“Bancos e financeiras vão florescer, algumas vão sucumbir. É normal”, diz Daniel Lima, do FGC
Para o CEO do Fundo Garantidor de Crédito, o sistema financeiro do País está muito sólido, bem fiscalizado e com uma eficiente regulamentação
Por Hugo Cilo
Um dos mais importantes mecanismos de proteção a pequenos investidores, um seguro para aplicações até R$ 250 mil, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) tem endossado a solidez do sistema financeiro – em um país em que estabilidade não parece estar muito em moda. Desde 1995, o País já teve 40 instituições financeiras liquidadas. No ano passado, foram dois casos, com mais de R$ 2,2 bilhões em (quase) perdas. Em entrevista à DINHEIRO, o CEO do FGC, Daniel Lima, afirma que o País desfruta de uma situação sólida e confortável.
Confira a seguir:
Qual é a atual estrutura do FGC?
Estamos muito sólidos. Temos R$ 120 bilhões de liquidez e cobertura em mais de 12 bilhões de operações. Nosso patrimônio total é de quase R$ 135 bilhões. Então, as coisas estão indo bem. E hoje nossa maior alavanca de crescimento do patrimônio é a aplicação dos recursos financeiros. Com o patamar de juros que o País está, estamos aproveitando novas estratégias. Começamos a comprar um pouco de ativos ligados à inflação, o que tem nos ajudado desde 2023. Não tivemos nenhuma liquidação. Isso ajudou a preservar o caixa. Não tivemos nenhum pagamento de garantias, que é o geral que subtrai do nosso patrimônio. Mas não foi só isso que ajudou. Em termos de liquidação ou reciclagem de ativos, a gente já fez quase tudo até 2023. Faltam poucas coisas paro nosso balanço de ativos mais problemáticos, como alguns imóveis. Hoje restam cerca de 20 imóveis. A gente conseguiu reciclar bem a carteira. Então, o patrimônio se manteve saudável.
Sem o cenário de juros, com a Selic persistente em dois dígitos, o desempenho do FGC estaria mais lento?
Os juros altos ajudam muito com as aplicações, mas não é só isso. O sistema financeiro do País está muito sólido, bem fiscalizado e com uma eficiente regulamentação prudencial que leva ao sistema resiliente. O FGC tem 245 associadas. É de se esperar que uma ou outra tenha algum acidente de percurso e o negócio acabe não desempenhando a contento e tendo que ser liquidada. Uma liquidação nem sempre é um mau sinal. Uma liquidação faz parte da regra do jogo. É um sistema capitalista. Vários bancos e financeiras vão florescer, algumas vão sucumbir. É normal.
Mas as liquidações de banco, historicamente, geram turbulências no mercado…
Sim. Desde 1995, já foram 40 episódios de liquidação. Em 2023, a gente teve duas liquidações: a Portocred e a BRK, duas financeiras. A gente pagou no total R$ 2,2 bilhões de garantias para cerca de 60 mil pessoas. Sem causar sustos ou gerar turbulências. Muito provavelmente, pouca gente deveria conhecê-las e pouca gente ficou sabendo que elas foram liquidadas. Isso é um reflexo de que o FGC está fazendo o seu papel. As pessoas confiam no mecanismo. Sabem que se houver uma liquidação não vai ter histeria. Então, está todo mundo tranquilo quando essas liquidações acontecem e não vira uma grande notícia.
Além de liquidação de bancos, há riscos menores para os investidores, como opções de investimento com alta rentabilidade e sem a cobertura do FGC. O crescimento desses fundos não é um risco ao sistema?
Ao sistema, não. Há um risco para o pequeno investidor. Mas se a remuneração está condizente com o risco que ele está tomando, não tem problema. O jogo é este. Mas quando o depositante tem talvez um tíquete menor, menos informação sobre o investimento que está operando e gosta de uma proteção, existe o FGC. Mas o mercado é composto por todo tipo de investidor. Há os que estão procurando aumentar a rentabilidade do seu patrimônio, se expondo a mais risco. Funciona assim em todas as economias mais desenvolvidas.
Existe a possibilidade de o FGC ampliar as opções de cobertura ou seguirá restrito a bancos e financeira
em até R$ 250 mil?
Imagino que não mude no curto prazo. Quando a gente olha para umas comparações internacionais, uma variável que eu gosto de observar é o limite de cobertura dividido pelo PIB per capita. Quando você faz essa conta para vários países, esse número fica entre duas e quatro vezes. No Brasil, esse fator é mais ou menos seis vezes. Então, ainda tem espaço aqui para a gente entrar no parâmetro internacional antes que a gente tenha que discutir uma revisão do limite de cobertura.
O que impede de aumentar os valores cobertos?
Quando se oferece uma cobertura, isso muda o comportamento das pessoas. O cara que analisava risco vai parar de analisar risco, porque alguém vai pagar a conta dele se as coisas derem errado. Então, a gente não pode tirar esse investidor do mercado e dessa atividade de análise de risco. O mecanismo é feito para proteger o pequeno depositante mesmo, não o grande depositante. Quando se limita o limite de cobertura, se traz mais gente para o jogo de análise de risco. O banco e a financeira são negócios particulares porque operam alavancados. Há um ponto em que, dependendo do tipo de problema que uma financeira ou banco enfrente, a reputação das outras instituições pode estar ameaçada também. Isso pode ter uma corrida bancária, um contágio. Então, por isso que existe o mecanismo de proteção que tem o FGC, para evitar esse contágio.
O processo de “fintequização” da economia, que qualquer rede varejista lança seu próprio cartão, sua conta corrente, cartão de crédito e empréstimos, entre outros serviços financeiros, é um risco para o sistema?
Acho que ainda é cedo para concluir. Por mais que a gente tenha visto um aumento da presença de novos players nesse mercado, eles fazem um ou dois produtos apenas. Quando se compara com a carteira global de crédito do sistema, é uma fração muito pequena ainda. Mas imagino que vai crescer. E aí a gente vai tirar a temperatura daqui a mais uns 2 ou 3 anos. Só lá vamos entender melhor de tudo isso que a gente tem experimentado.
A regulação rígida do Banco Central faz com que a solidez seja padrão para todos, inclusive esses pequenos players?
Nos últimos anos, as barreiras realmente caíram. Hoje é muito mais fácil a entrada de novos agentes no mercado. Isso tem efeitos de bem-estar para a população, seja porque existem mais opções, seja porque também se muda o comportamento dos agentes tradicionais da economia, que passam também a investir fortemente em tecnologia, oferecer melhores produtos, inovar. Mas todos eles estão sob o mesmo foco do Banco Central. E se for preciso, do mesmo jeito que a gente corrigiu a rota para a competição, a gente também tem que ter a disposição para corrigir a rota das salvaguardas do sistema.
De uns anos para cá, alguns fatores de preocupação estão sendo adicionados ao mercado financeiro. O que antes era só risco de fraude ou de barbeiragem na gestão de um banco, hoje também existem fatores como os ciberataques, que podem levar instituições ao tombo. Como o FGC enxerga isso?
Esse é um ponto delicado da discussão. Até como resultado da entrada da competição, os incumbentes também se tornam mais tecnológicos, migram produtos para a nuvem, infraestrutura para a nuvem, ficam mais sujeitos a ataques cibernéticos. Acho que essa é uma preocupação mundial. Participo do Conselho dos Fundos Garantidores, que chama IAD, fica lá na Basileia, na Suíça. A cada três meses, mais ou menos, a gente se reúne para discutir, e sempre é pautado a questão do risco cibernético. Como a série de dados ainda é recente, a gente não tem muita modelagem para esse risco, então a gente tem adições de capital para cobrir risco operacional. Acho que isso vai merecer um capítulo só para ele nos livros, olhando para frente. E a gente ainda vai entender como fazer gestão desse risco cibernético e como se preparar melhor para ele. Vimos recentemente o que aconteceu com a CrowdStrike. Pelo que companhias aéreas que sofreram, a gente consegue deduzir que eles estavam usando o estado da arte em tecnologia. Isso é importante para que a gente reflita e diga: olha, mesmo o melhor prestador, mesmo a melhor tecnologia, está sujeita a falhas, e a gente precisa desenvolver planos de resolução de crises em cima desses potenciais problemas.
Como reduzir os riscos? Seria necessário ter sistemas redundantes?
Exato. Às vezes, é preciso ter mecanismos de proteção em caso de pane. Assim, poderemos atravessar problemas assim sem grandes danos, com mais instabilidade. No caso da CrowdStrike, a gente tinha um benefício que tudo começou lá no Japão. O upload começou por lá. Então, quando chegou no Brasil já tinha muitas adaptações sendo feitas, já tinha a solução do problema meio que identificada.