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O drama do orçamento público

Crédito: Evaristo Sa

Carlos José Marques: "(...) Lula resolveu declarar que fará bloqueios orçamentários sempre que necessário, alegando trazer a responsabilidade fiscal 'nas entranhas'. Nada mais falacioso diante de um comportamento que contradiz as palavras" (Crédito: Evaristo Sa)

Por Carlos José Marques

O presidente Lula tentou encarar o problema fiscal brasileiro com uma bazófia, buscando demonstrar pouco caso. “Digo todos os dias para o Haddad não se preocupar, que a economia vai dar certo”, trombeteou em meio a um encontro com empresários em São Paulo. No íntimo ele sabe, obviamente, que não é bem assim. Que as soluções econômicas não brotam por osmose, do nada. E foi provavelmente por meio dessa postura acomodada do chefe de Estado, na base do “deixa estar para ver como é que fica”, adotada por tempo demasiado, que o quadro de gravidade aumentou e desembocou na situação-limite do momento. Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, da Fazenda e do Planejamento, respectivamente, tiveram de vir à público para assumir aquilo que buscavam negar até o momento: o Orçamento explodiu, com um rombo que deve chegar perto de R$ 30 bilhões, no limite da meta fiscal e sinalizando, perigosamente, o risco de pedalagens que poderiam colocar em xeque a sobrevivência do próprio governo.

Foi um Deus nos acuda para chegar a essa decisão de assumir de público o erro. A equipe econômica buscou às pressas achar espaço para o corte dos gastos públicos ­— algo que deveria ter sido feito bem antes, mas que ela deliberadamente protelou. Na Previdência, o estouro é monstro (como não poderia deixar de ser), representando quase um terço do total, com alta de R$ 11 bilhões no ano esperada na conta. No geral, o tamanho do déficit alcança o indecente valor de redondos R$ 28,8 bilhões, segundo as contas oficiais (duvidosas, diga-se de passagem).

O congelamento de despesas virou a prioridade número um do Executivo. Mas os R$ 15 bilhões de contingenciamento, anunciados dias atrás, poderão não ser suficientes. Mesmo com ele, é um congelamento que almeja única e exclusivamente evitar o descumprimento do arcabouço – e as graves consequências decorrentes. A ideia de se alcançar uma volta ao centro da meta, com o propalado déficit zero, parece ter sido deixada para as calendas. O governo também está revisando, para baixo, a projeção de receitas do ano, diminuindo em R$ 6,4 bilhões o valor. Não é pouca coisa. Ao passar o pente-fino nas contas, ele busca, ao menos, transmitir alguma credibilidade diante de tanta desconfiança do mercado, que apostou no pior e elevou às nuvens o câmbio, desvalorizando brutalmente o real.

Na luta por novas receitas e para conter outros possíveis buracos, o time de Haddad tenta agora desarmar a bomba no STF de R$ 428 bilhões em ações de inconstitucionalidade no plano previdenciário. Seria, caso avance, a pá de cal no esforço de disciplina financeira. Atenuando o tom, como aconselhável para as circunstâncias, Lula resolveu declarar que fará bloqueios orçamentários sempre que necessário, alegando trazer a responsabilidade fiscal “nas entranhas”. Nada mais falacioso diante de um comportamento que contradiz as palavras. Nos ministérios, é fato, ainda prevalece um certo “empoçamento” de recursos não utilizados para os fins destinados. Nessa seara ainda há como atuar. Seriam, ao menos, R$ 20 bilhões extras. Que venham para arrumar a contabilidade final.