Você realmente é capaz de improvisar?
Por Jorge Sant’Anna
Segundo a Microsoft, a pane cibernética criada pela empresa americana CrowdStrike que assistimos este mês e afetou 8,5 milhões de equipamentos, por alguns instantes, acabou por prejudicar a operação de sistemas em todo o mundo. E se não fosse apenas 8,5 milhões? E se não fosse por “alguns instantes”? O fato é que, surpreendentemente, em um mundo cada vez mais complexo, interconectado e sobretudo frágil, é impossível termos planos de contingência planejada para todas as ameaças que enfrentamos, como líderes temos que desenvolver nossa capacidade de improvisar.
Em 2013, um vídeo de um show de Bruce Springsteen em um estádio em Leipzig, na Alemanha, viralizou na internet. No meio do show, Bruce ofereceu um desafio a si mesmo e à sua banda, a E Street Band, de tocar uma música aleatoriamente sugerida pela plateia.
A sugestão recebida ‘You Never Can Tell’ de Chuck Berry, de 1964, veio escrita e um pedaço de papel. Este momento se transformou em dos maiores exemplos de improvisação e liderança, apresentado ao vivo, para uma audiência de dezenas de milhares de pessoas.
É realmente impressionante e divertido ver uma das melhores bandas do mundo, ao vivo, testando acordes, forçando suas vozes e interagindo de uma forma meio que assustada, para tentar lembrar a melodia de uma música que nunca tocaram juntos. Naquele momento, eles entram em profundo estado de “Flow”, completamente imersos em seu mundo, felizes, como se estivessem em uma festa.
De repente, tudo funciona! Bruce faz a contagem regressiva para todos e diz “Lá vamos nós!” O resultado é simplesmente monumental.
Para qualquer outra banda, tal situação seria terrível, muito para além do que chamamos de mundo BANI (Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível) que descreve o paradigma que a sociedade atual vive. Para Bruce e a E Street Band, tornou-se uma diversão, um exemplo de improvisação, talento e sobretudo de liderança.
Quando nos deparamos com situações inusitadas, não planejadas e precisamos reagir de maneira tempestiva, temos que improvisar, tal qual Bruce e sua banda. A capacidade de um líder se adaptar rapidamente a situações inesperadas e tomar decisões eficazes com base em informações limitadas e imprecisas, tornou-se uma habilidade crucial em todos os níveis de liderança, frente à enorme complexidade e volatilidade que vivemos.
A técnica do improviso no teatro foi muito usada desde a Grécia antiga e se popularizou com a CommediaDell’arte, chamada de Commedia All’Improviso, que surgiu no século XV. Renunciava-se a dramaturgia formal, com o propósito de atingir uma performance com maior espontaneidade, criando-se assim uma história única naquele momento.
Lidar com o imprevisto exige que nos adaptemos em tempo real, nos movamos rapidamente e com muita consistência, frente ao inesperado, ao não planejado. Para isto, não basta o senso de oportunidade, é fundamental estarmos aparelhados com ferramentas técnicas cognitivas e, principalmente, com competências emocionais para lidarmos a com insegurança, ansiedade e até mesmo medo do desconhecido.
Durante os momentos de improvisação empresarial, a liderança precisa ter conhecimento profundo dos processos operativos da empresa, isto é, produtos, processos, capacidades etc., de forma a se evitar uma desorganização maior na empresa. No entanto, o controle emocional, autoconfiança, escuta ativa, capacidade empática, flexibilidade, criatividade e sobretudo a capacidade de inspirar segurança psicológica na organização, são fatores fundamentais que um líder deve dominar, em qualquer movimento de improvisação.
Os imprevistos nos afastam de nossa zona de conforto, instigando nosso pensamento crítico nos forçando buscar o novo. A atuação improvisada, que assusta a muitos, consiste em enfrentarmos os imprevistos, tirando o máximo de proveito dos desafios que nos surgem. Assista ao vídeo de Bruce Springsten no Youtube e aprenda como um verdadeiro líder improvisa. Sem medo de correr riscos, ouvindo a equipe, dando sinalizações claras de como proceder e, principalmente, se divertindo muito. Não conheço melhor definição de “Flow”.
Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos