Levi’s passa por transição para ir além do básico
Empresa que inventou a calça jeans olha para um futuro cada vez mais diverso e inclusivo, ao oferecer peças com mais conforto e uma moda voltada ao lifestyle
Por Allan Ravagani
Dizer que inovação é parte do DNA da marca se tornou trivial. No caso da Levi’s é um fato. O fundador da marca, Levi Strauss, recém-mudado para San Francisco em 1853, em meio à corrida do ouro na Califórnia, viu a necessidade de vender roupas mais resistentes aos trabalhadores das minas de ouro. Ele já vendia botas, roupas e outros acessórios, mas não estava satisfeito. Em parceria com Jacob Davis, um alfaiate de Nevada, Strauss criou e patenteou a calça de denim azul reforçada com rebites. Após 151 anos, a pergunta que fica é: como uma companhia, cujo carro-chefe é o tradicionalíssimo jeans azul, consegue se reinventar?
A Levi’s traz consigo o estilo clássico e ao mesmo tempo despojado, enquanto o jeans é um item atemporal e que nunca saiu de moda.
• O denim, aliás, foi criado na França, berço da moda, na cidade de Nímes, em 1792.
• Por muito tempo foi chamado de “tecido de Nímes”, daí surgiu o apelido “denim”.
• Neste século e meio, a jeanswear americana está presente em 110 países, com receita anual de US$ 6,2 bilhões e incrementando seu portfólio cada vez mais com produtos non-denin, ou seja, que não sejam jeans, buscando se aproximar dos consumidores e criar uma “conexão autêntica” com o público brasileiro, especialmente o feminino, além de ampliar a gama de modelos e faixas de preço.
O diretor geral da Levi’s no Brasil, Francisco Alves, conversou com a DINHEIRO e contou os planos da companhia para o País, focada na conexão com os consumidores e no crescimento sustentável. “Estamos deixando de ser apenas uma jeanswear para ser uma empresa de lifestyle”, afirmou Alves, ressaltando que hoje o jeans representa 58% das vendas no Brasil, contra 70% há três anos. “Os consumidores de Brasil e Argentina são mais ligados no fashion, por isso a transição está sendo mais rápida. Nos Estados Unidos e México eles são mais tradicionais, preferem o clássico. Por lá, 70% das vendas ainda são jeans”, completou.
O financeiro também vai bem, obrigado.
• Desde a pandemia, a operação brasileira da marca vem colecionando crescimentos anuais acima dos dois dígitos.
• De 2021 para 2022 o salto no faturamento foi de 18% no Brasil.
• Em 2023 o avanço foi de 15% e no acumulado de 2024 já está entregando um incremento de 9% na receita.
“Não estamos buscando crescimento a todo custo, estamos felizes com os números, em vista do tamanho do mercado de moda, mas somos muito pés no chão. Ao abrir uma nova loja, a gente estuda a região, o cliente e as aberturas são bem planejadas”, afirmou Alves.
Segundo o executivo, a Levi’s conta atualmente com 90 lojas em operação no Brasil, sendo 58 na mão de parceiros franqueados e 32 lojas próprias, incluindo 12 outlets. Um estudo encomendado pela empresa à consultoria Bittencourt, especializada em varejo e redes de negócios, apontou um potencial de 125 lojas, cruzando os dados de renda e performance.
“Então, dessas 90 atuais, ainda temos um bom espaço para crescer, mas não vamos sair desesperadamente correndo atrás de abrir loja. Estamos planejando esse crescimento”, afirmou. O tamanho do mercado de moda brasileiro está estimado em US$ 62 bilhões, segundo um estudo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, contando desde as pequenas lojas até as marcas internacionais. “Isso mostra que é um mercado fenomenal”, afirmou Alves.
O comércio eletrônico também está demonstrando um crescimento vultuoso.
• No acumulado de 2024, as vendas pelo site apresentam uma alta de 73% na comparação com 2023.
• No começo do ano, o e-commerce representava 9% das receitas brasileiras, devendo terminar 2024 em 11%.
• Estudo do E-commerce Brasil aponta que a fatia das vendas on-line do varejo sair de 11% de 2023 para 15% em 2027, ano em que está projetado movimento de R$ 557 bilhões.
Além do e-commerce e das 90 lojas monomarcas, está presente em 1,2 mil pontos de venda multimarcas e boutiques selecionadas. Além disso, também tem relacionamento com algumas contas-chave, como o Sam’s Club, Privalia e Dafiti. Já houve conversas com Riachuelo, Renner e C&A, mas a equação não fechou. Francisco Alves afirmou que o produto que a Levi´s vende no Sam’s Club é exclusivo.
“Não tem em nossa loja, e os produtos de nossa loja não estão lá. É um modelo mais padrão, para atender o cliente do Sam’s, que não vai lá especificamente para comprar uma calça, então é menos carregada de informações de moda, tem modelagem e acabamento mais padrão, mais simplificada, com um limite de preço que funciona bem”, completou. Nas lojas, a variação de preços do jeans vai desde R$ 299 para modelos de entrada, até as que custam mais de R$ 1.000, mais sofisticadas.
INOVAÇÃO
No quesito tecnologia de tecidos, a Levi’s passou por uma grande mudança nos últimos anos, com inovações e mudanças que garantiram maior conforto ao usuário, especialmente com a inclusão do elastano na trama. Segundo o executivo, essa evolução é um processo contínuo, que em cada nova coleção seja acompanhada também de uma nova tecnologia. Entre as inovações estão utilizar menos elastano, inserir o cânhamo, entre outros.
501
modelo icônico foi batizado pelo fundador ao vê-lo estampar um tecido
58%
das vendas nas lojas do Brasil são jeans, número era 70% há três anos
US$ 6,2 bilhões
receita global de 2023; expectativa é crescer 3% em 2024
Nos últimos anos, a Levi’s se preocupou mais em dar prioridade para temas como diversidade e sustentabilidade, enfatizou Alves. “Estamos tentando tornar o jeans mais inclusivo, que não tenha gênero, tamanho, é muito complexo ainda do ponto de vista da distribuição e do desenho da peça, mas é a intenção, estamos também muito de olho na tendência das consumidoras, que são uma fatia muito grande, trazendo mais conforto nas calças existentes”, afirmou
DESAFIOS
Neste ano de 2024, o maior desafio da rede foi, até agora, o inverno fraco, segundo Alves. Isso não serve como desculpa para um crescimento mais baixo, mas a falta de frio intenso trouxe mais dificuldades, inclusive para outros players do mercado. “O inverno impactou mais que as enchentes do Rio Grande do Sul. A empresa faz toda uma aposta, cria uma coleção e joga nas lojas, peças lindas, e aqui no Sudeste faz 32 graus no mês de maio. Isso tudo demandou muita perspicácia para remanejar as peças nas lojas”, afirmou. Um segundo desafio, de acordo com Alves, é o consumidor selecionando mais onde vai investir seu dinheiro, qual item ele terá um maior benefício. “Uma jaqueta com mais estilo pode competir com uma viagem, uma noite no teatro com um vinho. O consumidor está muito mais seletivo onde gastar”, avaliou.
FUTURO
A aposta para o futuro da Levi’s passa pela maior produção e desenvolvimento de produtos non-denin (produtos além das calças jeans). A Levi’s não quer perder seu legado de ser a criadora do jeans, mas quer ser também uma empresa de lifestyle. “É o que estamos fazendo nos últimos quatro anos, lançando algumas peças a mais que não sejam jeans, e vamos monitorando a aceitação do público. Por exemplo, estamos com falta de calças chino, esgotaram no ano passado e nesse semestre também”, disse. No feminino, a aposta é maior em vestidos. A empresa tem vendido cada vez mais desses itens. A ambição é que, dentro de algum tempo, a mulher pense: ‘Vou olhar um vestido lá na Levi’s’.