época como, por exemplo, o que se chamou de cadastro positivo. Isso permitiu a criação do Pix, por exemplo. Mais de 140 milhões de pessoas usaram o Pix em 2023, sendo que mais de 80% das operações foram inferiores a R$ 40. Isso significa que a grande massa da população que estava transacionando em dinheiro passou a usar o Pix e isso gera um grande aumento de produtividade. Outro ponto importante é a questão tributária. O estudo mostrou que uma empresa brasileira gasta 1.700 horas por ano só com burocracia para pagar o imposto.

A reforma tributária não resolveu isso?
A reforma tributária está ainda para ser regulamentada, mas com resultados médios. As exceções e as taxas especiais são o que complicam. Mas, vamos ver o quão mais simples será exatamente o resultado final da regulamentação, pois é muito importante para a questão da produtividade. A estrutura em si está ok, é simplificadora. Temos que aguardar as regulamentações.

E o que ainda falta ser feito para alavancar a produtividade?
Algo que existe no Brasil, que é feito pelo sistema S, mas precisaria ter um investimento muito maior, é a questão da educação e do trabalho técnico, equipar o trabalhador. Todos os projetos que são feitos hoje pelo sistema S, uma expansão muito maior liderada pelo governo, seria importante para aumentar a produtividade. Esse é o quadro que a gente pode adicionar.