A correção de rota
Por Carlos José Marques
Começaram os ajustes fiscais visando adequar o Orçamento público à realidade, muito embora emendas parlamentares a rodo continuem a ditar os rumos das verbas do governo. Para atender às pressões, o corte ocorre na carne. Mais especificamente, dentro dos Ministérios. Mesmo os estratégicos, como o da Saúde, vão sofrer com o encolhimento de dinheiro. No caso específico desta Pasta, ela virou alvo de um congelamento de gastos — mesma medida que vai atingir recursos destinados ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Nada menos que R$ 15 bilhões em despesas operacionais estão sendo travados. O valor foi definido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e endossado pelo presidente Lula. Do total, cerca de R$ 4,4 bilhões referem-se a contenções na pasta da Saúde, ou o equivalente a 9,41% da dotação para as chamadas despesas discricionárias.
O bloqueio nos valores do PAC reabre uma disputa especialmente entre Haddad e seu colega ministerial Rui Costa, da Casa Civil. Costa coordena o plano, e a tesourada tira dele não apenas poder econômico como também capacidade de interlocução política. Haddad e Costa já exibiram diferenças claras nas discussões sobre regulamentação das apostas on-line, subsídios e sucessão na Petrobras. Costa levou a melhor na estatal do petróleo, colocando na presidência da companhia o nome que desejava. Também com relação à regulamentação das apostas e aos subsídios, logrou êxito. Nos corredores do Planalto muitos apontam que Haddad agora resolveu dar o troco, concentrando a facada de dinheiro no programa xodó de Costa. De um jeito ou de outro, como carro-chefe dos investimentos, o PAC desce a segundo plano nas prioridades oficiais. Dentro dos Ministérios verifica-se um corre-corre para gastar rapidamente cerca de R$ 8,8 bilhões já liberados e não utilizados. É que a Fazenda também cresceu o olho sobre o chamado empoçamento de recursos destinados a cada Pasta. Ocorreu nos últimos dias, na prática, uma corrida anormal para “salvar” parte das verbas. Ministros tentaram fazer pouco caso da movimentação. Alegaram tratar-se de “andamento habitual e já contratado de ações”. Mas o empenho foi definitivamente recorde. Só o Ministério dos Transportes liberou R$ 2,4 bilhões em uma única semana desde que Haddad manifestou a intenção de retomar o dinheiro não usado. O bloqueio e o contingenciamento daqui por diante só podem ser desfeitos se o Executivo voltar a ficar em dia com as contas, sem ameaças à meta. Enquanto isso, a arrecadação apresenta sinais de queda constante.
Para 2025, Lula terá espaço extra de mais de R$ 138 bilhões no Orçamento para despesas do Poder Executivo, embora tenha ainda de acomodar destinações das políticas sociais não previstas. Existe, por exemplo, uma expansão considerável dos chamados benefícios obrigatórios, bem como o aumento projetado para o salário mínimo que deve trazer um peso extra da ordem de R$ 35,3 bilhões. A correção de outros benefícios além do piso também sairá pela bagatela de R$ 19,5 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional. Na prática, qualquer aceno oficial para agradar setores, mesmo os de natureza populista, está pesando demasiadamente no valor geral, e é necessária uma sintonia fina para ajuste de rota, sob pena de comprometer irreversivelmente o objetivo de um superávit, como prometido desde o início da gestão.