A bolha da IA vai estourar? Entenda o cenário e confira opinião de analistas
Gigantes da tecnologia enfrentam ceticismo sobre os investimentos em Inteligência Artificial. Custos elevados e dificuldades em alcançar resultados concretos balançam o mercado global
Por Aline Almeida
Futurista respeitada mundo afora, a pesquisadora Amy Webb tem analisado como poucos o surgimento e o avanço da Inteligência Artificial. Para ela, essa tecnologia integra um “superciclo tecnológico”, juntamente com a biotecnologia e os ecossistemas hiperconectados. As três vertentes vão revolucionar a economia e a sociedade de maneira avassaladora, na opinião de Webb, professora de previsão estratégica na Universidade de Nova York e fundadora e CEO do Future Today Institute. “Essa onda de inovação é tão poderosa e abrangente que promete remodelar a própria essência da nossa existência, desde as complexidades das cadeias de suprimentos globais até os detalhes dos hábitos diários”, disse ela durante apresentação na South by Southwest, mais conhecido como SXSW, um conjunto de festivais e conferências realizado anualmente em março, em Austin, Texas (EUA).
Mas há uma ponderação importante que ela faz quando analisa os potenciais da IA. “Haverá vencedores e derrotados.” E tanto vitoriosos quanto perdedores olham para os números superlativos que envolvem a Inteligência Artificial. O ChatGPT, da OpenAI, que tornou essa tecnologia mais acessível e democrática, demorou apenas 5 dias para atingir 1 milhão de usuários.
As seis maiores empresas de tecnologia do mundo – Apple, Microsoft, Nvidia, Alphabet, Amazon e Meta – têm juntas um valor de mercado na casa dos US$ 13,7 trilhões.
• A contribuição que a IA pode gerar ao PIB global até 2030 é de US$ 15,7 trilhões, segundo estudo da PwC.
• E 133 milhões de empregos devem surgir a partir da adoção de IA nos próximos seis anos, de acordo com o McKinsey Global Institute.
• As companhias investem bilhões em ferramentas de IA, as empresas absorvem e implementam produtos e serviços a partir dessa tecnologia e o mercado fomenta a roda dessa inovação.
A pergunta que está em voga no momento é: até quando?
Essa indagação estava rondando o Vale do Silício e outros redutos tecnológicos globais e ganhou contornos mais efusivos nos mercados mundiais depois alguns movimentos. Especialistas apontam que a bolha da IA estourou. Nos últimos anos, a Inteligência Artificial impulsionou a Nasdaq e as ações de tecnologia em todo o mundo, sendo considerada um boom para o crescimento da economia americana.
Esse impulso levou a Nvidia, a maior fabricante de chips ligados à IA, a aumentar seu valor de mercado de US$ 300 bilhões para US$ 3,3 trilhões em um período de apenas dois anos. No entanto, relatório do Fundo Elliott enviado a seus investidores ressaltou justamente que a IA que impulsiona o preço das ações da companhia está “superestimada”, segundo o Financial Times.
O fundo também afirmou que estava “cético” de que as grandes empresas de tecnologia continuariam comprando unidades de processamento gráfico (GPUs, na sigla em inglês) da fabricante de chips em volumes tão altos. A análise vai além e questiona muitos dos supostos usos da IA. “Nunca serão economicamente viáveis, nunca funcionarão corretamente, consumirão muita energia ou se mostrarão suspeitos.”
O dia 5 de agosto foi histórico. A chamada “segunda-feira vermelha” representou o momento delicado pelo qual a confiança sobre a IA vem passando.
• Os dez homens mais ricos do mundo perderam US$ 35,5 bilhões em 24 horas com derretimento de ações de empresas de tecnologia.
• Jeff Bezos, da Amazon, liderou a derrota no clube dos bilionários: perdeu a bagatela de US$ 6 bilhões de seu patrimônio de US$ 180,5 bilhões.
• As big techs despencaram cerca de US$ 1 trilhão em valuation.
• A Nvidia sofreu uma perda de US$ 238 bilhões, com suas ações caindo quase 7%.
• A Amazon fechou o dia 5 com uma queda de 4%.
• A Alphabet com uma baixa de 4,6%.
• A Microsoft encolheu 3,27%.
• E a Meta, 2,5%.
• A Tesla, de Elon Musk, também encerrou o mesmo dia com uma retração de 4,2%.
Para Vivaldo José Breternitz, doutor em ciências pela Universidade de São Paulo e consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas, as expectativas dos investidores em relação a essas empresas podem ter sido excessivamente otimistas. “O entusiasmo generalizado, alimentado por avanços revolucionários na área de Inteligência Artificial, havia elevado rapidamente as cotações”, disse. “No entanto, as crescentes preocupações sobre o retorno dos enormes investimentos feitos na área por essas empresas têm desviado a atenção dos investidores para outros setores, como bancos, imóveis e pequenas empresas”, avaliou o especialista.
Na análise de Breternitz, a IA ainda tem um enorme potencial na aplicação para geração de receitas substanciais para as empresas, mas alcançar resultados é um desafio. “Embora a IA pareça ter um enorme potencial, sua aplicação para geração de receitas é questionável. Enquanto indivíduos encontraram maneiras inovadoras de usar ferramentas de IA, como Copilot [da Microsoft] e Claude [da Anthropic], para aumentar a eficiência, histórias de sucesso em grande escala dentro de corporações ainda são relativamente escassas”, pontuou o professor.
Um exemplo é a Amazon. Em sua divulgação de resultados do segundo trimestre, na semana passada, registrou faturamento de US$ 148 bilhões, avanço de 10% na comparação com o mesmo período do ano passado. O que decepcionou os analistas americanos que previam resultados superiores e para quem os números sugerem que a empresa está gastando mais do que o esperado em IA.
As ações da empresa chegaram a cair 11,5% na sexta-feira, dia 3. As ações da Intel também derreteram 25% no mesmo dia, após a empresa anunciar, um dia antes, que depois de grandes gastos para se adaptar à onda de IA, tenta controlar os custos ao cortar US$ 10 bilhões e demitir 15 mil funcionários até o final do ano, o que representa uma redução de mais de 15% da sua força de trabalho.
No caso da Intel, segundo Breternitz, ela enfrenta problemas mais sérios, como os gerados pelas falhas de seus processadores Core de 13ª e 14ª gerações. “Como além de desenvolver componentes, a Intel também os fabrica, sua operação é mais complexa. Portanto, mais delicada”, disse o especialista, ao ressaltar que a empresa está recebendo US$ 8,5 bilhões do governo americano, através do Chips Act (lei de incentivos) para construir fábricas.
DESINVESTIMENTO
Entre os investidores preocupados com o futuro da IA e o que as empresas estão fazendo com ela está Warren Buffett. O ‘Oráculo de Omaha’, uma referência aos bons resultados decorrentes de seu trabalho com a Berkshire Hathaway, empresa de investimentos que preside há mais de 50 anos, reduziu pela metade sua participação nas ações da Apple. A cautela do investidor mais respeitado do mundo vem logo após a Apple anunciar novidades embarcadas com IA em seu sistema operacional durante a conferência anual Worldwide Developers Conference (WWDC) no mês de junho.
Segundo Gabrielle Ribon, especialista em Creative Technologies, o mercado apostou alto na IA e em todo o universo que envolve o uso e desenvolvimento dessa tecnologia, esperando lucros rápidos. Para ela, há dúvidas sobre a capacidade desse mercado de retornar os investimentos no tempo estimado. “Ao analisarem os relatórios das maiores empresas listadas na Nasdaq e seu baixo retorno, a instabilidade se instalou no mercado financeiro, levando alguns investidores a recalcular suas estratégias”, explicou a especialista.
Outro fator que deve ser considerado é que, por ser uma tecnologia emergente, seu resultado e impacto ainda são incertos. “De modo prático, é impressionante para a grande massa de usuários poder ‘conversar’ com um chat de Inteligência Artificial, ter respostas a indagações, otimizar processos. Mas o que vem além disso? Como a IA traz benefícios concretos? O mercado não consegue responder isso com segurança”, ponderou Gabrielle.
E aqui vale voltar em Amy Webb. Para a futurista, estamos diante de uma mudança potente, abrangente, que vai mudar a vida humana de formas incríveis e preocupantes. Estamos no que ela chama de Geração T, de “transição”. Dentro da bolha ou fora dela, haverá vencedores e derrotados.