Economia

Lula decide falar à nação. Mas pode ter sido erro de cálculo; entenda

Presidente faz balanço dos primeiros 18 meses de governo, critica opositores e exalta agenda positiva, mas desliza ao não explicar contigenciamento de gastos

Crédito: Ricardo Stuckert

Lula fez discurso de sete minutos e, ao enaltecer seus feitos, deixou evidente seu apego pelo aumento dos gastos (Crédito: Ricardo Stuckert)

Por Paula Cristina

Determina a cartilha dos otimistas norte-americanos que the third time’s a charm (algo, em tradução livre, como: na terceira vez, vai!). E a frase diz mais do que aparenta, pelo menos quando é usada para falar do terceiro mandato do governo Lula. Desviando de parte dos equívocos de suas duas gestões anteriores e com um mandato com erros e acertos, Lula usou a rede nacional de comunicação para fazer seu balanço de 18 meses de mandato. E talvez este tenha sido um erro de cálculo.

Lula gastou dois minutos para exaltar a democracia e condenar a tentativa de golpe de 8 de janeiro – mas na semana seguinte estava titubeando para condenar a eleição questionável de Nicolás Maduro. Reafirmou o compromisso fiscal – mas não sobre o corte de R$ 15 bilhões. Falou do Rio Grande do Sul – mas colocou o suporte humanitário na caixinha das coisas boas de seu governo. Entre os analistas econômicos, o entendimento é que a fala deixou a desejar. Entre os especialistas em política, o tom é de que Lula fez um gol às vésperas das eleições municipais, e se confirmou como o melhor cabo eleitoral da campanha 2024.

A questão das contas públicas, que demandará atenção especial no segundo semestre para não ferir o Arcabouço criado pelo próprio governo, foi tratada por Lula da seguinte forma: “Não abrirei mão da responsabilidade fiscal. Entre as muitas lições de vida que recebi de minha mãe, dona Lindu, aprendi a não gastar mais do que ganho”. A fala tem um apelo relevante e conversa com o eleitor, mas não carrega nenhuma explicação.

Chico Santini, doutor em gestão de políticas públicas e professor de economia do setor público da Universidade de Brasília (UnB), entende que a decisão de não falar sobre o bloqueio de R$ 11,2 bilhões e contingenciamento de R$ 3,8 bilhões para manter o resultado dentro da meta é porque invalidaria seu próprio discurso. “Dos sete [minutos] cinco foram dedicados a falar de medidas que elevam o gasto público.”

Além dos gastos não previstos para suporte ao Rio Grande do Sul, Lula mencionou diversas iniciativas que implicam em aumento dos gastos públicos. “Lançamos o maior Plano Safra da história para financiar a agricultura. O Novo PAC está destinando grandes investimentos para obras de infraestrutura, ferrovias, rodovias, energia, drenagem e prevenção de riscos, policlínicas, creches e escolas”, disse. Além disso, falou do programa “Pé de Meia” que oferece uma bolsa para estudantes que permaneceram no ensino médio.

Sobre isso, ele defendeu que o País se “reencontrou com a civilização”. O presidente Lula também fez uma crítica aos seus antecessores, reafirmando que assumiu um “Brasil destruído”, quando voltou à Presidência da República no ano passado. “Assistimos a uma enorme destruição no nosso País. Programas importantes para o povo, como a Farmácia Popular e o Minha Casa Minha Vida, foram abandonados”, afirmou.

“Não abrirei mão da responsabilidade fiscal. Aprendi a não gastar mais do que eu ganho.”
Lula, presidente da República

EFEITOS PRÁTICOS

Ainda que sirva para os fins políticos, a fala de Lula não bastou para acalmar o mercado, que segue desconfiado sobre a capacidade de o governo fechar o ano dentro da previsão de gastos. Ainda que realmente não tenha deixado o Brasil com déficit durante suas passagens anteriores no Palácio do Alvorada, Lula soltou o cinto dos gastos em sua segunda gestão, e colocou uma régua mais frouxa para seus sucessores no quesito gasto público.

Um dos marcos deste momento foi a chegada de Guido Mantega à Fazenda e o distanciamento das metas fiscais.
2007 e 2008 foram anos de amplos gastos que, assim como neste terceiro mandato, Lula justificou como necessários para superar a crise, e seus efeitos nas contas públicas seriam amortecidos pelo aumento da arrecadação tributária.
Mas não foi bem assim. Quando a economia desaqueceu, mas os gastos não diminuíram (aliás, aumentaram), a conta deixou de fechar para o governo.

Com um verniz econômico, ainda que seja um tema com caráter mais eleitoreiro que prático, o presidente mencionou o fato de o Brasil estar presidindo o G20, grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo e a União Europeia. “O Brasil voltou ao mundo, e o mundo agora vai passar pelo Brasil. Vamos colocar no centro do debate internacional a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, disse o presidente. Sobre isso, ele ainda mencionou o fato de seu governo propor neste foro das maiores economias “a taxação dos super-ricos, que já conta com a adesão de vários países”. Uma daquelas lendas que tiram o sono dos ricos, dão esperança aos pobres e a política se aproveita para engajar.