“As pessoas precisam se sentir parte da organização”, diz Claudia Martinez, CEO do Grupo She
Para a executiva e empreendedora, as empresas não estão preparadas para o risco, ainda que cultivem uma narrativa de Governança
Por Hugo Cilo
Nos últimos anos, a executiva e empreendedora Claudia Martinez se especializou, na prática, em lidar com grandes desafios do mundo corporativo. Ex-CEO do Banco Máxima e conselheira de empresas como Idea Maker, Companhia Vale do Amazonas e RKO Alimentos, além de ser representante do Rosbank na América Latina, já atuou na definição de estratégias em entidades de peso como a Fiesp e a Apas, a associação paulista de supermercados. Mas ganhou destaque na defesa do papel da mulher no mundo empresarial. Hoje comanda também a plataforma She Invest — dedicada a democratizar e fomentar projetos liderados por mulheres em todo o País — e a Sisak, consultoria especializada em reputação. Acompanhe, a seguir, a entrevista:
Como foi a transição de carreira para comunicação, gestão de crise e riscos?
Cheguei a ser CEO e fiz a transição do Banco Máxima, onde fui sócia. Saí em 2018 e, por causa de um non-compete, comecei a trabalhar com comunicação, gestão de crise e riscos na Sisak, porque eu não podia voltar ao mercado financeiro. Um dia eu pensei: o que eu sei fazer além do que fiz a vida inteira? Eu sempre resolvi problemas para empresas onde trabalhei. Decidi fazer disso minha profissão. Montei a Sisak em 2019 e comecei a atuar em crises. Hoje sou uma empreendedora. Trabalho no fomento do empreendedorismo feminino e atuo com o Grupo X, um complexo de empresas no setor financeiro, focado em grandes negociações.
Qual é a sua análise sobre a evolução das ações ligadas à compliance e gestão de risco?
Muitas empresas têm narrativas de governança fortes, mas poucas estão realmente preparadas para situações adversas, especialmente riscos não mapeados, como comunicação e ciberataques. Existem muitos riscos de comunicação com clientes, fornecedores e ciberataques, como o recente caso da CrowdStrike, que afetou companhias aéreas e bancos. Vejo que apesar da narrativa de governança, as empresas não estão preparadas para o risco.
Mas há riscos que são imprevisíveis e, ao mesmo tempo, difíceis de evitar…
Sim, mas quando se lida com riscos não mapeados no negócio, começamos a enxergar onde eles podem acontecer e, assim, preveni-los. Porque quando estamos dentro dos conselhos de administração temos mapas de risco para monitorar aquelas possibilidades de risco que são mapeadas. Mas hoje, no mundo em que a comunicação e a tecnologia são muito velozes, nem sempre, de fato, para-se para definir estratégias e se preparar para uma situação de risco não mapeado no negócio.
Como você acredita que a preparação de líderes pode ajudar na prevenção de problemas?
Investir na saúde mental dos colaboradores e monitorar relações com stakeholders ajuda a evitar muitos problemas. Conhecer e interagir com o ambiente de negócio é crucial. Hoje há pouca integração entre líderes e funcionários. Em nome de uma hierarquia antiquada e uma cultura organizacional defasada, há pouca sintonia. Em geral, a gestão tradicional é focada em resultados e lucro, muitas vezes afastando a liderança do corpo de funcionários. É preciso integrar mais recursos humanos na gestão.
Como você lida com a diversidade e inclusão nos conselhos de administração?
A diversidade é fundamental, mas não pode ser excludente. Conselhos devem ser formados por pessoas complementares em suas competências, sem preconceitos ou imposições marqueteiras. A pandemia trouxe novos desafios com modelos de trabalho remoto e híbrido. Trouxe desafios significativos. A separação que havia antes entre vida pessoal e profissional se misturou, causando prejuízos em ambas as áreas. Cada empresa está encontrando seu caminho, mas é necessário diálogo. Impor o trabalho presencial é contraproducente e só vai causar descontentamento, pedidos de demissão e queda de produtividade. Por outro lado, há quem não goste do home office. Por isso, é essencial cautela e diálogo nessa fase de ajuste e adaptação na rotina das empresas.
Esse papel cabe mais às lideranças do que para os liderados, certo?
Sim, principalmente. A gente vive em um modelo de gestão muito engessado. Um modelo de gestão que está tentando evoluir, que está tentando mudar, mas segue preso a lideranças muito focadas em resultado, muito focadas e pressionadas por lucro, por estar ali no cerne da operação.
Mas todo líder precisa ter foco nos resultados…
Precisa, mas não só no resultado. É claro que para não deixar a operação cair, precisa existir a venda. E se não tem empresa, não há como manter as pessoas. Mas na minha visão, tão importante quanto isso hoje, é essa integração de relacionamento pessoal, de recursos humanos. As pessoas precisam se sentir parte da organização. E nem sempre as lideranças estão aptas a passar esse sentimento de pertencimento.
Existe tecnologia para ajudar a melhorar essa relação?
Muitas. Trabalho com ferramentas hoje que dão possibilidade de entender, inclusive, distorções das mais sutis possíveis. Por exemplo, o índice de suicídio aumentou muito na Europa após a pandemia. As empresas de lá usam algumas ferramentas de comunicação, aliadas com Inteligência Artificial, que conseguem fazer com que se tenha uma percepção de quando um funcionário está precisando de ajuda psicológica. Isso pode evitar uma perda significativa. E há caminhos para se fazer esse mapeamento de temas mais sutis, como a questão psicológica, sem ser invasivo na individualidade ou na privacidade do funcionário. Conheço algumas empresas brasileiras, inclusive lideradas por mulheres, que são precursoras de tecnologias que fazem esse amparo. Soube recentemente que o Banco do Brasil estava perdendo muito dinheiro por causa de burnout, cerca de R$ 65 milhões por ano em pessoas afastadas por questões psicológicas, problemas relacionados à saúde mental.
As mulheres têm sido mais afetadas por esse problema?
As mulheres são muito vítimas de estafa. A questão do burnout aumentou muito. Mas vejo que, além da questão do gênero, da mulher, há um efeito pós-pandêmico, que a sociedade ainda está digerindo. Existe um custo muito alto do que ficou de herança. Pessoas depressivas, situações também de saúde física, que estão começando a ficar mais latentes agora. Entre as crianças, por exemplo, piorou muito. Não devemos publicizar dados de suicídio, mas sabemos que são alarmantes e assustadores. Em crianças e adolescentes, há muita ansiedade.
O que as empresas mais buscam nos conselhos de administração hoje?
Comunicação, gestão de crise, inteligência e gestão de pessoas são os principais desafios. A pluralidade de vozes e competências nos conselhos é essencial. Mas, entre todos esses, a comunicação é o maior desafio e o que está mais gerando demanda nas empresas. Participo de vários conselhos. Entre eles estão Idea Maker, Vale do Amazonas, e da RKO, além de ter uma representação no Rosbank. Cada conselho tem desafios únicos e contribui para minha experiência multidisciplinar.