“O grande problema é a falta de investimentos”, diz José Velloso, da Abimaq
Setor de bens de capital encolhe no País, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos. Para ele, o Brasil está ficando para trás na corrida tecnológica, apesar dos avanços no agro
Por Allan Ravagnani
O setor de máquinas e equipamentos vem perdendo faturamento nos últimos anos. Os dados referentes a junho apontaram uma receita líquida mensal de R$ 23,1 bilhões, uma queda de 9,6% em relação ao mesmo mês de 2023. No acumulado de 2024, foram R$ 122,8 bilhões, queda de 16,4% na comparação com o mesmo período. Nos últimos 12 meses, o total é de R$ 267 bilhões, 14,6% abaixo dos 12 meses anteriores. Não é somente isso. Na balança comercial, as exportações estão diminuindo, enquanto as importações vêm aumentando. Os reflexos são sentidos na mão de obra. O nível de emprego nesta poderosa indústria também cai ano após ano. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, a retração é resultado da falta de investimentos. Ele defende a política de responsabilidade fiscal do ministro da Fazenda, mas diz que o programa Nova Indústria Brasil do governo será insuficiente para a renovação tecnológica.
DINHEIRO — As quedas de faturamento do setor são uma questão pontual ou sistêmica?
JOSÉ VELLOSO — Infelizmente não são quedas pontuais. Tivemos uma queda de 5% no faturamento de 2022, depois mais 10% em 2023, e neste ano já temos 17% no acumulado até junho.
Quais são as principais causas?
Máquinas e Equipamentos são bens de capital. Quando você analisa a taxa de investimentos do País, divulgado junto ao PIB de cada trimestre, ela estava em cerca de 21% em 2015, antes da crise. Depois de 2015, os investimentos foram caindo. A taxa chegou a 14% do PIB em 2017. Veio se recuperando em 2018, 19, 20 e em 2021 ela bateu 19% do PIB. É uma taxa baixa, mas melhor do que os 14%. Mas, depois de 2022 voltou a cair, e hoje estamos com 16,7% do PIB em investimentos. Como 40% desse investimento é feito em bens de capital, a indústria cai junto. É uma taxa muito baixa. O Brasil tinha que investir de 23% a 25% do PIB. E a tendência é que caia mais ainda.
O baixo investimento é o problema então?
O grande problema hoje é a falta de investimentos no País. Com a falta de venda de máquinas e de renovação do parque industrial, a indústria do Brasil vai ficando atrasada. Quem compra máquina hoje é a agricultura. Mesmo assim, há um enorme déficit na capacidade de armazenamento de grãos. Infraestrutura, logística e serviços vão acabar ficando para trás e perdendo competitividade. O mesmo ocorrerá na geração e na transmissão de energia, nos transportes, nas ferrovias e no saneamento. Tudo isso é reflexo do atraso de investimentos no Brasil.
“O mundo tem investido muito em transformação digital. Isso aumenta a competitividade e a produtividade. O Brasil fica cada vez mais atrasado”
A falta de investimentos também reflete no crescimento…
Existe uma máxima, que é a pura verdade: “O crescimento de amanhã depende do investimento hoje”. Não tem crescimento sem investimento. Se o País crescer um pouco mais, isso causa uma pressão inflacionária. O avanço tecnológico hoje é muito grande, não se pode ficar para trás.
E a indústria 4.0?
O mundo tem investido muito em transformação digital, principalmente os países mais avançados. Isso aumenta a competitividade e a produtividade. O Brasil vai ficando cada vez mais atrasado. Na última década, segue a queda de investimentos, e não existe perspectiva para investimentos em 25/24. Assim, o Brasil vai se distanciando dos outros, de países com indústria, agricultura. Isso é um legado que vai sendo deixado de perda de competitividade em vários produtos.
Isso atinge principalmente os de maior valor agregado?
Sim, mas mesmo na agricultura, onde temos uma grande vantagem, assim como na exploração mineral, estão havendo muitas perdas. As outras indústrias já percebem a queda de participação no PIB dada a baixa produtividade. Principalmente as de alta e média tecnologia, como a indústria de transformação, eletroeletrônicos, indústria automotiva e telecom, entre outras.
Esses problemas se somam?
São dois vetores empurrando para o mesmo lado. A perda de participação da indústria no PIB e a perda da infraestrutura de alta tecnologia na indústria. É uma realidade difícil.
O que o senhor achou do Nova Indústria Brasil (NIB), programa do governo que vai disponibilizar até R$ 300 bilhões em financiamentos para a indústria?
É importante ter um programa, mas desses R$ 300 bilhões alocados para a política industrial, mais de R$ 200 bilhões são das linhas normais do BNDES que já existiam, independentemente da política. Elas já estavam lá, da TLP (taxa de longo prazo), que é financiada pelo FAT. Então, olhando friamente, o maior responsável pela falta de investimento é o custo elevado do crédito no Brasil. Em média, o investimento custa de 18% a 20% em juros, e a atividade produtiva não dá retorno suficiente para pagar essa taxa de juros. Quando se olha o incentivo pelo governo via NIB, são R$ 100 bilhões em quatro anos, e grande parte é para inovação tecnológica. O mundo inteiro subvenciona pesquisa e inovação, muitas vezes as linhas são a fundo perdido, em vários países. Aqui é uma parcela muito pequena que tem uma taxa de juros em torno de 4% a 8%. Isso sim é subsídio, mas é pouco. Do total do NIB, R$ 200 bilhões são a custo de mercado e R$ 100 bilhões, em subvenção de verdade. Aí você entende o atraso tecnológico, baixo grau de automação na indústria e nos serviços.
“Máquinas agrícolas empregam tecnologias de ponta. Muitos fabricantes desenvolvem a tecnologia no Brasil e levam para outros países”
O Arcabouço Fiscal restringe os investimentos?
O País precisa investir. Nós estamos apoiando o governo nessas ações, mas temos um pequeno espaço fiscal, e o governo está agindo com responsabilidade. A gente vê o esforço do ministro [da Fazenda] Fernando Haddad atrás do equilíbrio. O que precisa é cortar despesas, ter uma política fiscal rigorosa, para ter espaço para uma política industrial mais efetiva.
A alta do dólar prejudica a indústria?
O problema do dólar não é ser alto ou baixo, é a volatilidade. Quando há volatilidade, aumenta a insegurança dos empresários. Eles precisam de previsibilidade para importar as matérias-primas, os componentes. Nenhum país é autossuficiente em componentes. Quando o empresário não sabe o custo do produto ele não sabe ao certo o custo de produção. Quando vai exportar, não sabe qual preço praticar, porque se errar no câmbio pode ter um prejuízo muito grande.
Qual é o impacto dos juros em 10,50% ao ano?
Os juros, desde que eu nasci, já eram altos. Tenho 60 anos, há uma predominância da política monetária, isso é um problema. A CNI divulgou recentemente um estudo que aponta o seguinte: se eu tivesse pegado R$ 100 no primeiro dia do Plano Real, e reajustasse pela inflação, hoje teria R$ 800. Mas se tivesse corrigido esses R$ 100 pela Selic, teria R$ 8.000. Quem investiu no mercado financeiro desde o Real teve um lucro muito grande, e nenhuma atividade produtiva dá um lucro tão grande quanto o título público. Em 2023, o CDI teve retorno de três vezes a inflação. Nenhuma atividade produtiva dá isso. A remuneração pelo CDI – sem nenhum risco de default – tem um retorno muito grande. Então para que correr risco no setor produtivo se eu tenho um retorno desse? É esse o maior concorrente do setor de máquinas e de quem quer investir. O Brasil tem taxas de juros que inibem o investimento. O capital de giro está custando de 30% a 40% ao ano.
E o mercado de capitais, debêntures?
Os setores que vão ao mercado de capitais conseguem taxas melhores, mas mesmo assim elas ainda são muito altas. Se você ligar para o seu banco, ele vai te oferecer debêntures incentivadas das principais empresas de saneamento, de energia, infraestrutura, além das LCA, LCI, CRA, que hoje estão rendendo IPCA+6%, IPCA+7%. Mesmo as empresas que vão se capitalizar no mercado ainda pagam muito caro. Nenhum lugar do mundo se investe sem se alavancar no mercado financeiro. A Abimaq tem uma estatística apontando que hoje somente 20% das máquinas são compradas com financiamento de longo prazo. As outras 80% são adquiridas com capital próprio. Isso inibe o investimento, o empreendedorismo e a alavancagem da economia. Por isso temos uma competitividade e produtividade baixa.
Fala-se muito na baixa produtividade do trabalhador brasileiro. Como reverter isso?
São três os grandes fatores que afetam a produtividade do trabalhador. O primeiro é a questão técnica, ou seja, estudos e educação, que carecem de investimentos. O segundo fator são os investimentos nas máquinas que o trabalhador opera, é a produtividade dos bens de capital. E o terceiro item é a soma total dos fatores e o ambiente macroeconômico do País. No Brasil, o investimento por trabalhador é de US$ 50 mil no ano. Nos EUA, é de US$ 300 mil. Há 30 anos, o trabalhador brasileiro tinha um nível de produtividade de 50% do americano. Hoje em dia, é de 25%. Dessa forma a economia nunca vai crescer de forma robusta. Serão sempre esses voos de galinha e crescimentos de 1%, 2% ao ano. Desde o Plano Real, o País cresce uma média de 1% ao ano. É muito pouco.
Qual setor de máquinas brasileiro se destaque mais no mundo?
Máquinas agrícolas, por óbvio. Empregam tecnologias de ponta, por conta das inovações do campo, do plantio direto e da agricultura de precisão. A Abimaq participa da Agrishow. Lá, havia 12 estandes de drones para pulverização. Hoje, na área de irrigação, armazenagem, plantio e colheita existem equipamentos extremamente sofisticados e de alta tecnologia na agricultura de precisão. Muitos fabricantes de máquinas agrícolas desenvolvem a tecnologia no Brasil e depois levam para outros países. Outra máquina que o Brasil exporta muito é a da linha amarela, para obras e mineração.
Como o setor vê a regulamentação da Reforma Tributária, que está em tramitação no Congresso?
Faço duas comparações. A primeira é como está o projeto atual em relação ao projeto inicial apresentado pelo deputado Baleia Rossi. Piorou muito. Existia a expectativa de se ter o melhor sistema tributário do mundo, mas entraram as negociações políticas, setores com muito lobby no Congresso que deformaram a proposta inicial.
E em relação ao sistema atual?
É um avanço extraordinário! A indústria vai ter um ganho enorme. Em dez anos o PIB pode avançar 20% só por causa da reforma. A carga tributária vai cair de 44% para 26,5%, vai desonerar investimentos e exportação. Haverá menor custo de conformidade, menos risco tributário, o contencioso jurídico vai diminuir. É um avanço espetacular.